quinta-feira, outubro 14, 2004

Run, Forrest, run!



Jornalismo é feito no calor da hora. Bom, pelo menos é o que dizem grandes editores, repórteres, pauteiros. É preciso pegar as notícias – as news -- ainda quentinhas. Se possível, cobrí-las enquanto acontecem. Novidades, novidades, novidades: that´s the way.

Esse imperativo da atualidade, popularizado pelo modelo norte-americano de jornalismo, é amplamente aceito no meio jornalístico brasileiro. É preciso informar em tempo hábil.



Nessa busca da rapidez, muitas vezes se perde qualidade. A sabedoria popular ensina que “devagar se vai ao longe”. O jornalismo fast-food praticado pela imprensa tupiniquim não consegue ir muito além do óbvio. Muitas vezes, pretende-se ir longe. Mas, na correria, nossos repórteres perdem o fôlego no meio do caminho. Alguns interrompem a jornada, deixando o leitor a ver navios – e olha lá! Outros optam por um caminho mais fácil: jogam sujo, pegam os atalhos das informações mal apuradas, dos juízos de valor precipitados, dos maniqueísmos simplistas: ao leitor – perdedor e perdido –, as batatas geneticamente modificadas.



O outro, no jornalismo de mercado, não tem lá muita importância. Não é preciso conhece-lo, para torná-lo objeto de reportagens, análises, pesquisas, crônicas e artigos. Como a natureza para o cientista moderno, o outro está lá para nos servir. Temos categorias para todo tipo estereotipado de gente. Temos o assassino, o “serial killer”, o político inescrupuloso, o bom samaritano, o astro, a estrela, o herói: toda uma galeria de personagens à nossa disposição. A vida por trás do estereótipo não tem importância. O jornalismo detêm-se nas superfícies: das feridas, a casca; das ondas, a crista.

É assim com as estatísticas. Transforma-se em número a tragédia e a glória. É possível noticiar o número de mortos em atentados terroristas no período de 21 de agosto a 30 de setembro no leste europeu e compará-lo com o investimento da indústria bélica norte-americana durante os três últimos anos da guerra fria: gera-se informação dessa forma. O que as estatísticas – e os jornalistas – são incapazes de fazer é entender qual o verdadeiro impacto da guerra na vida das pessoas. O que se passa na cabeça - e no coração – de uma mãe que tem seu filho fuzilado num conflito estúpido? Qual o futuro de uma criança que perde a família inteira numa troca de tiros? O que faz as pessoas elegerem líderes imbecis, idolatrarem figuras bizarras e deixarem crianças morrerem de fome?



As estatísticas dos acidentes de trânsito dizem de uma situação calamitosa nas estradas brasileiras. Mas só acompanhar a recuperação de um amigo, vítima de um acidente, possibilita-nos ter a dimensão do que isso significa na vida de alguém. Só isso nos faz acordar para o quanto a vida é frágil e importante. Para quanto tempo se perde em coisas menores. Para quão pouca atenção se dá ao outro. Tal qual jornalistas, lidamos com as superficialidades na maior parte da vida. Profundidade incomoda, perturba. Mas tem momentos em que ela nos é imposta. Surge diante da gente de forma incondicional. Não há pra onde fugir. É nessas horas que eu me pergunto: tem que ser assim? Não está na hora de acordarmos deste sonho lúcido, com cara de propaganda de pick-up? Open your eyes!

Não sei exatamente em que ponto nos perdemos, mas tenho certeza de que esta cultura do indivíduo não contribuiu muito para aproximar as pessoas. O umbiguismo é lindo nos cinemas. Super-heróis se encaixam perfeitamente nos quadrinhos. Mas, na vida real, construir pontes entre os seres humanos é muito mais importante do que a simples busca de satisfação pessoal.



Satisfação: está aí uma palavra complicada. Num sistema que se alimenta da insaciabilidade das pessoas, que cria demandas como quem cria problemas, encontrar-se satisfeito torna-se cada vez mais difícil. Há sempre algo mais para buscar. Run, Forrest, run: eis um imperativo ao qual geralmente obedecemos. Às vezes funciona. Mas nem sempre. Será que não nos cabe perguntar porque corremos? Estamos fugindo do passado, ou corremos para chegar onde estamos indo? Se é isto, para onde vamos? Vale a pena? Vale as pernas? E de nosso passado, devemos fugir? Ou devemos encará-lo?

Perguntas, perguntas, perguntas: talvez o caminho para um jornalismo – e um mundo melhor – seja aumentar o numero de perguntas certas. Respostas, no momento, não são tão importantes. Importante é colocar em dúvida tudo que parece normal. Tudo que se diz “ser assim mesmo”.

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