terça-feira, julho 27, 2004

DEBATE - Parte II


Apresentação das Armas

Começa a partir deste “post” o segundo round do debate sobre tecnologia, com base no texto de Bustamente. Abaixo, o trecho do texto a se discutido.

Combate
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO SOB A ÓTICA DE JAVIER BUSTAMANTE


ROUND 2

A outra ponte

Os cientistas foram educados principalmente para desenvolver teoria e inovação, mas nem sempre têm uma percepção ética da responsabilidade que implica uma mudança gigantesca da realidade humana. Falava-se antes que as idéias mudavam o mundo. Hoje, a forma de mudar o mundo é através da técnica e da tecnologia. Robert Moses, o arquiteto que deu à cidade de Nova York o desenho que tem atualmente, idealizou uma cidade para as classes mais ricas e favorecidas. Projetou então 300 pontes em Long Island para dar uma imagem especial da metrópole. Quando essas edificações foram analisadas, constatou-se que faziam uma discriminação importante, já que tinham uma altura livre de apenas três metros. Foram feitas apenas para carros, não para o transporte público - quem não tinha carro, não entrava na área. Assim, muitas vezes, quando achamos que temos que reagir contra uma política de discriminação, percebemos que a tecnologia é um elemento neutro, uma coisa que não encarna opções religiosas, políticas, ideológicas etc. Por isso temos que prestar uma atenção especial aos projetos técnicos. Eles são tão políticos quanto as próprias leis.

O Gongo

Se pegarmos a primeira frase do texto, podemos pensar no exemplo clássico de Frankstein, a criatura que perde o controle, a ciência que fica pequena diante de sua obra. Acredito que a necessidade de manter o olhar crítico sobre a tecnologia foi apontada neste trecho por Bustamente. O exemplo de Nova York mostra isso: é um alerta. Contudo, Bustamente reconhece também o importante papel que a técnica e a tecnologia exercem nas modificações da sociedade contemporânea. O sociólogo Michel Maffesoli tem uma idéia interessante para representar o período pelo qual passamos. Para ele, vivemos uma fase de retorno do arcaico, de ressurgimento dos comportamentos e formas de relacionar-se com o mundo que marcavam a realidade pré-moderna. Seria um período no qual a razão perde espaço para o que ele chama de “imaginal”. Maffesoli acredita que os grupos hoje se formam especialmente por um repertório imagético comum e não pela convergência de idéias. Apesar desse arcaísmo no modo de ser e relacionar-se, Maffesoli diz que as conquistas técnicas da modernidade são aproveitadas. Simplificando muito, é como se fôssemos aborígines que usam laptops. O pensamento de Maffesoli pode ser atacado de diversas maneiras e ângulos – até porque, sua análise toma por base, primeiramente, o contemporâneo, o contingente, que muitas vezes nos escapa e inviabiliza uma análise mais aprofundada. Contudo, gostaria de deter-me nesse aspecto da perda do status privilegiado da razão na organização do mundo e da importância da técnica nesse contexto. Ousando um pouco – porque aqui não temos tantos compromissos assim – eu arriscaria aproximar Habermas de Maffesoli para dizer que a razão que perde espaço é a razão comunicativa, já que as esferas do mundo vivido, o espaço público, foram colonizadas pela razão instrumental, a razão da técnica e da tecnologia. Pensando com Habermas, nosso dever, de certa forma, seria lutar por recolocar a razão comunicativa no seu devido lugar, tendo a razão instrumental a seu serviço, e não o contrário. Há uma necessidade, como aponta Bustamente (e como eu tenho enfatizado aqui) de colocar a tecnologia no centro da discussão do espaço público.

Só que aqui surge um paradoxo aparente que tem me incomodado bastante nestas minhas leituras mais recentes de Habermas. Não há como negar que hoje há uma perda da capacidade/competência lingüística nas pessoas. Muitas coisas deixam de existir porque não podem ser ditas/explicadas/descritas (e aqui nos aproximamos do segundo Wittgenstein). Para que o diálogo aconteça é preciso haver um consenso sobre um certo número de pressupostos aceitos por todos os envolvidos no diálogo. Pressupostos comuns são difíceis de encontrar no mundo contemporâneo, mas existem. Parece-me que muitas vezes a dificuldade das pessoas está em conseguir afinar os discursos, encontrar intersecções -- “nós” -- entre eles. E aí chegamos, novamente, ao “querer dizer” do Wittgenstein, e voltamos a um tema já repisado aqui no Psicotópicos que é a necessidade de buscar compreender o outro, ver/sentir como o outro. O texto sobre Dança com Lobos (Dança com o Outro) apontava nessa direção.

A minhas questões passam, então, por dois caminhos: 1) como conseguir devolver à razão comunicativa seu espaço se primeiro é necessário aprendermos a compreender e fazer-se compreender para exercer essa razão comunicativa?; 2) como a técnica – que hoje pode funcionar como elo de ligação entre diferentes “tribos” – pode ajudar a diminuir as distâncias entre um discurso e outro, decifrando o que cada um “quer dizer”?

Só lembrando, esses foram os pensamentos/dúvidas que o texto em discussão suscitou em mim. Há outros caminhos a serem tomados a partir dele, façam suas escolhas.

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