sexta-feira, agosto 13, 2004

CONSELHO DE JORNALISMO

Abaixo, texto escrito às pressas só pra não deixar o fim de semana entrar sem tocar nesse assunto aqui no Blogue.
E É ISSO...
“Mais da metade dos brasileiros afirma que não se importaria com um governo autoritário, se este resolver problemas de economia, segundo dados divulgados ontem pela ONG chilena Latinobarómetro, que anualmente faz pesquisa de opinião, atitude e valores em 18 países da América Latina. A pesquisa calcula que 54% dos brasileiros aceitam autoritarismo se houver, em troca, benefício econômico. A média latino-americana de aceitação é de 55%”.
(O Globo, 13 de agosto de 2004)


Notícias como essa mostram que as “invasões bárbaras” já começaram faz tempo e não tem a ver, necessariamente, com “do declínio do império americano”, mas sim com a descrença nos valores democráticos.

É dessa apatia que ressurge o desejo paternalista de um Estado provedor. Doce ilusão em tempos de neoliberalismo avançado.

Pelo menos, estamos abaixo da média latina.Um pontinho, mas estamos.

Para não fugir à regra e manter-se próximo do paradoxo, diz o mesmo jornal:

“Ao mesmo tempo, o apreço pela democracia cresceu depois do primeiro ano do governo Lula. Na pesquisa do ano passado, apenas 35% dos brasileiros acreditavam que a democracia é melhor do que qualquer outra forma de governo. Este ano, são 41%”.

Apreço. Só isso? Não se ganha nem plebiscito com essa quantia, mas vá lá. Como diria o Mestre dos Mares, que pelo menos escolhamos a menor praga.

Saudosos do paternalismo – e avessos à idéia de liberdade – são alguns discursos que surgiram por motivo do projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo. Como este protesto inflamado do aposentado José Roberto Barbosa, de Piracicaba-SP, no site do Observatório da Imprensa:

“A Globo é uma verdadeira escola para desequilibrar um lar com jovens, com suas novelas semipornográficas; a Bandeirantes, com seu Boa Noite Brasil, só tem mulher seminua, e a maioria dos assuntos é torpe, além do cinismo de Gilberto Barros, que bate em sua costa com luvinha de pelica. O SBT deu uma maneirada depois do caso PCC, a Rede TV! é uma verdadeira escola de futilidade, quer ter audiência sobre a desgraça dos outros, e não tem uma autoridade que veja isso. A Record estava à beira da falência, o bispo Macedo comprou e logo foi modificando, de TV popular para igreja eletrônica (...); o espaço religioso está diminuindo gradativamente, é a única TV aberta que pode tirar a soberania da Globo, porque seus proprietários têm dinheiro para investir, e é uma TV que você pode sentar para assistir com sua filha e seus netos e ficar sossegado, porque não vai se deparar com cenas obscenas. Mas que o governo, alguém, faça alguma coisa para pôr uma censura nisso”.

O apelo religioso do seu Barbosa aponta também para as “invasões bárbaras”. E a adesão a discursos maior do que se pode imaginar.

Saber que o Conselho é bom ou mau é outra história, da qual não se pode antecipar muito bem o final. Por hora, trabalhamos apenas no campo das especulações: muitas possibilidades, poucas certezas.

Ricardo Kotsho, por exemplo, diz que: “o objetivo central da criação do CFJ -a exemplo do que há muito ocorre com advogados, médicos, economistas e outras categorias- é exatamente defender a dignidade e a ética exigidas no exercício da profissão, para garantir à sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade para alguns profissionais e algumas empresas divulgarem o que bem entendem a serviço dos seus interesses”.

Alberto Dines, por outro lado, acredita que: “A iniciativa é a mais inábil e atarantada já produzida na esfera da imprensa por algum governo desde a redemocratização em 1985. Tanto no espírito como na forma é rigorosamente autoritária e corporativa. A oportunidade, a justificativa e o conteúdo não poderiam ser mais funestos e inconvenientes. Parece homenagem ao onipotente Estado Novo com toques de Mussolini, George W. Bush e Hugo Chávez”.

Enquanto o Kotsho afirma que “o governo não terá nenhuma ingerência nesse assunto: trata-se de uma iniciativa dos próprios jornalistas, que indicarão livremente os integrantes do conselho e zelarão pelo cumprimento das normas de conduta estabelecidas no projeto, que agora vai à discussão no Congresso Nacional”, Dines acredita que “acossado por uma saraivada de acusações disparadas por uma parte da imprensa contra membros da sua equipe econômica, o governo fez a opção mais desastrada: enviou ao Congresso um antiquado e controverso projeto para a criação do Conselho Federal de Jornalismo”.

Os jornalistas presentes no 31º Congresso Nacional dos Jornalistas, que aconteceu no início do mês, em João Pessoa dizem que:

“É essencial que a categoria [dos jornalistas] e a sociedade possam contar com um instrumento como o CFJ que estará a serviço do interesse público, da ética, da democracia e da pluralidade no jornalismo. Bem ao contrário de permitir o cerceamento à liberdade de expressão e de imprensa, o Conselho Federal vem justamente para enfrentar e combater a manipulação da informação, a distorção de fatos e as práticas jornalísticas que privilegiam interesses escusos em detrimento do cumprimento da função social do jornalismo”.

Dines afirma que “Jornalistas não precisam ser protegidos pelo Executivo, ao contrário, precisam libertar-se das amarras do poder político. O exercício do jornalismo deve ser livre de constrangimentos e filiações suspeitas”.

É interessante destacar, contudo, que Dines não cita as filiações suspeitas que já existem hoje na imprensa. Nem leva em consideração que essa liberdade que ele defende e essa independência – quase onipotência – do jornalista só existe no discursa. Dines parece esquecer-se também que ele mesmo, no Observatório da Imprensa, cansou de denunciar “constrangimentos e filiações suspeitas” no jornalismo brasileiro.

É certo que, além de criticar, Dines aponta caminhos interessantes que, contudo, poderiam ter ser apontados não como alternativa à idéia do Conselho (que ele parece abster-se de discutir a sério), mas como algo mais.

Uma das idéia propostas por Dines é a seguinte: “Se o governo preocupa-se com a lei da selva que impera nos rincões obscuros da nossa mídia deveria imediatamente acionar o debate para a instituição de uma agência reguladora nos moldes da americana FCC (Federal Communications Comission), criada por Franklin Delano Roosevelt, ou sua equivalente inglesa, a IBA (Independent Broadcasting Authority). Esta é a conduta correta, democrática, liberal e libertária, efetivamente progressista”.

Não vou discutir aqui o termo “progressista” utilizado por Dines que, às vezes, parece denunciar uma veia positivista em todo esse discurso de oposição ao conselho e de ode ao jornalismo independente (que, curiosamente, é defendido tanto pelos defensores quanto pelos detratores do CFJ).

***

Agora, depois de uma semana em cima do muro, vou assumir uma posição nessa conversa sobre o CFJ.

Primeiro: acredito que o projeto do conselho não passa especialmente por causa da pressão da mídia e da manipulação, denunciada por Kotsho, do noticiário sobre o CFJ.

Segundo: se o passar, não há como negar que há um grande risco da entidade tornar-se mais uma Instituição de fachada, sem força alguma, passível de manipulação de vários tipos e não apenas governamental, como dizem os detratores do projeto.

Terceiro: não acredito em ações verticalizadas. Não há como tentar regular a atividade jornalística de cima para baixo. Quer dizer, dá pra regular questões trabalhistas, mas assuntos de ética não abordados assim. Não se cala jornalistas desse jeito, especialmente com a Internet.

Um Conselho que deliberasse sobre questões éticas deveria ter em seu quadro representantes da sociedade civil, mas não qualquer tipo de representante. Seria preciso a presença de pessoas com um mínimo de conhecimento dos processos comunicacionais e jornalístico para analisar de forma justa a questão e, ao mesmo tempo, lutar para que o conselho atendesse ao interesse público da população.

Defendo um trabalho em escala micro e acho que a FENAJ e os Sindicatos deveriam procurar estabelecer parcerias com as universidades e escolas para disseminar o conhecimento midiático entre as pessoas. Uma população mais crítica é a única caminho para um jornalismo mais sério.

O resto é política e jogo de interesses. Interesses demais até.

E é isso.

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