terça-feira, agosto 03, 2004

FALO PORQUE FALHO



É incrível a quantidade de pessoas insatisfeitas com o próprio trabalho no mundo. Inteligências desperdiçadas em tarefas imbecilizantes: submergindo num desprezível universo de burocracia e falso poder – que, embora falso, é suficientemente real para oprimir, para desumanizar, para fazer “dexistir” – deixar de existir por desistir dos próprios projetos, das coisas que realmente importam e fazem algum sentido.

Ao lado disso tudo, um absurdo desencantamento com o mundo. A única coisa que mereceria nossa crença inamovível – a vida, o viver, o estar no mundo, interagindo com ele de forma harmônica – perde a força, pois, em vista de uma realidade de concreto, que a toda hora “se desmancha no ar”. Acreditar na vida se torna difícil: seu sentido nos escapa; já não conseguimos mais tocá-la. O falso-real oblitera nossa visão. Este simulacro de vida toma conta de tudo e torna-se difícil ver além dos muros de concreto, das telas de computador, das páginas dos jornais...

Estamos carentes de vida.

Ao falar disso, sempre corremos o risco de aproximarmo-nos do discurso religioso, mas esta não é a idéia por aqui. Antes, queremos fazer um elogio da vida plena, do viver-vivendo, experimentando, sentindo.

O sentido só pode ser encontrado no sentido.

O pensamento precisa menos ter sentido do que ser sentido. É preciso apreendê-lo em funcionamento, torná-lo palpável – e pautável. É preciso colocá-lo no centro da discussão. A vida também está aí, no pensamento, na reorganização das formas, na (re)criação de novas formas de sentir, de estar no mundo. Formas mais prazerosas, mais amplas.

É preciso abrir-se para o mundo: impregnar-se dele, lambuzar-se nele, sujar-se, molhar-se, comê-lo, senti-lo em cada poro do nosso corpo. É preciso entregar-se ao mundo sem mediadores.

Precisamos diminuir as distâncias entre os mundos. O meu, o seu, o do seu vizinho. Não falo aqui de distâncias físicas, apenas, mas de distâncias simbólicas: falo de aprendermos a ver, a viver, a sentir como o outro. Falo de falar e de ouvir para ser compreendido e compreender. Para ser sentido e parar sentir o sentido do outro.

Precisamos recriar tudo: reconstruirmo-nos a partir de nossos próprios escombros. Precisamos revirar o lixo, em busca da boa coisa que, num momento de raiva ou insanidade, jogamos fora, pensando estar velho ou podre. Precisamos revisitar, revisar, regurgitar: precisamos mundanizar.

Falo, porque falho: do contrário, estaria tocando pessoas. A palavras são meio: não são nem o começo, nem o fim.

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