POVO DA RUA, TERRORISMO E JORNALISMO: UMA PEQUENA DENÚNCIA DOS PROCESSOS DE DESUMANIZAÇÃO
Pelo segundo domingo consecutivo, o Ombudsman da Folha de São Paulo, Marcelo Beraba, destaca a péssima cobertura do jornal para o caso dos assasssinatos de moradores de rua em São Paulo. A necessidade de retomar o tema mostra que, em muitos momentos, a figura do Ombudsman pode ser apenas alegórica.
Eu, no entanto, não sou dos puristas que, por causa de um ou outro joio, joga fora todo trigo. Acho que o fato de existir o Ombusdaman já é positivo. Se ele não fala tudo, pelo menos fala alguma coisa. Em terra de mudos, é um progresso.
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No artigo do último domingo, 5 de setembro, falando sobre deveres do jornalismo e sobre o posicionamento dos jornais diante de determinados assuntos, Beraba escreveu:
“Jornais informam, prestam serviços e são, por tradição, fóruns de discussão e de confronto de idéias e políticas. Nem sempre fazem bem. Às vezes, deixam os assuntos fugirem, às vezes, os tratam sem aprofundamento.
Não é um problema só da Folha. Acho improvável que algum leitor tenha conseguido consolidar uma opinião sobre assuntos polêmicos, como o sistema de cotas nas universidades, por exemplo, ou os riscos dos transgênicos, lendo apenas os jornais.
É um desafio abrir espaço para os novos assuntos, fugir das discussões ralas, conseguir contribuir de fato para o entendimento dos problemas e para a busca de soluções. Mas esse é um papel que cabe aos jornais mais do que a qualquer outro meio noticioso”.
Discutir e raramente e “ralamente” parece ser regra na imprensa brasileira. Comentei isso, inclusive, no “post” sobre o terror na Rússia. Agora, o tema ressurge. A superficialidade com que a mídia trata tudo chega a ser ofensiva e, claramente, contribui para aumentar ainda mais a imbecilidade que toma conta dos seres humanos.
Comentando a cobertura (rala) do ato terrorista na escola russa no Observatório da Imprensa, Alberto Dines disse que
“A busca do impacto fácil através do inesperado, a novidade pela novidade e despojada de significados está criando um círculo vicioso e viciado cuja primeira vítima é o próprio jornalista, a vítima seguinte é o leitor e a última, a sociedade, cada vez mais cruel na sua insensibilidade, cada vez mais perversa na impermeabilidade ao sofrimento”.
Numa mídia que se confunde cada vez mais com entretenimento, o conteúdo, a análise, a tentativa (é o mínimo que deveríamos esperar) de encontrar explicações racionais para os acontecimentos se torna algo cada vez mais secundário. Sempre buscando satisfazer aos desejos dos consumidores e continuar vendendo bem o jornalismo deixa de cobrir com seriedade o que é de interesse público e - por que não dizer? – de interesse humano só porque às vezes essas matérias não se prestam à espetacularização.
Sobre o abandono da questão dos moradores de rua pela Folha, Beraba escreveu ainda:
“Chego à conclusão que o assunto é mais incômodo do que eu imaginava, e não tem o glamour das grandes polêmicas. É mais fácil discutir os distantes problemas nacionais ou as loucuras do terrorismo internacional”.
É como se à mídia não interessasse sujar as mãos com problemas concretos, próximos, estes com os quais a realidade nos faz confrontar a cada esquina. Além do mais, o espetáculo proporcionado pelas grandes tragédias é perfeito, porque nos permite olhar de fora, como filmes norte-americanos. Podemos observar friamente, lamentar de forma hipócrita e voltar tranqüilamente para as nossas vidinhas.
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O problema, contudo, parece não estar apenas no jornalismo. De certa forma a mídia se aproveita de uma tendência da sociedade. Há assuntos dos quais os leitores/espectadores/ouvintes parecem fugir. São coisas que incomodam, em boa parte, por que trazem à tona a parcela de culpa que temos. Sobre o caso dos moradores de rua, Beraba mostra que
“O baixo número de mensagens dos leitores ao longo da semana que passou (15 cartas até sexta) revela, de uma certa forma, que o assunto não atrai tanto. Talvez seja difícil encará-lo”.
Mas ele está aí, querendo ou não, e ainda sem solução. Estamos às vésperas de uma eleição para o cargo Executivo que tem como responsabilidade cuidar da cidade e de sua gente. Não há como fugir do problema."
A um jornalismo ciente de sua responsabilidade social, cabe informar sobre isso, por mais que, a princípio, pareça não interessar – nem ao público nem à empresa capitalista. “Fugir do problema” só contribui para acelerar ainda mais o processo de desumanização do ser humano que está em curso.
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