MONSTRINHOS
Os incidentes ocorridos na Rússia na semana passada recolocaram o assunto do terrorismo no centro da discussão mundial. Os holofotes, agora, estão voltados para o conflito checheno.
Paralelamente a isso, embora o assunto tenha sumido dos noticiários, o conflito no Iraque, a invasão estadunidense, continua. Assim como o assassinato de mendigos em São Paulo.
Interessante seria se estivéssemos discutindo estes problemas de forma conjunta, para termos uma possibilidade maior de compreensão do contexto, do que, de verdade, leva o mundo em direção à barbárie. Mas isso não interessa ao jornalismo. Vale mais é a novidade – as news. Assim, os tópicos para a discussão de sucedem sem que a opinião pública não consiga encontrar ponto pacífico em nenhuma discussão. Dessa forma, tudo vira puro falatório, fadado ao esquecimento.
Como disse o Jabor, numa de suas críticas no Jornal Nacional, o triste é saber que a barbárie dos terroristas – não bastasse o mal intrínseco aos próprios atos por eles cometidos – servirá para dar continuidade a um outro mal: Bush.
A campanha do republicano para a reeleição está baseada no mote do combate ao terror. O estereótipo do xerife, incorporado por Bush, torna-o depositário das esperanças dos eleitores estadunidenses – culturalmente belicosos –, em detrimento do candidato democrata. Só o xerife Bush é capaz de vingar as vítimas do 11 de setembro e combater o malvado Bin Laden: é esse pensamento que Bush quer ver na cabeça dos eleitores yankees.
Falando sobre as eleições nos Estados Unidos, o colunista de O Globo, o norte-americano Paul Krugman escreveu:
“O que é claro é que em qualquer momento no qual o debate político se volta para o histórico do governo Bush, sua popularidade despenca. Somente fazendo qualquer coisa para mudar o assunto para a guerra ao terror — não para o que ele realmente está fazendo sobre as ameaças terroristas, mas para sua “liderança”, o que quer que isso signifique — ele consegue um empurrãozinho nas pesquisas.”
O acontecido da Rússia parece ter vindo mesmo a calhar para os interesses de Bush. O que se espera agora é que Bush se torne o próprio Terminator.
"A convenção da semana passada deixou claro que Bush pretende usar o que restou de sua imagem heróica para ganhar a eleição, e as primeiras pesquisas sugerem que esta estratégia pode estar funcionando" (Krugman).
Os atos terroristas contribuem para aumentar a ânsia das pessoas pela bestialidade, pela violência, pela barbárie. O velho clichê “violência gera violência” nunca foi tão atual. O terrorismo parece ser o desfecho, o ponto alto, de uma sucessão de pequenas barbaridades que vêm sendo cometidas ao longo da história, seja pelo Estado, pela Igreja ou pelo Capitalismo.
Falando sobre o incidente na Rússia, “Sergey Kovaliov, que integra a organização de defesa dos direitos humanos Memorial, diz que o Kremlin pratica terrorismo de Estado na Chechênia. Kovalyov acusa Putin de ter subido ao poder às custas da guerra chechena e a Europa de ter ignorado o conflito” (O Globo, 08/09). “Esses terroristas são também uma conseqüência da guerra” diz Kovaliov em entrevista”. “Antes da segunda guerra da Chechênia, em 1999, não havia ligação (dos chechenos) com o terrorismo internacional, com essa brutalidade sangrenta. Muitos chechenos contam que sofreram barbaridades nas mãos dos russos. Uma chechena que vive na Alemanha contou que sua filha de 2 anos foi assassinada pelos russos, enquanto ela foi violentada e deu à luz no cativeiro. Do lado dos chechenos há também uma tragédia para contar”.
As relaçãos de Putin com a Chechênia e de Bush (e dos EUA) com o Oriente Médio guardam algumas semelhanças entre si, uma delas é a questão do petróleo. Como aponta uma matéria publicada no site da BBC, “há reservas petrolíferas e de gás que podem ser exploradas no Mar Cáspio. Além disso, a Rússia pretende que a área permaneça segura para escoar sua produção”.
A postura dura que Putin assume agora lembra aquela assumida por Bush no 11 de setembro. Com uma diferença: os norte-americanos não tiveram nenhuma chance de evitar a tragédia do World Trade Center. Os russos não só tiveram chance de evitar a sua tragédia como contribuíram de forma quase direta para que ela acontecesse. Esse agravante, contudo, parece não ser suficiente para evitar que o presidente russo explore o fato a seu favor.
É triste...
É como se, o tempo todo, criássemos novos Frankenstein´s para, recontando a história, perdermos novamente nosso controle sobre eles. O terrorismo, o assassinato dos moradores de rua, o crime organizado e tantas outras barbaridades são os muitos nomes que damos aos nossos monstrinhos. Neles, há também um pouco de nós mesmos. Talvez por isso nosso desejo de extirpá-los, devolvendo-lhes todo o ódio que nos reservam. São como sintomas do nosso mal recalcado. Como toda obra do inconsciente, parecem operar sob um lógica do absurdo. Muitas vezes é difícil compreendê-los ou mesmo aproximar-se deles por meio de iniciativas racionais. Contudo, é preciso encontrar formas de controlar esses males e, certamente – recorro novamente ao clichê -, comobater mal com mal não é a melhor alternativa. Parafraseando uma frase ouvilida numa galáxia distante: nessa brincadeira de olho por olho, dente por dente, acabaremos todos cegos e banguelas...
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