terça-feira, agosto 24, 2004

ESPECULAÇÕES SOBRE A PERCEPÇÃO DO ESPAÇO NA IDADE MÉDIA E NA "PÓS-MODERNIDADE" A PARTIR DE HARVEY E MAFFESOLI



No capítulo 15 do livro Condição Pós-Moderna, intitulado “O tempo e o espaço do projeto do Iluminismo”, David Harvey fala sobre a percepção do espaço na Idade Média.

Citando Edgerton, Harvey escreve:

“O artista medieval ´acreditava poder traduzir convincentemente o que tinha diante dos olhos ao representar as sensações que tinha ao caminhar, experimentando estruturas, quase de maneira tátil, a partir de muitas perspectivas distintas, e não de um ponto de vista geral único´” (Grifo nosso).

Esse modo de perceber o espaço (e o tempo) teria sido, segundo Harvey, profundamente alterado a partir da renascença, com as navegações e as descobertas, e, especialmente, com o desenvolvimento da cartografia a partir da geometria de ptolomaica.

“A grade ptolomaica (...) propunha uma unidade matemática imediata. Os locais mais distantes podiam ser precisamente fixados uns com relação aos outros por coordenadas imutáveis, de modo que sua distância proporcional, bem como seus relacionamentos direcionais, ficassem evidentes”. (Edgerton, 1976)

Para Harvey, “Ptolomeu imaginara como o globo como um todo seria visto por um olho humano que o visse de fora”. Essa nova maneira de ver o mundo, de uma perspectiva única e totalizadora, teria influenciado de forma profunda o pensamento iluminista.

Michel Maffesoli, o sociólogo francês que se dedica ao estudo da modernidade e do mundo contemporâneo, coloca a obsessão pelo Uno como uma das características do pensamento moderno. Harvey, que é professor de Geografia na Universidade de Oxford, acredita que essa mudança na percepção do espaço (múltiplas perspectivas para uma única perspectiva) como fundamental para a mudança na forma de pensar do ser humano.

Se seguirmos esse raciocínio, talvez fosse possível arriscar a seguinte hipótese: a visão fragmentada do mundo “pós-moderno”, e a ênfase numa vida mais hedonista e presenteísta, principalmente a partir dos movimentos de contra-cultura dos anos setenta, está fazendo o homem contemporâneo perceber o mundo e pensá-lo (ou mesmo não pensá-lo) mais ou menos como os medievais. Não sei se Maffesoli trabalha com os conceitos de espaço-tempo na modernidade de na “pós-modernidade”, mas sei que ele trabalha com o conceito de “ressurgimento do arcaico”. Dessa maneira, a análise de Harvey sobre os as diferentes concepções de espaço tempo corrobora para a tese de Maffesoli. É como se a maior parte da humanidade percebesse o espaço de forma mais medievalista, sobre diferentes perspectivas, do que Iluminista, unidimensionalmente.

Essa visão reforça, inclusive, o conceito de multiculturalismo, as diferentes noções de ética e concepções de verdade, a fragmentação das narrativas e, enfim, o conceito de tribalismo de Michel Maffesoli.

É claro que esse tipo de aproximação, para ter mais validade, precisaria de um estudo mais aprofundado tanto dos conceitos de Harvey quanto da obra de Maffesoli. Contudo, acredito que, respeitando certos limites, não seria delírio seguir na direção aqui apontada.

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O que também me chamou a atenção na análise de Harvey sobre a importância da perspectiva ptolomaica para o Iluminismo foi a necessidade que o projeto iluminista tinha, para se concretizar, de mecanismos de controle, de regulação, de vigília, de mapeamento. Pretendo voltar a isso em textos futuros, retomando Habermas, Foucault, Rouanet, já comentados aqui no blogue em outras ocasiões.

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