terça-feira, novembro 09, 2004

EPIDEMIAS


“Você está certo, o desmantelamento do pensamento de esquerda, da oposição é a forma que esse silencioso grupo encontrou de reprimir qualquer possibilidade de articulação das camadas populares. Sei lá, lutemos contra isso, prossigamos com a atitude provocadora promovida por nossos blogs, afinal não há como negar que, pelo menos até agora, esse tem sido um dos poucos lugares propicios e verdadeiramente abertos para esse tipo de discussão. Que tal uma revolução blogueira ? Shiiii, ando lendo subversivos demais...” (Laura, Publisher do blogue “O Imigrante é um forte”, comentando o “post” “Que escola é essa?”)

Poucas coisas representam tão bem, na minha opinião, a idéia de liberdade de expressão quanto essa coisa dos blogues. Nele, não estamos subordinados a pressões financeiras, ideológicas, editoriais. A gente senta, escreve, posta e pronto! O diálogo pode acontecer!

Cada link é capaz de nos arremessar em um novo universo. É a voz do outro que pode estar em Fortaleza ou em Chicago, em Guarapari ou Porto Alegre: não importa. Aqui, as fronteiras desaparecem. Sobra o discurso, a vontade de dizer e o sonho – algo utópico às vezes – de que isso fará diferença.

E o melhor é que faz. Ainda que não pareça, o simples ato de parar para refletir um pouco – seja sobre a gente mesmo, seja sobre o mundo que nos cerca, antes de sentar e escrever, já nos modifica de alguma forma. Precisamos fazer um esforço pra organizar os pensamentos, pra tentar expressar as idéias de forma clara (ou impactante, dependendo da situação). Precisamos pensar num universo de leitores ao mesmo tempo vastíssimo -- porque a Web abrange o mundo inteiro -- e limitado -- porque não podemos prever a quantas chegará a message in a bottle lançada por nós. O ato de bloggar, quando levado a sério, abre novos horizontes e possibilita novas formas de relacionar-se com o mundo e com os seres do mundo.

Por mais singela e inofensiva que pareça essa ferramenta, a revolução blogueira sugerida/sonhada pela Laura não seria algo impossível, desde que buscada de forma mais ampla, estendendo seus tentáculos também pelo “mundo dos cheiros” (a vida lá fora, fora da Web).

Pra fazer com que ecos de nossas discussões extrapolem os limites da rede, é preciso fazer, primeiro, que a rede cresça. Como fazer isso? Trabalhando em ações que busquem a “inclusão digital” dos menos favorecidos. E não falo apenas de oferecer computadores populares, mas de popularizar conhecimentos básicos sobre informática para todos.

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Sei que um trabalho na área de “inclusão digital” é algo que, sem ajuda governamental, demora para ser feito. Iniciativas nesse sentido vêm acontecendo Brasil afora, mas tudo muito pontual, localizado, de efeitos reduzidos (embora animadores).

O que podemos fazer, então, além de investir na “inclusão digital”? Ora, criar alternativas para divulgar nossas idéias fora da Web.

Hoje pela manhã estive pensando que uma forma interessante – e esquecida – de se fazer isso é o fanzine. Quem conhece a história desse tipo de publicação, sabe que hoje em dia ele está em baixa e, no passado, sempre esteve muito associado a publicações voltadas para a área da cultura (os punks adoravam). Serviam para publicar poesias, contos, discutir lançamentos editoriais e musicais. Dessa forma, o fanzine já é de grande importância. Mas pensá-lo de forma mais ampla poderia ser interessante.

Uma das possibilidades é repensar a parte de conteúdo dos Fanzines, aproveitando basicamente seu caráter artesanal de produção. Muitas vezes, pensamos em publicar nossas idéias, mas paramos em barreiras de diversos tipos: financeiras, porque nem todo mundo pode pagar uma gráfica para publicar um jornalzinho; de tempo, porque diagramar um jornal e trabalhar com gráfica pode ser extremamente desgastante; de técnica, porque nem todo mundo domina as rotinas de produção de uma publicação desse porte. Enfim, são muitos os obstáculos.

Quando se pensa num Fanzine, a coisa muda de figura. Um Fanzine, a gente pode fazer xerocado mesmo, porque a idéia é que ele suscite o debate, não que gere lucros astronômicos ou vire material de pesquisa. Ao contrário de um jornal empresarial, que precisa informar (e (de)formar), um Fanzine busca chamar a atenção das pessoas para um determinado assunto, convocá-las a “cuspir conversa”. Isso é uma virtude, em tempos de superficialidade da informação e de espaço público “colonizado”, como diria Jürgen Habermas.

Então, a sugestão que eu faço é a seguinte. Se temos realmente vontade de interferir na realidade que nos cerca, encaremos o desafio de divulgar nossas idéias além fora da Web. Não é tão complicado quanto parece. Além disso, criar um suporte material para nossos debates, seria importante para fazer com que mais pessoas tomassem conhecimento dos blogues, potencializando assim a amplitude de nossas discussões.

Há tempos que escrevo aqui que não acredito em “revoluções” que acontecem de cima para baixo. Não acredito no Estado moderno, que considero incapaz de atender seus cidadãos de forma adequada. Afinal, “a gente não quer só comida”, mas tem gente que, no momento só precisa disso mesmo: o Estado é incapaz de detectar singularidades.

Para mim, uma revolução deve espalhar-se como um vírus. Contaminar um grupo aqui, outro acolá, um em Tóquio, outro em Manaus... e assim por diante. Até que, quando menos se espera, o mundo inteiro está contaminado – e mais saudável.

Uma revolução silenciosa: é disso que precisamos.

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Sobre blogues, o Luís César escreveu há pouco tempo no Personas. Vale a pena dar uma conferida no texto dele. O nome é “Mídia, diários virtuais e normatização da rede”.

Sobre revoluções, leiam o texto PSICO (CADA VEZ MAIS) UTÓPICO.
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Ah! Uma informação de última hora (o texto acima foi escrito há duas semanas): o projeto Pontos de Cultura da Associação Salvamar, aqui de Guarapari, foi aprovado pelo Ministério da Cultura. A partir do ano que vem, a movimentação cultural por estas bandas deve se intensificar bastante.

Dentre outras coisas, o projeto prevê a implantação de uma ilha de edição digital, laboratórios de informática com sistemas operacionais livres (Linux) e “otras cositas mas”. Com esse projeto, espero que muitas das coisas que coloquei como difíceis de serem feitas no texto que vocês acabaram de ler, tornem-se possíveis pelo menos aqui em Guarapari.

Parece que conseguimos contaminar uma célula. A epidemia é possível!

Ps.: Na Praça do Zé, postei um texto sobre esse projeto no dia 20 de Outubro. Procurem nos arquivos do blogue. Vale a pena. Aqui no Psicotópicos, o texto O LIVRO ALTERNATIVO OU ALTERNATIVA PARA OS LIVROS fala sobre uma das ações previstas no projeto Pontos de Cultura, da Associação Salvamar, a Editora Maratimba.

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