segunda-feira, novembro 29, 2004

PSICOTÓPICO DIRETO DE BRASÍLIA


O ACESSO A INFORMAÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA
Por Bianca Cardoso

“Os esquecimentos e silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva”. (Jacques Le Goff)

Documentos que contenham informações que possam colocar em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, e da imagem das pessoas são considerados documentos sigilosos. Possuem acesso restrito. Existe uma Lei no Brasil, a Lei 8.159, a Lei dos Arquivos, que determina que o acesso a documentos considerados sigilosos, não deve ultrapassar o período de 30 anos. Esse prazo pode ser prorrogado, por uma única vez, por igual período.

Em 27/12/2002, foi assinado pelo ex-presidente FHC, um decreto, n. 4.553, que regulamenta o acesso a informações sigilosas produzidas no âmbito da Administração Pública Federal. Esse decreto estipula que documentos classificados como ultra-secretos, serão mantidos como sigilosos pelo prazo de 50 anos, e que este poderá ser renovado indefinidamente. Ferindo um dos artigos da Lei dos Arquivos que garante o direito de acesso pleno aos documentos públicos. Esse decreto que entrou em vigor no primeiro ano de mandato do Governo Lula, revogou outros três decretos. Entre eles o decreto 2.134, que estipulava que a classificação de documento na categoria ultra-secreta somente poderá ser feita pelos chefes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário federais. No atual decreto 4.553, a competência é estendida a Ministros de Estado e aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

O período da Ditadura Militar no Brasil durou oficialmente de 1964 a 1985. Foi um movimento político-militar deflagrado em 31 de março de 1964 com o objetivo de depor o governo do presidente João Goulart. Sua vitória acarretou profundas modificações na organização política do país, bem como na vida econômica e social. É um período marcado por autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura dos opositores e pela censura prévia aos meios de comunicação.

O golpe militar completou 40 anos este ano. Toda a documentação referente à época e principalmente a documentação produzida pelos órgãos e departamentos responsáveis pela repressão legal, como os DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e os DOI-Codi
(Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), estão com seus prazos de acesso, segundo a Lei dos Arquivos, findos. Mas muitos documentos não podem ser consultados por pesquisadores por causa do decreto 4.553.

A Lei autoriza determinadas pessoas ou grupos como movimentos ligados aos direitos humanos, ou organizações de vítimas da ditadura a consultarem esses documentos, com autorização prévia da autoridade competente, para obterem indenizações ou retratações públicas. Mas a questão é que toda essa documentação poderia auxiliar no processo de reconstrução da memória de um período muito importante da história brasileira.

O Governo Lula ainda não revogou o decreto e recentemente, a Revista Veja publicou que ele e seu governo não acreditam que a possibilidade de acesso a esses arquivos possa auxiliar nos casos das vítimas do Regime Militar. Mas a importância desses documentos não reside apenas na questão de que seja feita a justiça. Esses documentos, principalmente os produzidos pelos órgãos de repressão política, mostram suas rotinas, os relatórios de agentes infiltrados, depoimentos de presos políticos, comunicações entre órgãos de informação de outros países. É uma documentação extremamente delicada que pode não indicar culpados, mas talvez ajude a entender como o Brasil passou 21 anos mergulhado em um regime tão autoritário e repressor.

Recentemente surgiram fotos na imprensa que seriam de torturas sofridas pelo jornalista Wladimir Herzog. As fotos na verdade eram de um padre canadense que sofreu nos porões da ditadura. Mas o que ocorreu de mais grave, com a veiculação das fotos na imprensa, foi a reação do Exército Brasileiro que divulgou uma nota afirmando que:
“o Exército brasileiro, obedecendo ao clamor popular, integrou, juntamente com as demais Forças Armadas, a Polícia Federal e as polícias militares e civis estaduais, uma força de pacificação que logrou retomar o Brasil à normalidade.” Eles tiveram a coragem de afirmar que tortura, repressão e desrespeito aos direitos humanos são formas de pacificação. Mostrando que as Forças Armadas do Brasil ainda tem muito o que aprender sobre o período da Ditadura.

A Ditadura Militar é um período muito recente da História Brasileira. A divulgação de informações contidas nesses documentos pode acarretar conseqüências para determinadas pessoas. Os governos brasileiros que sucederam o período ditatorial vêm tentando criar mecanismos legais para a reparação moral e financeira das vítimas e seus familiares. Só que esse também é um período desconhecido da maioria dos brasileiros. Nas escolas, a história brasileira ainda é ensinada através de fatos, sem discussão, sem contexto, sem conseqüências. A abertura desses arquivos pode auxiliar na reconstrução da memória histórica nacional. Dando aos brasileiros, principalmente aos mais jovens, uma visão mais ampla do que foi a ditadura militar e as suas conseqüências para o processo histórico, social, econômico e político brasileiro. É uma questão de conhecimento e reestruturação da memória coletiva.


Texto baseado e com idéias tiradas de duas palestras:
A Lei 9.140/95 – limites e avanços. Proferida por Nilmário Miranda, Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
DEOPS/SP: visita ao centro da mentalidade autoritária. Proferida pela Professora Drº Maria Aparecida Aquino.
Ocorridas no I Congresso Nacional de Arquivologia, realizado em Brasília no período de 23 a 26 de novembro de 2004.


(A Srta. Bianca Cardoso, autora do texto acima, é FORMADA em Arquivologia e Publisher do blogue Notícias do Mundo de Cá. Esse texto, recebi ontem, logo depois de ler no portal do “Click 21” que o Grêmio acabara de ser matematicamente rebaixado para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Quem compartilha desse vício futebolístico, deve saber o que eu estava sentindo. O e-mail da Bianca serviu pra me deixar mais animado. É sempre bom ter colaboradores desse nível. Valeu Bianca. Como diria o clichê, o Psicotópicos “está de portas abertas”. Bem, quando a mim... devo dizer que este não é um dia de primeira. Aliás, faço das palavras de Garfield as minhas para dizer: “eu odeio segundas-feiras”. ´mabraço).

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sábado, novembro 27, 2004

"CUSPIR" É VIVER ou VIDA LONGA À EPIDEMIA



O episódio de hoje de “Os Simpsons” mostrava a Lisa tentando se opor ao império de comunicações construído pelo Sr. Burns por meio de um Fanzine feito na garagem de casa. Na história, Lisa precisava enfrentar suas próprias fraquezas, resistindo a tentativas de suborno (Burns lhe oferecia pôneis em troca de seu silêncio) e estratégias sórdidas de desmoralização, que envolviam calúnias acerca de um certo envolvimento entre ela e Milhouse.

Pois é. Não pude deixar de pensar em nosso projeto de um Fanzine desterritorializado enquanto assistia ao desenho. Não vamos enfrentar o Sr. Burns o que, suspeito, seria bem mais fácil. Nossos inimigos, muitas vezes, não terão rosto. Ao mesmo tempo, nossos gritos parecerão sussurros em meio à algazarra do mundo.

Mas, como dizemos aqui em Guarapari: “Toxo”. Criemos "o silêncio que precede o esporro". Deixemos de lado as inimizades: façamos amigos. Como diriam os sábios: “cuspir” é viver. So, let´s do it !!!*

* Este é o Psico tentando encarnaro caráter cosmopolita da coisa.

´mabraço.

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sexta-feira, novembro 26, 2004

DA GLOBO E DO JORNAL NACIONAL: avanços e retrocessos.



Não sei se acontece nas repetidoras, mas para quem tem parabólica a Globo tem veiculado uma série de campanhas publicitária de conscientização sobre diversos temas, como desarmamento, trânsito, saúde, sexo seguro e outros. Isso, assim como os “inserts” do Canal Futura são pequenas contribuições da Globo à cidadania em nosso país. Ponto.

Elogio feito, passemos ao puxão de orelha – que é pra ninguém cair na besteira de acreditar na bondade global. Campanhas como essas são o mínimo do mínimo que as redes de TV, enquanto concessões públicas, têm obrigação de fazer pela sociedade. Embora louváveis, são iniciativas que assumem proporções microscópicas quando comparadas às mazelas históricas das TVs, com destaque para a Rede Globo, como o apoio/vista grossa à Ditadura Militar, a ignorância proposital da campanha pelas Diretas Já, em 1984, o apoio à candidatura de Fernando Collor, em 1989, e outras contribuições aos descaminhos da “Terra Brasilis” ao longo das últimas cinco décadas. Espaços para discussão de temas ligados à cidadania precisam ser ampliados – e muito – para que a TV cumpra de fato sua função social.

Trouxe este assunto à baila por dois motivos. O primeiro foi a matéria especial, veiculada ontem pelo Jornal Nacional, sobre violência doméstica. Reportagens são um poderoso instrumento jornalístico para trazer ao espaço público temas polêmicos e fundamentais. O Jornal da Globo, apesar da pouca audiência (alta para o horário, baixa em relação aos índices do JN) também realiza um trabalho que merece elogios (contidos, mas elogios ainda). A série de reportagens, realizadas pela âncora do noticiário, sobre a situação da mulher em diversos cantos do mundo (como Colômbia, Índia, Afeganistão e Islândia) foi belíssima. (Além disso – aqui vai uma preferência muito particular – a Ana Paula Padrão é uma gracinha).

Creio que não por acaso, no intervalo que precedeu à veiculação da matéria sobre violência doméstica no JN, a Globo levou ao ar um filme de cerca de 30 segundos, na linha das campanhas veiculadas acima, sobre o mesmo assunto que seria abordado pela matéria anunciada no bloco anterior. O filme, que mostrava um grupo de amigos num bar repreendendo um dos colegas por ter espancado a mulher novamente, dizendo que a bebida não justificava essa atitude, terminava com a seguinte frase: “Homem que é homem, não bate”. Nesse ponto, um lance cômico: logo após a frase que acabei de citar, entrou no ar uma propaganda do novo DVD de Pepeu Gomes, que começava com o músico cantando: “Ser um homem feminino não fere o meu lado masculino”. O efeito de continuidade, no qual a música de Pepeu Gomes parecia complementar o filme anterior, foi forte. Tudo pode não ter passado de “mera coincidência”, mas – cá entre nós – acho que foi uma grande brincadeira dos editores que acabou dando certo.



Outra coisa sobre a qual queria escrever há algum tempo é daquelas charges do Chico no JN. Sejam sinceros agora: alguém consegue achar graça naquele troço? Da minha cabeça ninguém tira a idéia de que aquilo não passa de uma estratégia da Globo para alfinetar o governo de vez em quando sem comprometer a aura de imparcialidade e assepsia do Jornal Nacional.



A outra pulga que fez morada atrás de minha orelha enquanto eu assistia ao JN veio das matérias sobre as manifestações de “estudantes, punks e sem terra” contra o governo, ocorridas em Brasília ontem. A Globo dedicou um bloco inteirinho do Jornal Nacional para falar de eventos desse tipo, começando em Brasília e passando por conflitos entre sem-terras e ruralistas no interior do país. Não me estranha a Globo cobrir esse tipo de acontecimento, afinal, tratam-se de fatos que se enquadram perfeitamente no conceito de “fato jornalístico”, de interesse público. O que estranha é que, no governo anterior, fatos como esses, quando aconteciam, não recebiam tanto destaque quanto hoje. Basta observar o silêncio (ou no máximo os sussurros) da mídia com relação aos protestos realizados na primeira edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, anos atrás. Para mim, das duas, uma: ou a sociedade civil acordou, aproveitando a energia simbólica liberada pela ascensão de um governo de esquerda ao poder (por mais afinado que ele ande com o discurso neoliberal); ou interessava à mídia manter uma aparência de calma e estabilidade em torno do governo FHC.

Sei que pareço conspiratório, mas acredito que em se tratando de Rede Globo é sempre guardar um pé atrás.

Anteontem acompanhei uma discussão sobre história, memória e identidade cultural no seminário acadêmico promovido pela faculdade em que estudo, aqui em Guarapari. Participaram do debate os professores da Universidade Federal do Espírito Santo, a doutora em história, Juçara Leite, e o doutorando em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense, José Antônio Martinuzzo. Em suas exposições, ambos os debatedores enfatizaram que a história oficial é feita menos de memória do que de esquecimentos. Na seleção do que merece ou não ser relembrado, o passado é distorcido e a representação social da realidade pode ser manipulada, para atender a fins mais ou menos escusos, dependendo dos contextos.

O curioso é que, dias atrás, foi exatamente isso que eu disse ao Kleber de Mateus, respondendo a um comentário dele sobre o “post” “O Fim da Utopia”, quando ele disse que não acreditava na possibilidade de concretização de projetos de resistência porque , segundo ele: “Basta que olhemos para a história, e as revoluções - ´rupturas com a ordem estabelecida´ - sempre tem, em algo de seu ideal de renovação, algum ponto em que entre em questão a produtividade”. Naquela oportunidade, valia dizer também que no livro do Gabeira, de onde extraí o texto sobre Marcuse, estão registradas uma série de experiências alternativas que passavam longe disso. Resta-nos fazer a pergunta impertinente: por que essas iniciativas caíram no esquecimento?

Nesse debate ao qual me referi, Martinuzzo usou um conceito de “lugares de memória” (não me recordo agora de qual teórico) para falar da importância de criarmos espaços para a memória não-hegemônica, algo que tenho tentado fazer aqui no Psicotópicos, apesar das limitações.

Não tive oportunidade de dizer isso a ele, mas creio que ele concordaria que comentar e criticar o conteúdo jornalístico emitido especialmente pela televisão é uma maneira de garantir “lugares de memória” alternativa para diversos acontecimentos. Pode-se dizer que a imagem televisiva, com seu caráter fugidio, é quase uma metáfora do presente (de Grego?). Congelando-a e transferindo-a para outros suportes é possível ter emitir sobre a imagem e sobre o discurso televisivo um outro tipo de olhar, capaz de nos levar em diversas direções. É isso que tento, vez ou outra, fazer por aqui.



Para encerrar a sessão JN de hoje, só queria dizer que o Espírito Santo apareceu novamente em rede nacional. Pra variar, as noticias eram péssimas: (1) os ataques/incêndios aos ônibus da linha municipal por parte de ex-presidiários (???) que, segundo especula “A Gazeta” (o jornalão local) poderiam ter ligação com o Comando Vermelho (???); (2) a prisão de um juiz de Vila Velha com o bolso cheio de comprimidos de Ecstasy.

Comentários: (1) o caso dos ônibus, pra mim, ainda está muito mal explicado. Por que – diabos! – o crime organizado desembestou a atacar ônibus velhos assim, sem mais nem menos? (Não sei porque, mas essa situação remeteu-me a “Era uma vez na América”, o clássico de Sérgio Leone sobre o submundo de Nova York); (2) o caso do juiz – positivamente, num sentido – joga mais lama na imagem dos “doutores da lei” no Brasil. Mesmo que ele seja inocente e os comprimidos tenham sido “plantados” no bolso dele como ele diz (não podemos correr aqui o risco de julgar precipitadamente a figura), o incidente faz pensar: creio que não há ninguém que não conheça (ainda que “por tabela”) pelo menos um ou outro juizinho que é chegado nuns entorpecentes ilícitos de vez em quando; o engraçado, nessa situação, é que quando se fala em legalização, ninguém quer dar a cara à tapa e abrir o jogo. Pergunta infantil: será que tem alguém “grande” ganhando com isso?

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Bom, basta de conspirações por hoje. Fechemos a conta enquanto outros lavam a égua.

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quinta-feira, novembro 25, 2004

AQUELE TIME...

Está bem, está bem, eu confesso!!! Eu gosto de futebol. Eu já fui um torcedor fanático, daqueles que assistem a jogos inteiros sem mudar de posição, pra não dar azar. Não riam, é sério. Uma vez vi meu time perder uma semi-final da copa do Brasil só porque senti uma coceira infernal no vão dos dedos do pé esquerdo, mais pro lado do dedão, e acabei me mexendo pra coçar. Tem gente que não acredita no poder do torcedor, mas é sério. Funciona mesmo.

Hoje em dia, procuro afastar-me cada vez mais desse vício. Esse processo começou há alguns anos. Não chegou a ser uma decisão tomada de livre e espontânea vontade, mas também não precisei freqüentar o TA (Torcedores Anônimos), embora tenha cogitado essa hipótese certa vez.

O que contribuiu grandemente para minha libertação foi a mudança de cidade. Em Guarapari, aos poucos, a fissura foi diminuindo. Já não percorria mais as estações do rádio AM nas tardes de domingo, em busca do placar da última partida -- aquela disputa por três pontos decisivos, que valiam duas posições na tabela. Passei a acompanhar os resultados pelo jornal. O fato das TVs não cobrirem os jogos do meu time com a atenção que eu achava justa, deixou se ser um empecilho à minha felicidade. Quando dei por mim, já não vociferava mais em frente à TV, no horário do Globo Esporte. A gota d´água foi quando deixei de assistir a uma das poucas partidas televisionadas do meu time(numa dessas “quartas do futebol”) para ir pro boteco com a galera, conversar sobre diversos assuntos, dentre os quais, não estava o futebol.

Comecei a ficar cada vez mais parecido com meu tio, saudosista dos bons tempos. Relembrava as equipes vitoriosas, aquele técnico genial, aquele goleiro explosivo. Dos dias atuais, pouco sabia. Não conseguia nem quem era o meia-direita do meu time. Uma vergonha.

Os leitores devem estar curiosos para saber qual o meu time. Eu tenho que dizer, né? Já passa da hora. Não se pode adiar essas coisas infinitamente. Tá bom. Eu falo. Meu time é o Grêmio, estão satisfeitos. O Grêmio, bicampeão brasileiro, bicampeão da Libertadores da América, campeão do mundo em 1983. O Grêmio de Porto Alegre. O time que revelou Ronaldinho Gaúcho e consagrou o Felipão. O Grêmio que outrora foi o terror da Copa do Brasil. O Grêmio, único time gaúcho a ter um jogador entre os campeões do mundo de 70: Everaldo, o lateral esquerdo.



O Grêmio, atual lanterna isolado do campeonato brasileiro. O Grêmio que repetirá este ano o fracasso de 91, voltando novamente à segunda divisão...

Pois é.

O time do qual tenho saudades, é aquele comandado pelo Felipão, com Danrley, Arce, Adilson, Rivarola e Roger, Arilson, Carlos Miguel, Dinho e Luís Carlos Goiano, de Paulo Nunes e Jardel.

A torcida da qual tenho saudades é a torcida colorada. Pode parecer estranho, mas boa parte da alegria mórbida de um torcedor fanático vem a da possibilidade de sacanear o adversário. Vencer é sempre bom, mas vencer o rival é estupidamente maravilhoso. Hoje, com o Grêmio nessa situação, é até bom estar longe do Rio Grande do Sul. Ninguém merece corneta...

Hoje, compartilho da filosofia do Marcelo Camelo, do Los Hermanos que diz: “E eu que já não quero mais ser um vencedor, levo a vida devagar pra não faltar amor”... Mas isso é hoje. Antigamente? Antigamente não...

Lembro que, quando o Grêmio perdia o grenal, eu me recusava a ler as colunas do Veríssimo em Zero Hora. Mesmo que ele nem tocasse no assunto, tratava-se de um colorado incorrigível, o que batava para torná-lo indesejável. Nesses dias, o jjeito era assistir aos comentários emocionados do Paulo Santana na RBS: independente do resultado, “com o Grêmio onde o Grêmio estiver”.

Só estar longe do meu time (e sobretudo dos colorados) me fez perceber a grandiosidade e o irracionalismo implícitos no fanatismo futebolístico. Influência forte em minha vida, mesmo hoje, praticamente liberto do vício, é impossível não sentir no coração uma pontada de dor, ao ver meu time, literalmente, caindo pelas tabelas.

O processo de libertação é lento e doloroso, mas acredito que estou indo bem. Um dia de cada vez, um dia de cada vez. Só por hoje, só por hoje, afinal, já dizia o CPM22, “as coisas são assim”, então, bola pra frente, bola pro mato, bola na rede! Como diriam os Beatles, “a vida segue com e sem você”...

(Mas precisava ser lanterna?...)


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terça-feira, novembro 23, 2004

UMA SALADA CÔMICA, COMPLEXA E CAÓTICA: pitacos, cuspidas, redes, citações, colagens e Outros.

Estava fazendo uma consulta rápida à seção Pérolas do Vertibular, do site Releituras e, para minha surpresa, deparei-me com algumas tiradas que beiram a genialidade. Não, não; não estou brincando não. Em meio às atrocidades lingüísticas, surgiam petardos perspicazes que me recuso a acreditar que sejam simples frutos da ignorância.

Observem, por exemplo, a seguinte afirmação: ”Na Grécia, a democracia funcionava muito bem, porque os que não estavam de acordo, se envenenavam. Digam se não há um fundilho de verdade nessa história? Quem acredita na pureza da democracia grega – garantida pelos escravos -- que atire a primeira pedra!

Outra frase parece dizer da corrupção no universo capitalista, reparem: ”O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fábricas desconhecidas.” Fabricas de dinheiro sujo então, nem se fala!

E o que dizer da frase “O Brasil é um país abastardo com um futuro promissório? Quando a gente pára pra pensar na dívida externa, não há como discordar do jovem vestibulando.

Outros são um pouco mais agressivos e conspiratórios. Um deles se interroga acerca das práticas do então presidente Fernando Henrique Cardoso, o saudoso (perdoem a ironia), FHC. Compartilhem da indignação do aspirante a universitário: E o presidente onde está? Certamente em sua cadeira, fumando baseado e conversando com o presidente dos EUA.

Há também insights interessantes acerca do contexto pós-moderno, como a seguinte categorização: A História se divide em 4: Antiga, Média, Moderna e Momentânea (esta, a dos nossos dias). Não dizem os teóricos, como Gilles Lipovetzki, que vivemos sob “O império do efêmero”? Não estamos no tempo do contingente, do passageiro ou, como diria o nobre calouro, do momentâneo?

Alguns usam de ironia voltaireana para falar da realidade brasileira, como este, que diz que ”A Previdência Social assegura o direito à enfermidade coletiva”. Essa observação deve estar baseada em dados empíricos, colhidos diretamente dos corredores dos hospitais públicos.

Outros resumem brilhantemente o problema terceiro mundo dizendo: “O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de necessidades”. Alguém discorda?

No site do Releituras há outras dezenas de frases de vestibular, mas nem todas são genialidades. Algumas são entristecedoras, como essa: "A televisão é influenciativa em nossas vidas. Quantas vezes não compramos um tênis porque vemos na TV? A programação deveria ser mais educante(...)". Ou ainda, trilingüismos, do gênero: “O bem star (sic) dos abtantes endependente (sic) de roça, religião, sexo e vegetarianos, está preocudan-do-nos”. E, na linha “trash”, frases como esta: ”Também preoculpa (sic) o avanço regesssivo da violência”.

Há também o honesto que, objetivamente, responde: "Não cei". Ou aquele que, quando interrogado sobre “O que entende por helenização?", rebate na lata: "Não entendo nada".

Nas provas, há também espaço para o hermetismo. Tentem interperpretar, por exemplo, a seguinte frase: “A unidade de força é o Newton, que significa a força que se tem que realizar em um metro da unidade de tempo, no sentido contrário. Um dos vestibulandos poderia usar essa frase como um exemplo de lenda, pois, como ele afirma, “Lenda é toda narração em prosa de um tema confuso”.



As “Pérolas do Vestibular” fazem rir, sim. Vale tomar emprestado aqui a teorização de Freud sobre os chistes, essa transferência de nossas frustrações e medos – sobretudo o medo do ridículo – que projetados no outro, produzem um efeito cômico. Freud é um cara estranho mas, talvez nesse ponto, seu pensamento faça sentido.

Antes de partir para uma conversa mais séria em torno desse assunto, vale dizer que, provavelmente, nem todas as frases citadas aqui foram escritas por pessoas oriundas da classes C, D e E, para usar uma definição cara aos jornalistas. É certo que, muitos desses vestibulandos, estudaram em boas escolas e, simplesmente, não se interessaram por aprender a escrever ou mesmo ler qualquer coisa. Essa situação é corriqueira. Dito isso, passemos às outras causas do problema.

Comicidades à parte, as pérolas alertam para a situação do Ensino Médio por estas bandas. Tirando os deboches (para mim, muitas dessas frases são deboche mesmo), há textos que parecem inventadas, pela tamanha incompetência lingüística que demonstram.

Segundo David Harvey (Condição Pós-moderna), Lyotard, em sua teoria dos “jogos de linguagem”, concebida sob a influência de Wittgenstein, opõem as “qualidades abertas potenciais das conversas comuns” (as “conversas cuspidas”), que podem ser mudadas e flexibilizadas para encorajar a maior flexibilidade da enunciação, à rigidez com que as instituições, que Foucault chamaria de domínios-não-discursivos, “circunscrevem o que é ou o que não é admissível em suas fronteiras”. “Os reinos do direito, da academia, da ciência e do governo burocrático, do controle militar e político, da política eleitoral e do poder corporativo circunscrevem o que pode ser dito e como pode ser dito de maneiras importantes”. No caso do vestibular, que é a porta de entrada para o “reino da academia”, essa definição do “como pode ser dito” começa na exigência de “excelência textual”. Essa é uma das primeiras etapas do processo seletivo.

Em certa medida, isso é até compreensível, tendo em vista que a capacidade de interpretar e compreender textos com determinado grau de complexidade é uma prerrogativa para se locomover de forma minimamente razoável no universo acadêmico. Voltarei a esse assunto mais à frente.



Uma coisa que, acredito, deveria ser revista é a questão do vestibular. Lembram da frase sobre a unidade de força, aquela incompreensível que citei acima? Pois é, nem aquilo eu conseguiria fazer se me propusesse a escrever sobre física: sou um completo ignorante nesse assunto. Assim como em matemática e química. Sob esse aspecto, taxar de incompetentes, incapazes ou, simplesmente, de burros os vestibulandos que tentam “enrolar” para dar conta do recado em disciplinas pelas quais não têm o mínimo interesse é um bocado maldoso.

Recorramos agora ao lugar comum -- que continua válido – para perguntar: por que – diabos – um cara que é apaixonado por história precisa perder horas do seu dia estudando matemática só pra passar na porcaria do vestibular, sendo que, assim que colocar os pés na faculdade, poderá esquecer de tudo, prazerosamente, sem culpa e sem ônus? Talvez esse sistema só preste mesmo para alimentar a gigantesca rede de “cursinhos pré-vestibular” que se instalou no Brasil e que garante à elite tupiniquim vagas nos cursos mais concorridos das melhores universidades do país.



Nesse fim de semana, assisti ao documentário “O Prisioneiro da Grade de Ferro (autro-retratos)”, de Paulo Sacramento. O filme foi o resultado de uma oficina de vídeo dada por Sacramento aos presos do complexo penitenciário do Carandiru poucos meses antes da desativação. Na oficina, os detentos aprenderam a manipular as câmeras e, durante cerca de sete meses, filmaram a realidade do presídio. Findo esse período, Sacramento (que -- vale dizer -- foi o montador de “Amarelo Manga”, do pernambucano Cláudio Assis) editou as imagens captadas pelos presidiários para fazer uma obra excelente, um registro impiedoso da realidade carcerária brasileira como poucos foram capazes de realizar até hoje. O documentário é forte, infinitamente mais áspero que a versão romantizada de Babenco (xingado por Cláudio Assis na última entrega do “Oscar” brasileiro) para o livro de Dráuzio Varella, o best seller “Estação Carandiru”.

Poderia falar muitas coisas sobre “O prisioneiro da Grade de Ferro”, mas prefiro deter-me aqui no aspecto do uso da linguagem por parte dos presos quando diante das câmeras. Salta aos olhos o esforço dos detentos para ser aproximarem da “norma culta” da língua. Nesse esforço desesperado, o resultado final é desastroso, semelhante ao apresentados pelos vestibulandos que ora discutimos. Quando os presos conseguiam ficar à vontade para deixar sua linguagem particular vir à tona, o resultado era de uma riqueza fantástica. Como quando as imagens mostravam os rappers ou os homossexuais, absolutamente “em casa” com seus próprios códigos, um híbrido de linguagem coloquial, gírias e neologismos. Uma espécie de dialeto potente, de enorme capacidade expressiva.



Dia desses, a Laura, do blogue “O Imigrante é um Forte”, escreveu sobre esse assunto na Praça do Zé. Acompanhemo-la um pouco:

No âmbito da linguagem, os indíviduos são doutrinados a acreditar que o nosso idioma pode ser compreendido à luz da dicotômia presente nos conceitos de certo e errado. A partir dessa idéia, toda a Língua Portuguesa passa a ser pensada como um conjunto de regras que precisam e devem ser aprendidas a fim de alcançarmos a dita "excelência textual". O erro lingüístico daquele que, pasmem, não conhece e não respeita o padrão culto da língua é severamente punido (simbolicamente falando) com críticas e piadas como a que acabamos de ler.

No “post” em questão ela usava uma piada que, aqui, pode ser tranquilamente substituída pelas “Pérolas do Vestibular” que, tenho certeza, arrancaram uma “pá de risos” da galera, como diria um ex-colega paulista. Lá na Praça, a Laura terminava o texto citando um poema genial de Patativa do Assaré, um belo exemplo de que a capacidade de se expressar, às vezes, independe do domínio lingüístico. Guimarães Rosa sabia disso como ninguém, tanto que apropriava-se de forma magnífica das particularidades lingüísticas do interior mineiro ou do sertanejo para fazer obras de arte do porte de “Grande Sertão: veredas”.

A academia, no entanto, tem suas próprias regras, como já dissemos acima. Entre elas, está a exigência de um certo tipo de competência lingüística, de “excelência textual”. É nesse ponto que a população mais pobre sai perdendo. Nesse ponto, toda riqueza lingüistica deles de nada serve. Na academia, o que conta é a norma culta. E, acredito, todos merecem a chance dominar essa norma, para abrir determinadas portas. Os professores que organizam essas infames provas de vestibular e corrigem redações como as citadas acima deveriam se dar conta disso.

Impedir que as pessoas tenham acesso às diversas variantes da língua é terrível. Essa postura só intensifica o processo – já em curso – de tribalização do mundo. Tribalização que nesse caso é perigosa, pois, futuramente, pode representar a impossibilidade da comunicação entre grupos distintos, empurrando os acadêmicos para as “torres de marfim” e o cidadão comum para os guetos, sejam eles sociais ou lingüísticos (observem a linguagem dos sambistas cariocas, como Bezerra da Silva, de Rappers, como Marcelo D2 e outros tantos e mesmo dos traficantes). Se o Estado exige das pessoas a competência lingüística para considerá-los cidadãos, que dê a essas pessoas o direito de apropriarem-se dessa língua oficial.

A teoria da ação comunicativa, de Jürgen Habermas, para concretizar-se, requer o domínio lingüístico das partes envolvidas num processo argumentativo para que a intersubjetividade aconteça. Quando não há esse acordo -- chuto eu -- é necessário que, para haver diálogo, haja uma predisposição dos envolvidos no sentido de tentar compreender o outro. No caso do vestibular, isso não é possível. Trata-se de um “processo seletivo”, um processo de darwinismo social onde vencem os “melhores-num-sentido-bem-específico”.

A mim, agradaria muito se a vida na terra não dependesse tanto das instituições – dos “domínios-não-discursivos” – que compõem nossa sociedade. Mas sei que, hoje, seria impossível conceber tal realidade. Por mais esvaziadas que estejam, as instituições modernas (e mesmo algumas pré-modernas) ainda são suficientemente fortes para engessar a todos aqueles que “não dançam conforme a música”. Acredito que a criação de espaços sociais alternativos passaria pelo enfraquecimento de certas instituições. Enfraquecimento que, desconfio, deve acontecer de dentro pra fora, daí a necessidade de respeitar certas conveniências, como diria Adriana Calcanhoto, para poder infiltrar-se nesses universos.

Aliás, já que falamos de Adriana Calcanhoto, nada melhor do que um pouco dela pra fechar este “postão”.


“Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto do bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos
Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto do bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas
Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto do bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu aguento até os estetas
Eu não julgo a competência
Eu não ligo para etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
Eu compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades
Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto do bom senso
Eu não gosto dos modos
Não gosto
Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem…”
(Adriana Calcanhoto)

Sei que este “post” tem um quê de salada, mas aproveitem. Temperem à gosto e mandem ver. Talvez não mate a fome, mas dizem que é saudável e nutritivo.

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sexta-feira, novembro 19, 2004

DA BALAUSTRADA



“Vim pelo caminho difícil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esquina,
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,
palavra, palavra minha.”
(Paulo Leminski)


Balaustradas: o que poderia significar essa palavra? Apareceu diante de mim numa das galerias da Biblioteca de Babel, de Borges. Já me ocupara da biblioteca em outra época e não cabe aqui retomar o assunto dessa forma, mas não custa nada mencionar o fato, que talvez sirva para ilustrar minha obsessão.

Este texto, na verdade, quer falar de outro assunto. Diz de uma tentativa de reconciliação entre mim e a palavra. Não falo mais da palavra balaustrada que, servindo de mote, já pode agora ser novamente abandonada: falo da palavra num sentido geral, enquanto linguagem.

Os leitores deste sítio não sabem, mas já faz algum tempo que eu e ela nos divorciamos. Nos últimos três anos (número cabalístico?) temos mantido uma relação impessoal, estritamente pragmática: só recorro a ela quando tenho algo a dizer; algo concreto; já não perdemos (será isso perder?) mais tempo em conversas descompromissadas à luz da lua. Instrumento: eis o que ela se tornou para mim. O encanto da época de namoro, os contos e poemas da adolescência, as leituras de Cortazar no ponto de ônibus, a descoberta de Clarisse – Água Viva –, tudo isso passou. E eu não dava a mínima importância.

Mas hoje... hoje foi diferente. Fui acometido por um sentimento de nostalgia, uma melancolia doída, uma pontada de saudade. Flagrei-me relembrando os velhos tempos...

Não sei ao certo em que ponto as coisas começaram a mudar, mas suspeito ter sido no momento em que comecei a acreditar que os conteúdos tinham mais importância que a forma, que ela já sabia o que eu sentia por ela e que declarações de amor não eram mais necessárias. Enganei-me. Forma, estilo e beleza, em nosso relacionamento, tinham mais importância do que eu jamais poderia imaginar. Porque a palavra é mulher e, como toda mulher, mesmo as mais duras e rígidas, valoriza a beleza e valoriza quem sabe valorizar a beleza. Ao mesmo tempo, guarda em si um encanto que é lhe é próprio, único: um sentido que se sente na pele.

Foi dessa beleza que me afastei. Fui em sentido contrário. Talvez por culpa da rotina. A cada dia que passávamos juntos, aumentavam os momentos em que me via forçado a entrar com ela em empreitadas maçantes, enfadonhas, sacais. Ora uma nota de rodapé, ora um lide objetivo; ora um e-mail escrito às pressas, ora um comunicado. Entramos no universo ordinário. Nossos encontros se tornavam, gradualmente, mais e mais superficiais.

Eu não percebia o que se passava, mas ela, palavra, nunca foi tola. Percebeu logo minha mudança, a maneira com que eu me tornara ártico, distante. Assim que se deu conta do que acontecia, passou a sabotar-me. Fazia-o, com a sutileza que lhe era característica, com pequenas atitudes. Faltava-me em horas crucias, não comparecia às minhas festas; enganava-me; fazia-me passar por ridículo. Do amor de outrora não havia nem vestígio.

Mas será que houve amor um dia? Hoje, confesso, não sei responder. Na época, parecia. Juro que parecia. Não podíamos ficar longe um do outro. Ela conseguia me seduzir nos lugares mais inóspitos, como páginas de jornais ou sebos malcheirosos! Mas tudo pode não ter passado de empolgação de puberdade...

Há pouco tentei conversar com ela. Mostrou-se arredia, tinha na voz um quê de ressentimento que deixava transparecer nas entrelinhas dos parágrafos. Sei que guarda mágoas profundas. E com razão. Por isso, apesar de sua atitude, não me deixei intimidar. Em outro momento, meu orgulho me teria feito calar, mas esse não era a melhor hora para bancar o orgulhoso. Abri meu coração. Disse que sentia saudades, que ela ainda mexia comigo, que estava arrependido, que a queria. Falei, falei, falei muito. Com uma sinceridade que, aos que convivem comigo há mais tempo, pareceria estranha. De minha parte, sabia que nunca sentira algo tão forte. Sim, era verdade o que eu dizia. E isso me dava forças para continuar falando, falando, falando.

Se não cheguei a comovê-la com meu discurso, que só existia porque ela assim permitira, sei que pelo menos a fiz balançar um pouco. Sei que não é possível mudar o passado e que, nesses três anos, muitas páginas ruins foram escritas. Mas não se pode arrancá-las agora sem mutilar a história toda, correndo o risco de fazê-la perder o sentido.

Espero poder encontrá-la novamente em breve. Pensei em procurá-la naquele Café que costumávamos freqüentar no passado, o Café Lispector, pra conversar com um pouco mais de calma. Hoje, volto ao silêncio em que ela me deixou e remôo a conversa de horas atrás numa hexagonal da Biblioteca de Borges: afinal de contas, o que significa balaustrada?

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quarta-feira, novembro 17, 2004

O FIM DA UTOPIA



“Berlin Ocidental, verão de 1967. Podia ser outro lugar, outro momento. Mas nossa história começa aqui. O filósofo Herbert Marcuse vai falar. Ele vive nos Estados Unidos. Veio especialmente para uma série de conferências. Título de seu trabalho: O Fim da Utopia.

A jovem platéia está intrigada. O que Marcuse está querendo dizer com isto? O filósofo começa explicando as razões do título. Utopia é um conjunto de idéias de transformação social, tidas como impossíveis. Idéias que, normalmente, prolongam uma série de condições existentes na construção de um mundo melhor.

Marcuse não queria falar de coisas impossíveis, muito menos prolongar o existente. Veio para pregar uma ruptura completa; gerando o fim da utopia.

“Todas as forças materiais e intelectuais que podem contribuir para realizar uma sociedade livre estão presentes no mundo de hoje. Se não atuam é porque a sociedade se mobiliza em peso contra a possibilidade de sua própria liberação. Mas uma situação desse tipo não é suficiente para chamar de utopia um projeto de transformação”.

Em seguida, o velho filósofo falou algo que é bastante conhecido dos teóricos do III Mundo. Não há um sábio, disse ele, mesmo um sábio burguês, que seja capaz de negar a evidência de que é possível acabar com a fome e a miséria através das forças atuais de produção. Isto só não acontece por causa da desorganização sócio-política do Planeta.

Estavam todos de acordo até aí. Marcuse avançou entretanto sua idéia nova que parece ter trazido especialmente para este momento. As verdadeiras mudanças só aconteceriam se houvesse a liberação de uma nova dimensão humana, se surgisse uma nova antropologia cujo objetivo fosse o de transformar as necessidades. Uma delas, vital, é a necessidade de liberdade e tudo o que ela implica.

Ao longo de quatro dias de discussão, Marcuse insistiria nesse tema. Parecia preocupado em precisar o que significa uma nova necessidade. O desenvolvimento das forças produtivas atingira tal nível que estava a exigir o despertar de novas necessidades à altura do momento. Mas quais seriam elas?

Quem acompanhasse toda a exposição não teria dificuldade em compreender o filósofo. Num primeiro lance, as novas necessidades poderiam ser entendidas como a simples negação dos valores que sustentam o sistema. Negação do princípio da produtividade, da competição, do conformismo.

No lugar desses valores carcomidos, entrariam a necessidade de paz, de tranqüilidade, de estar só consigo mesmo (ou com as pessoas amadas), de beleza, felicidade gratuita e de uma esfera particular.

Essas novas necessidades levariam a uma transformação total do mundo técnico. Cidades seriam reconstruídas, a natureza restaurada. O desvario da industrialização revisto de ponta a ponta. Atenção, advertia o filósofo: não se trata de uma regressão romântica a uma época anterior à técnica. Os benefícios da técnica só ficarão realmente visíveis quando se livrarem do capitalismo.


Faltava dizer que o socialismo existente no mundo não tinha realizado este projeto. Marcuse mostrou que a idéia do socialismo estava diretamente ligada ao desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trabalho. No instante em que surgiu, isto era justificável e necessário. Mas agora, não era mais essa a diferença entre uma sociedade livre e uma sociedade oprimida. Com pena de parecer ridículo, era preciso ter coragem para afirmar que a característica distinta de um mundo novo seria a dimensão estético-erótica – fórmula que sintetiza a convergência da técnica e da arte, do trabalho e do jogo.

Marcuse concluiu sua exposição afirmando que era preciso correr o risco de redefinir a liberdade de tal maneira que não pudesse ser confundida com nada do que aconteceu até agora. O novo motor da sociedade, já satisfeita materialmente, seriam aspirações liberadas, necessidades instintivas, inclinações espontâneas do ser humano.

E como essas coisas são utópicas apenas aparentemente, pois, no fundo, significam a negação histórico-social da ordem estabelecida, o filósofo conclamou todos a participarem de uma oposição realista e pragmática, livre de todo derrotismo, pois não era possível trair a liberdade emergente”.

(Trecho do Livro Vida Alternativa: uma revolução do dia a dia de Fernando Gabeira. As imagens utilizadas no "post" são de Dany "Le Rouge", um dos principais líderes do movimento de maio de 68, que incendiu Paris naquele ano que, como diria Zuenir Ventura, não acabou. Independente dos rumos que o movimento de 68 tomou, acredito que nada justifica seu esquecimento. É possível que os sonhos daquela juventude sejam desconhecidos pela maioria dos universitários brasileiros hoje. O próprio movimento estudantil brasileiro é desconsiderado. Mas já falo demais. Concentrem-se, por favor, no texto do Gabeira: ele tem servido de referência para muitas das discussões que promovo aqui no Psicotópicos.)

Clique aqui para ler mais sobre Maio de 68

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quinta-feira, novembro 11, 2004

POEMA EM LINHA RETA PARA UM DIA DE LINHAS (DE FUGA?) TORTAS



POEMA EM LINHA RETA

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza".

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

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terça-feira, novembro 09, 2004

EPIDEMIAS


“Você está certo, o desmantelamento do pensamento de esquerda, da oposição é a forma que esse silencioso grupo encontrou de reprimir qualquer possibilidade de articulação das camadas populares. Sei lá, lutemos contra isso, prossigamos com a atitude provocadora promovida por nossos blogs, afinal não há como negar que, pelo menos até agora, esse tem sido um dos poucos lugares propicios e verdadeiramente abertos para esse tipo de discussão. Que tal uma revolução blogueira ? Shiiii, ando lendo subversivos demais...” (Laura, Publisher do blogue “O Imigrante é um forte”, comentando o “post” “Que escola é essa?”)

Poucas coisas representam tão bem, na minha opinião, a idéia de liberdade de expressão quanto essa coisa dos blogues. Nele, não estamos subordinados a pressões financeiras, ideológicas, editoriais. A gente senta, escreve, posta e pronto! O diálogo pode acontecer!

Cada link é capaz de nos arremessar em um novo universo. É a voz do outro que pode estar em Fortaleza ou em Chicago, em Guarapari ou Porto Alegre: não importa. Aqui, as fronteiras desaparecem. Sobra o discurso, a vontade de dizer e o sonho – algo utópico às vezes – de que isso fará diferença.

E o melhor é que faz. Ainda que não pareça, o simples ato de parar para refletir um pouco – seja sobre a gente mesmo, seja sobre o mundo que nos cerca, antes de sentar e escrever, já nos modifica de alguma forma. Precisamos fazer um esforço pra organizar os pensamentos, pra tentar expressar as idéias de forma clara (ou impactante, dependendo da situação). Precisamos pensar num universo de leitores ao mesmo tempo vastíssimo -- porque a Web abrange o mundo inteiro -- e limitado -- porque não podemos prever a quantas chegará a message in a bottle lançada por nós. O ato de bloggar, quando levado a sério, abre novos horizontes e possibilita novas formas de relacionar-se com o mundo e com os seres do mundo.

Por mais singela e inofensiva que pareça essa ferramenta, a revolução blogueira sugerida/sonhada pela Laura não seria algo impossível, desde que buscada de forma mais ampla, estendendo seus tentáculos também pelo “mundo dos cheiros” (a vida lá fora, fora da Web).

Pra fazer com que ecos de nossas discussões extrapolem os limites da rede, é preciso fazer, primeiro, que a rede cresça. Como fazer isso? Trabalhando em ações que busquem a “inclusão digital” dos menos favorecidos. E não falo apenas de oferecer computadores populares, mas de popularizar conhecimentos básicos sobre informática para todos.

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Sei que um trabalho na área de “inclusão digital” é algo que, sem ajuda governamental, demora para ser feito. Iniciativas nesse sentido vêm acontecendo Brasil afora, mas tudo muito pontual, localizado, de efeitos reduzidos (embora animadores).

O que podemos fazer, então, além de investir na “inclusão digital”? Ora, criar alternativas para divulgar nossas idéias fora da Web.

Hoje pela manhã estive pensando que uma forma interessante – e esquecida – de se fazer isso é o fanzine. Quem conhece a história desse tipo de publicação, sabe que hoje em dia ele está em baixa e, no passado, sempre esteve muito associado a publicações voltadas para a área da cultura (os punks adoravam). Serviam para publicar poesias, contos, discutir lançamentos editoriais e musicais. Dessa forma, o fanzine já é de grande importância. Mas pensá-lo de forma mais ampla poderia ser interessante.

Uma das possibilidades é repensar a parte de conteúdo dos Fanzines, aproveitando basicamente seu caráter artesanal de produção. Muitas vezes, pensamos em publicar nossas idéias, mas paramos em barreiras de diversos tipos: financeiras, porque nem todo mundo pode pagar uma gráfica para publicar um jornalzinho; de tempo, porque diagramar um jornal e trabalhar com gráfica pode ser extremamente desgastante; de técnica, porque nem todo mundo domina as rotinas de produção de uma publicação desse porte. Enfim, são muitos os obstáculos.

Quando se pensa num Fanzine, a coisa muda de figura. Um Fanzine, a gente pode fazer xerocado mesmo, porque a idéia é que ele suscite o debate, não que gere lucros astronômicos ou vire material de pesquisa. Ao contrário de um jornal empresarial, que precisa informar (e (de)formar), um Fanzine busca chamar a atenção das pessoas para um determinado assunto, convocá-las a “cuspir conversa”. Isso é uma virtude, em tempos de superficialidade da informação e de espaço público “colonizado”, como diria Jürgen Habermas.

Então, a sugestão que eu faço é a seguinte. Se temos realmente vontade de interferir na realidade que nos cerca, encaremos o desafio de divulgar nossas idéias além fora da Web. Não é tão complicado quanto parece. Além disso, criar um suporte material para nossos debates, seria importante para fazer com que mais pessoas tomassem conhecimento dos blogues, potencializando assim a amplitude de nossas discussões.

Há tempos que escrevo aqui que não acredito em “revoluções” que acontecem de cima para baixo. Não acredito no Estado moderno, que considero incapaz de atender seus cidadãos de forma adequada. Afinal, “a gente não quer só comida”, mas tem gente que, no momento só precisa disso mesmo: o Estado é incapaz de detectar singularidades.

Para mim, uma revolução deve espalhar-se como um vírus. Contaminar um grupo aqui, outro acolá, um em Tóquio, outro em Manaus... e assim por diante. Até que, quando menos se espera, o mundo inteiro está contaminado – e mais saudável.

Uma revolução silenciosa: é disso que precisamos.

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Sobre blogues, o Luís César escreveu há pouco tempo no Personas. Vale a pena dar uma conferida no texto dele. O nome é “Mídia, diários virtuais e normatização da rede”.

Sobre revoluções, leiam o texto PSICO (CADA VEZ MAIS) UTÓPICO.
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Ah! Uma informação de última hora (o texto acima foi escrito há duas semanas): o projeto Pontos de Cultura da Associação Salvamar, aqui de Guarapari, foi aprovado pelo Ministério da Cultura. A partir do ano que vem, a movimentação cultural por estas bandas deve se intensificar bastante.

Dentre outras coisas, o projeto prevê a implantação de uma ilha de edição digital, laboratórios de informática com sistemas operacionais livres (Linux) e “otras cositas mas”. Com esse projeto, espero que muitas das coisas que coloquei como difíceis de serem feitas no texto que vocês acabaram de ler, tornem-se possíveis pelo menos aqui em Guarapari.

Parece que conseguimos contaminar uma célula. A epidemia é possível!

Ps.: Na Praça do Zé, postei um texto sobre esse projeto no dia 20 de Outubro. Procurem nos arquivos do blogue. Vale a pena. Aqui no Psicotópicos, o texto O LIVRO ALTERNATIVO OU ALTERNATIVA PARA OS LIVROS fala sobre uma das ações previstas no projeto Pontos de Cultura, da Associação Salvamar, a Editora Maratimba.

CLIQUE AQUI E SAIBA QUEM FAZ PARTE DA COMUNIDADE BLOGUEIRA DO PSICOTÓPICOS

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quinta-feira, novembro 04, 2004

TROPEÇANDO NOS CADARÇOS


O Jornal Nacional de ontem foi transmitido direto dos Estados Unidos. Ao vivo! Todo jornal dedicado ao resultado das eleições. Em mim, ficou a impressão de que essa postura tem muito mais relação com uma estratégia auto-promocional da Globo – um desejo megalomaníaco de igualar-se às grandes TVs mundiais – do que a um interesse concreto do povo brasileiro pelas eleições norte-americanas.

Toda mobilização do monopólio não serviu para muita coisa. A demonstração do poderio jornalístico global foi vazia. Resultou num jornal insosso, com matérias superficiais que não foram além do feijão-com-arroz. Nem de longe se tocou nos pontos cruciais. Não se questionou a validade do capitalismo. Os rumos do planeta. Nada. Tratou-se de um mero espetáculo, bem ao estilo das eleições estadunidenses.

Jamais os problemas da Venezuela ou da Colômbia – países vizinhos – tiveram tanta atenção dispensada. A impressão que fica é que o submundo olha demais para cima – na ânsia de ascender um dia – e acaba tropeçando nos próprios cadarços.

O resultado da eleição dos EUA serviu para mostrar que toda comoção da comunidade internacional é vã. Na hora “H”, quem decide são os norte-americanos, do alto de seu umbiguismo – aqueles que ainda acreditam que Buenos Aires é a capital do Brasil.


Fizemos eleições de mentirinha, passeatas pacifistas, manifestações, discursos panfletários: nada adiantou. Bush saiu mais forte do que entrou. Os republicanos, então, nem se fala. O caminho está aberto para o sobrinho do Bush ou – quem sabe – para o Terminator.

"Grupos religiosos radicais, homens, pessoas brancas e residentes em áreas rurais conservadoras formaram a base do eleitorado de Bush. Eles foram os principais responsáveis por uma diferença de mais de 3,5 milhões de votos do presidente sobre Kerry.

Em 11 Estados, a votação de Bush foi claramente impulsionada por milhões de eleitores que foram às urnas para derrubar de forma incontestável referendos sobre a permissão ao casamento entre homossexuais".

Mudar o mundo a partir do Império, hoje, é delírio puro. Precisamos aprender a correr por fora, fortalecendo a representatividade das minorias. Embarcar na onda conservadora que caracteriza os EUA é suicídio.

Mas de suicídio a mídia não fala...

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"CUSPINDO CONVERSA"...

“Maikel,

acho que há muito por dizer e mais ainda por conversar sobre essa eleição última. Já havia dito na Praça que cada história guarda peculiaridades. Aqui vinha reforçar essa tese, até que encontro o Sader generalizando. Discordo frontalmente das considerações dele. No mérito, principalmente. Ora, quem é o vice do Lula. Um Zé Direita-Nacional. Já há três anos a direção do PT encaminhava essa política. Se ele não viu ou se agora não quer vê, outra questão. Há muito tempo também esse papo de militância não tem expressão. Isso foi coisa dos anos 80, que repercutiu nos 90, mas que nos idos de 21, já não vale. O Duda Galonsa que o diga. Sader parece mais querer tirar casquinha de uma ferida que também lhe pertence. Não quero com isso ser linha de frente do Lula, Dirceu e Palocci. Mas votei nesses caras e sinceramente, outro mundo só será possível no Brasil, se esses caras forem cada vez mais rumo à direita. Taí o Bush de novo. Não é fácil. Fica parecendo que os vermelhos amarelaram, como fosse possível enxergar esse receio. Dirigir minimamente as contradições desse país, requer bem mais sabedoria que escrever teses ou assinar panfletos. É coisa para deixar desgosto na biografia presente, para quem sabe o futuro em seu presente, deseje rever.
Por aí.

Abraços!

Kléber Matos”


Também votei nos caras. E não me arrependo. E também não acho que o governo esteja tão mal das pernas assim.

Engraçado você levar a discussão nessa direção. Na semana passada, num encontro entre amigos, discutíamos justamente esses pontos por aqui. Se o PT é continuísmo, se vale ou se é possível uma ruptura com esse modelo. Se o melhor é chutar o balde, ou continuar trabalhando “na surdina” – como diria meu pai – e dando passos seguros, cautelosos.

De nossa conversa, emergiu um certo PT em transformação. Um partido que, desde a década de 80, reuniu em torno de si a maior parte da esquerda brasileira. A princípio, parecia que a idéia de unir forças convencia. As diferenças perdiam importância, pois a vontade de “chegar lá” era mais forte. Com Lula lá, parece que a configuração do partido mudou: radicais, moderados, intelectualizados e ativistas começaram a disputar entre si por um pouco mais de atenção e – não sejamos ingênuos – de poder.

O PT no qual eu votei foi esse mesmo. Quem acompanha o blogue há mais tempo, sabe que tenho todos os pés atrás com relação ao Estado. Logo, o que eu esperava do governo Lula era um dialogo maior com a sociedade, uma relação mais próxima, diferente daquela postura olimpiana assumida por FHC.

E é nesse ponto que fica minha maior crítica ao PT. Eu esperava que o poder ficasse um pouco menos concentrado, que estivesse pulverizado nos diversos setores da sociedade. E acredito que isso não vem acontecendo.

Dois exemplos sintomáticos do que estou dizendo já foram citados aqui: Gabeira e Buarque. Acho que ambos tinham propostas interessantes, mais coerentes com o “contemporâneo”, e foram, de certa maneira, isolados pelo partido. Acredito que o sistema político como conhecemos não está preparado para certos avanços ainda. É pena.

Tudo isso, no entanto, não me impede de acreditar que o PT ainda é a melhor opção política no Brasil. Acredito também que haverão rachas no partido no meio do caminho. É possível que dele surjam novos partidos, especialmente mais à esquerda, que talvez vão de encontro aos anseios de Luizianne, Emir Sader, José Arbex Jr. e tanta gente que defende um PT menos “liberal”.

E, olha Kleber, eu acho que isso é bom. O que não acho bom é que esse racha aconteça agora. Se isso acontecer, o partido enfraquece e com isso toda esquerda perde. O PSDB volta a ganhar espaço e os esquerdistas “revolucionários” vão ter de voltar a comer pelas beiradas. Sabe-se lá quanto tempo será preciso esperar pra chegar à presidência outra vez. O Brasil (ainda) é um país conservador. Por mais que não aparente.

O que procurei fazer com o artigo do Sader e os recortes das falas de Gaspari e Luizianne foi justamente chamar atenção para alguns encaminhamentos que a política petista está tomando. Especialmente, para o excessivo destaque que a mídia dá a essas tentativas de rompimento. A Folha de ontem – de onde tirei boa parte do material publicado aqui – trazia duas entrevistas com destaque. Uma era a do Garreta, da qual reproduzi boa parte. Outra, que não mencionei, foi com Geraldo Alckmin.

Enquanto a entrevista do Garreta dava destaque aos conflitos dentro do PT (o secretário fazia críticas à postura assumida por Eduardo Suplicy na campanha da Marta), a do Alckmin exaltava-o começando a preparar terreno para que seu nome seja fortalecido como o candidato do PSDB à presidência. A Folha, ao que parece, não sobe apenas o Serra, mas sobe os paulistas. Mas não cabe discutir agora a Folha (já basta esmiúça-la para o TCC): continuemos a falar do PT.

Peguemos carona no texto do Gaspari, no qual ele exalta os méritos da prefeitura petista em São Paulo, a forma como Marta colocou a mão na massa, investindo no social, e o resultado disso nas urnas, que foi a hegemonia do PT na periferia (o que, vale lembrar, também aconteceu em Porto Alegre). Gaspari atribui isso “à centelha da militância petista”, mas creio que a aproximação é simplista. A mim, parece que isso tem muito mais relação com a capacidade das prefeituras paulistas para dialogar com a população e identificar suas reais necessidades. Tanto em Porto Alegre como agora, em São Paulo, o PT conseguiu – com o Orçamento Participativo e outros métodos interessantes – estabelecer uma ponte real de diálogo entre o poder público e a população mais carente. Isso, creio eu (e já falei disso por aqui também), o PT nacional deveria tomar como exemplo. Ponto.

Quanto à necessidade de um PT mais militante, concordo com Sader, Gaspari e Luizianne. Talvez não pelos mesmos motivos, mas concordo. Creio que eles utilizam a lógica dos anos 80 apontada por você para falar dessas coisas. E nesse ponto, concordo, esse tipo de estratégia já não faz mais efeito. Especialmente em grande escala, onde a televisão, a construção/descontrução de imagens dá as cartas. Contudo, no meio da miscelânia teórica que é a obra de Michel Maffesoli, tem uma conceito interessante para falar sobre os modos como, na contemporaneidade (pós-modernidade para ele), as pessoas se agrupam em torno de algumas causas. Para ele, no contexto atual, o que funciona é a lógica do “estar junto”, de compartilhar momentos catárticos (como um show de rock, uma rave, uma flash-mob, etc.), sem que isso signifique exatamente compromisso ideológico. Pro Maffesoli, estaríamos passando de uma época moderna, com predomínio do racional, para um período onde o que prevalece é o “imaginal”. Nesse contexto, retomar uma espécie de alegria nas campanhas, serviria para agrupar mais pessoas em torno do partido.

Parece viagem, mas me acompanhe. A propaganda eleitoral, a gente sabe, não acontece em termos racionais e propositivos. A maior parte dela serve única e exclusivamente para criar uma imagem na cabeça do eleitor, para vender um produto. Meu ponto de vista é que, se vale isso para a campanha na TV, vale também para a campanha nas ruas. Façamos militância de uma forma diferente daquela dos anos 80. Uma militância mais feliz e menos turrona. Uma militância “pós-moderna”.

Bom, acho que é mais ou menos isso. Acho que radicais são importantes. Em tempos de ultra-direita, é bom existir um conta-ponto. Assim, enquanto eles se digladiam, de cima do muro – o lugar mais alto –, a gente aponta caminhos, pega atalhos, muda os rumos...

Abraços.

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quarta-feira, novembro 03, 2004

PSICOMENTÁRIOS SOBRE O RESULTADO DO 2º TURNO

Serra em São Paulo, Fogaça em Porto Alegre, Coser em Vitória. Venceram os nomes que se prestam a trocadilhos.

VITÒRIA EM VITÓRIA

Se em Porto Alegre a hegemonia do PT acabou, em Vitória quem cai é o PSDB. Pra quem não se recorda, em 2002 o partido tinha, além da prefeitura, comandada por Luiz Paulo, o Governo do Estado, nas mãos de José Ignácio. Na época, o crime organizado fez a festa. A queda do PSDB pode não significar revoluções, mas é uma brisa nova que empurra o barco em outra direção.

EM SÂO PAULO? NEM COM MARTA ROCHA!

Em São Paulo, a derrota petista já era (des)esperada. Artilharia pesada em cima da Marta prefeita, da Marta mulher e da Marta candidata. Não agüentaria o tranco. Nem se fosse Marta Rocha.

Não bastasse a blitzkrieg, teve a queimação de filme. Do apoio de Maluf o PT só ficou com o pior: a imagem negativa da figura. O voto dos malufistas que era bom, nem pensar. Pendeu todo mundo pro lado do Serra. Novos ventos – mas com cheirinho de mofo.

Mas, diz a língua, que a derrota não foi da Marta, nem do PT. Valdemir Garreta, secretário de Abastecimento e Projetos Especiais da prefeitura de São Paulo, contou “histórias que nossas babás não contavam” em entrevista à Folha: “Ontem eu estava na casa de uma amiga. Ela chegou para a faxineira dela e disse: "Você viu? A Marta perdeu". E a faxineira respondeu: "A Marta não perdeu nada. Ela continua rica, poderosa, bem casada. Quem perdeu fomos nós". Essa frase para mim resume o sentimento da periferia que votou na Marta”. Não é que o povo aprende?!

Mais histórias do Garreta...

Conservadorismo: “São Paulo é uma cidade historicamente conservadora e oposicionista. Vota em lideranças conservadoras. Basta citar o Maluf”.

Duda Mendonça: “A pessoa freqüenta o mesmo lugar há 17 anos, praticando contravenção. Na véspera da eleição, é presa com um aparato típico de quem vai prender um traficante perigoso. Havia lá 60 policiais armados com metralhadora, máscara ninja. Tudo dentro da lei, mas muito estranho”.

Mídia: “Eu só peço que a mídia trate o Serra com 50% do rigor com que tratou a Marta. A mídia esqueceu que houve o governo Pitta. Esqueceu da situação desastrosa da cidade quando assumimos. E a mídia foi um dos instrumentos de reforço do preconceito contra a Marta. Setores da mídia trataram a Marta com uma agressividade impressionante. Quero ver se os repórteres vão enfiar o gravadorzinho na cara do Serra e perguntar: "Prefeito, fomos no posto de saúde e tem gente jogada na fila". Isso serve para a Folha, serve para o "Estado", serve para o conjunto da mídia”.

E o Gaspari, aquele da ditadura pseudo-escancarada?...

Criticou o governo e elogiou um PT...

O que falta ao PT Federal é a centelha do olhar dos militantes que em eleições passadas iam felizes para rua, sacudindo bandeiras”. “Não há em Brasília hierarcas curiosos para discutir as minúcias técnicas do bilhete único de transporte. Passaram-se quase dois anos de governo e o Ministério das Cidades não conseguiu botar de pé um programa de legalização dos lotes urbanos dos brasileiros que vivem nas grandes cidades. Foi a centelha da velha militância quem fez o bilhete único, os uniformes escolares e as mochilas da garotada pobre de São Paulo. Eram pessoas que pretendiam mudar o Brasil, não suas vidas. É dessa gente a monumental vitória petista na periferia da maior cidade do país. Uma vitória que marcará a história de São Paulo por muitos e muitos anos”.

Falô e alfinetô! Mas valeu...

De longe ou de perto?...

Quem alfinetô também foi a vencedora do PT, em Fortaleza, Luizianne que, de longe, tem cara de Heloísa Helena mas, de perto... de perto ninguém é normal! Vamos ao que ela disse...

"Eu acho que o partido tem que investir mais na base militante. Nós temos que voltar às plenárias de base, voltar à política de cada vez mais unir o partido para decidir as coisas. É, na verdade, radicalizar a democracia, inclusive para o bem desse governo"."Afinal de contas, só não faz uma autocrítica quem acha que não erra. Ou seja, alguém que não existe".

Só vale dizer que o PT faz auto-crítica, sim. Quem não faz são alguns políticos petistas (e o número deles é grande...).

PORTO ALEGRE? QUEM DISSE?!

Em Porto Alegre, rolou o inverso do que houve em Vitória. Por lá, rolou a cabeça do Raul Pont.A direita, essa sim, enrolou direitinho e, pelo jeito, vai jogar algumas crianças fora junto com a água do banho. Uma delas é o Fórum Social Mundial.

"Deixou de haver sentido Porto Alegre ser a sede permanente, o que sempre defendi”, disse o sociólogo Emir Sader, coordenador do evento. “Por mais bonita que seja a cidade, não foi isso que nos atraiu, mas a natureza das administrações públicas. Não é revanchismo, mas perdeu sentido ficar em Porto Alegre. Belo Horizonte, Recife e Salvador já se ofereceram."

E PRA CONCLUIR (até parece)

... um textinho do Emir Sader sobre o PT...

O PT derrotou a si mesmo
Emir Sader
Dois anos depois da vitória de Lula, que finalmente chega à presidência do Brasil depois de quatro tentativas, o PT tem o pior resultado eleitoral de sua história, impondo uma dura derrota à esquerda brasileira.
Uma derrota dessas proporções não se improvisa. Foi meticulosamente preparada ao longo do tempo. Dois anos depois da vitória de Lula, que finalmente chega à presidência do Brasil depois de quatro tentativas, o PT tem o pior resultado eleitoral de sua história, impondo uma dura derrota à esquerda brasileira. Produziu-se o pior dos cenários possíveis: um governo que não é de esquerda, que não saiu do neoliberalismo, é vítima do monopólio privado da mídia alimentado pelos seus recursos, perde todas os conflitos no poder judiciário e enfrenta uma aliança de partidos que o isola politicamente. Se se estivesse realizando um governo de esquerda, seria de se prever esse isolamento, mas com um governo que faz todas as concessões às elites tradicionais, o resultado não poderia ser pior. O governo Lula e a direção do PT aparecem como os grandes organizadores das derrotas sofridas pela esquerda nestas eleições. O governo, pela política econômica neoliberal e pelo discurso liberal, e a direção do PT, por ter anestesiado o partido e a militância, fazendo com que o partido perdesse sua alma. (Pela primeira vez em sua história, a onda final das eleições foi contrária ao PT. A tal da "profissionalização" fez da ação do PT algo indissociável à de outros partidos, substituindo os militantes por gente contratada para cumprir funções.) A grande aliança nacional com o PMDB se esboroou. A oposição, na lona até dezembro do ano passado, ganhou novo oxigênio, propiciado pelo governo e remontou um arco de alianças políticas que não pensava ter, dado de presente pelos erros do governo e da direção do PT. O PT preparou sua derrota, ao assumir a ideologia e a política liberal. Não bastou para cooptar a oposição a nível local, porque neste plano prima o melhor do PT - as políticas sociais - e isso as elites tradicionais detestam. O apoio que dão ao governo federal vem de sua política econômica, ausente dos governos locais. A luta da esquerda hoje - dentro e fora do PT - é contra a hegemonia liberal dentro do governo. Caso esta prevaleça, a esquerda como um todo terá sido derrotada. Os caminhos desta luta podem ser distintos conforme a inserção de cada um, de cada movimento social, conforme a localidade e o setor social onde se situem. Mesmo os que considerem que se trata de uma batalha perdida, a luta contra a hegemonia liberal é um processo inevitável de acumulação de forças, porque o liberalismo penetra profundamente em quase todos os poros da sociedade e da prática política e cultural brasileiras. Sem um combate frontal a essa influência, não teremos no Brasil uma esquerda à altura das necessidades da construção de um modelo pos-neoliberal. A construção de uma ampla frente antineoliberal é a forma de lutar pelos ideais do Fórum Social Mundial no nosso país, para que Porto Alegre não seja apenas um quadro na parede.

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