quinta-feira, novembro 04, 2004

"CUSPINDO CONVERSA"...

“Maikel,

acho que há muito por dizer e mais ainda por conversar sobre essa eleição última. Já havia dito na Praça que cada história guarda peculiaridades. Aqui vinha reforçar essa tese, até que encontro o Sader generalizando. Discordo frontalmente das considerações dele. No mérito, principalmente. Ora, quem é o vice do Lula. Um Zé Direita-Nacional. Já há três anos a direção do PT encaminhava essa política. Se ele não viu ou se agora não quer vê, outra questão. Há muito tempo também esse papo de militância não tem expressão. Isso foi coisa dos anos 80, que repercutiu nos 90, mas que nos idos de 21, já não vale. O Duda Galonsa que o diga. Sader parece mais querer tirar casquinha de uma ferida que também lhe pertence. Não quero com isso ser linha de frente do Lula, Dirceu e Palocci. Mas votei nesses caras e sinceramente, outro mundo só será possível no Brasil, se esses caras forem cada vez mais rumo à direita. Taí o Bush de novo. Não é fácil. Fica parecendo que os vermelhos amarelaram, como fosse possível enxergar esse receio. Dirigir minimamente as contradições desse país, requer bem mais sabedoria que escrever teses ou assinar panfletos. É coisa para deixar desgosto na biografia presente, para quem sabe o futuro em seu presente, deseje rever.
Por aí.

Abraços!

Kléber Matos”


Também votei nos caras. E não me arrependo. E também não acho que o governo esteja tão mal das pernas assim.

Engraçado você levar a discussão nessa direção. Na semana passada, num encontro entre amigos, discutíamos justamente esses pontos por aqui. Se o PT é continuísmo, se vale ou se é possível uma ruptura com esse modelo. Se o melhor é chutar o balde, ou continuar trabalhando “na surdina” – como diria meu pai – e dando passos seguros, cautelosos.

De nossa conversa, emergiu um certo PT em transformação. Um partido que, desde a década de 80, reuniu em torno de si a maior parte da esquerda brasileira. A princípio, parecia que a idéia de unir forças convencia. As diferenças perdiam importância, pois a vontade de “chegar lá” era mais forte. Com Lula lá, parece que a configuração do partido mudou: radicais, moderados, intelectualizados e ativistas começaram a disputar entre si por um pouco mais de atenção e – não sejamos ingênuos – de poder.

O PT no qual eu votei foi esse mesmo. Quem acompanha o blogue há mais tempo, sabe que tenho todos os pés atrás com relação ao Estado. Logo, o que eu esperava do governo Lula era um dialogo maior com a sociedade, uma relação mais próxima, diferente daquela postura olimpiana assumida por FHC.

E é nesse ponto que fica minha maior crítica ao PT. Eu esperava que o poder ficasse um pouco menos concentrado, que estivesse pulverizado nos diversos setores da sociedade. E acredito que isso não vem acontecendo.

Dois exemplos sintomáticos do que estou dizendo já foram citados aqui: Gabeira e Buarque. Acho que ambos tinham propostas interessantes, mais coerentes com o “contemporâneo”, e foram, de certa maneira, isolados pelo partido. Acredito que o sistema político como conhecemos não está preparado para certos avanços ainda. É pena.

Tudo isso, no entanto, não me impede de acreditar que o PT ainda é a melhor opção política no Brasil. Acredito também que haverão rachas no partido no meio do caminho. É possível que dele surjam novos partidos, especialmente mais à esquerda, que talvez vão de encontro aos anseios de Luizianne, Emir Sader, José Arbex Jr. e tanta gente que defende um PT menos “liberal”.

E, olha Kleber, eu acho que isso é bom. O que não acho bom é que esse racha aconteça agora. Se isso acontecer, o partido enfraquece e com isso toda esquerda perde. O PSDB volta a ganhar espaço e os esquerdistas “revolucionários” vão ter de voltar a comer pelas beiradas. Sabe-se lá quanto tempo será preciso esperar pra chegar à presidência outra vez. O Brasil (ainda) é um país conservador. Por mais que não aparente.

O que procurei fazer com o artigo do Sader e os recortes das falas de Gaspari e Luizianne foi justamente chamar atenção para alguns encaminhamentos que a política petista está tomando. Especialmente, para o excessivo destaque que a mídia dá a essas tentativas de rompimento. A Folha de ontem – de onde tirei boa parte do material publicado aqui – trazia duas entrevistas com destaque. Uma era a do Garreta, da qual reproduzi boa parte. Outra, que não mencionei, foi com Geraldo Alckmin.

Enquanto a entrevista do Garreta dava destaque aos conflitos dentro do PT (o secretário fazia críticas à postura assumida por Eduardo Suplicy na campanha da Marta), a do Alckmin exaltava-o começando a preparar terreno para que seu nome seja fortalecido como o candidato do PSDB à presidência. A Folha, ao que parece, não sobe apenas o Serra, mas sobe os paulistas. Mas não cabe discutir agora a Folha (já basta esmiúça-la para o TCC): continuemos a falar do PT.

Peguemos carona no texto do Gaspari, no qual ele exalta os méritos da prefeitura petista em São Paulo, a forma como Marta colocou a mão na massa, investindo no social, e o resultado disso nas urnas, que foi a hegemonia do PT na periferia (o que, vale lembrar, também aconteceu em Porto Alegre). Gaspari atribui isso “à centelha da militância petista”, mas creio que a aproximação é simplista. A mim, parece que isso tem muito mais relação com a capacidade das prefeituras paulistas para dialogar com a população e identificar suas reais necessidades. Tanto em Porto Alegre como agora, em São Paulo, o PT conseguiu – com o Orçamento Participativo e outros métodos interessantes – estabelecer uma ponte real de diálogo entre o poder público e a população mais carente. Isso, creio eu (e já falei disso por aqui também), o PT nacional deveria tomar como exemplo. Ponto.

Quanto à necessidade de um PT mais militante, concordo com Sader, Gaspari e Luizianne. Talvez não pelos mesmos motivos, mas concordo. Creio que eles utilizam a lógica dos anos 80 apontada por você para falar dessas coisas. E nesse ponto, concordo, esse tipo de estratégia já não faz mais efeito. Especialmente em grande escala, onde a televisão, a construção/descontrução de imagens dá as cartas. Contudo, no meio da miscelânia teórica que é a obra de Michel Maffesoli, tem uma conceito interessante para falar sobre os modos como, na contemporaneidade (pós-modernidade para ele), as pessoas se agrupam em torno de algumas causas. Para ele, no contexto atual, o que funciona é a lógica do “estar junto”, de compartilhar momentos catárticos (como um show de rock, uma rave, uma flash-mob, etc.), sem que isso signifique exatamente compromisso ideológico. Pro Maffesoli, estaríamos passando de uma época moderna, com predomínio do racional, para um período onde o que prevalece é o “imaginal”. Nesse contexto, retomar uma espécie de alegria nas campanhas, serviria para agrupar mais pessoas em torno do partido.

Parece viagem, mas me acompanhe. A propaganda eleitoral, a gente sabe, não acontece em termos racionais e propositivos. A maior parte dela serve única e exclusivamente para criar uma imagem na cabeça do eleitor, para vender um produto. Meu ponto de vista é que, se vale isso para a campanha na TV, vale também para a campanha nas ruas. Façamos militância de uma forma diferente daquela dos anos 80. Uma militância mais feliz e menos turrona. Uma militância “pós-moderna”.

Bom, acho que é mais ou menos isso. Acho que radicais são importantes. Em tempos de ultra-direita, é bom existir um conta-ponto. Assim, enquanto eles se digladiam, de cima do muro – o lugar mais alto –, a gente aponta caminhos, pega atalhos, muda os rumos...

Abraços.

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