sexta-feira, outubro 22, 2004

Há poucas coisas que a televisão não pode forjar, para as outras...



Há muito tempo que a Fórmula 1 deixou de fazer sentido. Os últimos campeonatos, marcados pela hegemonia da Ferrari, foram vencidos antecipadamente por Michael Schumacher, geralmente com larga vantagem em relação ao segundo colocado, o brasileiro Rubens Barrichelo.

Pra muita gente no Brasil, as corridas acabaram com Senna. Pra mim, demoraram um pouco mais: eu gostava de acompanhar as corridas. Mas de uns anos pra cá, a coisa perdeu completamente a graça. Mesmo para um ferrarista (é, eu tenho dessas coisas) tornou-se impossível agüentar o simulacro.

Desde a primeira corrida da temporada já se sabe o que vai acontecer: vencerá quem tiver o melhor carro. Como quem dá as cartas na F1 é a tecnologia de ponta, a habilidade do piloto há muito deixou de ter tanta importância. Nem o sangue latino do Montoya foi capaz de injetar vida na Fórmula da Técnica. O ser humano é mero coadjuvante nesse EXpetáculo protagonizado pelas máquinas.

Mas, como diria o ditado: “the show must go on”! (Ainda que de mentirinha). Pra tentar manter a áurea que envolvia este esporte, investe-se pesado em marketing e publicidade. Esse processo que fica claro em época de GP do Brasil.

Sabe-se que a Globo paga uma nota preta para manter os direitos de transmissão da Fórmula 1 no Brasil. Se as corridas não têm mais graça, quem corre é o telespectador . Pra evitar (ou retardar) que isso aconteça, é preciso pedir socorro às estratégias publicitárias e para tirar leite de pedra, convencendo os aficcionados do esporte que ainda existe esporte.

Pra garantir a audiência e o filão publicitário, a Globo parece estar pondo em ação um elaboradíssimo plano, para ludibriar os fãs de Fórmula 1. Neste plano, os programas jornalísticos exercem papel fundamental.

Pude presenciar a primeira bizarrice na tarde de hoje. A Globo, marcada pela rigidez de seus padrões, decidiu transmitir o Globo Esporte direto do autódromo de Interlagos. O programa abusou dos recursos gráficos e das animações digitais, para enfiar carros de corrida em tudo quanto era canto. Todas as matérias – não importava o esporte em questão – abusavam das metáforas automobilísticas: tudo era uma corrida (inclusive para equipe do jornal, que volta e meia parecia embolar-se na hora de “soltar o VT”). A apresentadora do programa, na maioria das vezes, foi substituída por pilotos de várias nacionalidades que, falando um português tosco, se revezavam na chamada das matérias. Triste espetáculo!

Não bastasse o circo armado pelo Globo Esporte, o Jornal Hoje entrou na barca e também fez matérias sobre a corrida de domingo. A imagem de Rubinho, aos poucos, começava a me enjoar, em virtude da exposição excessiva.

Nos intervalos, mais doses de Fórmula 1. Num dos anúncios, da Petrobrás, o telespectador/consumidor era convidado a participar da promoção que daria como prêmio – adivinhem! – um macacão usado pelo Ralf Schumacher. Se o premiado tiver sorte, pode até encontrar na peça – de raro valor – um pelo de sovaco ou uma mancha de suor de seu ídolo, não é lindo?

No mundo contemporâneo, há poucas coisas que a televisão não pode forjar, “para as outras, existe Mastercard”. É possível criar uma Fórmula 1 perfeita, onde o carro do Schumacher pode quebrar, onde o Rubinho pode vencer e onde o Sato pode chegar no podium. Para isso, basta haver do lado de cá da tela um telespectador desatento, disposto a ser capturado tão rápido quanto uma volta do Schumacher.

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