terça-feira, dezembro 13, 2005

INTERIORRRRRRRRRR

Fazer jornalismo no interior é não fazer jornalismo. Esse é um dos dilemas que deveria ser levado em consideração pelos pesquisadores que discutiram a questão do desemprego entre os jornalistas no Colóquio Internacional Sobre a Sociedade da Informação.

O jornalismo de interior tem uma lógica própria, permeada pela política, pela incompetência e pela falta de critérios para discernir o que é relações públicas, o que é publicidade e, no pouco espaço que resta, o que é jornalismo. Jornalismo de interior só tem uma coisa que o aproxima do jornalismo “sério”: o dinheiro faz as máquinas girarem.

Não é novidade pra ninguém (pelo menos pra ninguém que acompanhe a imprensa com o mínimo senso crítico) que toda história da profissão foi construída em torno da política. Estão aí as biografias de Hearst, Chatô e Roberto Marinho pra todo mundo ler e aprender como se faz um, digamos, grande veículo de comunicação. Grosso modo, basta bajular políticos, construir uma base material (econômica, empresarial, etc.) e depois preocupar-se em ganhar a legitimidade/credibilidade junto ao público. (A Globo já está na terceira etapa. A Folha já estava desde os anos 80. A Veja entrou em colapso).

Os jornais de interior começam pelo caminho certo (certo não é a palavra certa, mas vá lá). Principiam pela bajulação política e partem para o tráfico de influências. Só nunca chegam à construção de uma “base material”, logo, a terceira etapa pode ser desconsiderada.

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Parece triste a situação dos jornais do interior. Mas é mais que isso: é trágica.

Não bastassem os perrengues financeiros, há um empecilho maior ainda para quem quer trabalhar de forma, assim... responsável. Falemos um pouco de Guarapari. Por estas bandas é praticamente impossível (praticamente é pra não parecer fatalista demais, embora seja este exatamente o caso) manter um jornal (mensal! mensal!) à base de anunciantes captados no comércio. Dá até pra fazer uma ou duas edições com uma forcinha dos conhecidos. É provável que o seu Joaquim da padaria enuncie com prazer na primeira edição do seu brilhante jornal, jovem Marinho! Mas na terceira ele vai começar a coçar os bigodes. Na quinta edição ele vai fugir de você, vai mandar dizer que não está. Lá pela oitava você vai ficar de campana na esquina da padaria pra tentar negociar uma permuta: “um anúncio em troca de três pãezinhos! É pegar ou largar, seu Joaquim!!!” (Ele vai largar).

Quando você finalmente entender que os padeiros, leiteiros e açougueiros não ganham assim tão bem para ficar dando dinheiro pro seu jornaleco de 2000 mil exemplares mensais, eis que surge a bifurcação: ou você corre pra debaixo da asa do Lindomar, o pedreiro – que virou garçon, que virou esperto, que virou político e agora é o vereador mais votado da cidade; ou você enfia seu tablóide... debaixo do braço e encara aquele concurso do INSS pra garantir seu pé-de-meia (e a cachaça do fim de semana, pois, acredite: você vai precisar).

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É claro que você pode ainda ser um daqueles aventureiros, sabe? Você tem uma grana em caixa, uma câmera digital, um gravador comprado na Vila Rubim e mais dois ou três amigos porras-louca que leram fragmentos de O Capital na adolescência e volta e meia entoam hinos oitentistas com refrões do tipo “a burguesia fede” ou “que país é esse”.

Sim, sim. Aí você monta um jornal de esquerda, quase punk-doom-hardcore-metal de tão raivoso. Nas primeiras edições você vai tentar arrancar (com dentadas, às vezes) impressões de seus leitores.

“E aí, leu?”.

“Heim?”

“O ‘Brado Visceral’, o jornalizinho que te dei semana passada”

“Ah! O jornalzinho! Claro!”

“E aí, e aí, o que achou?”

“O jornalzinho, sim, sim. Aquele que você me entregou. Bonito, né? Com umas matérias... Legal isso, né?”

Aos poucos você vai suavizando a linguagem. Em vez de “porcos capitalistas e neoliberais sem caráter” você vai escrever “os empresários”. Em vez de “horrendo modus vivendi da burguesia” você vai escrever “os hábitos de consumo da classe média brasileira”. Em pouco tempo você estará defendendo o Palocci e, se a ficha cair a tempo, das duas uma: vai ter uma crise de choro e ligar pra sua mãe pedindo dinheiro pra se inscrever no vestibular de Psicologia da UVV; ou vai encarar aquele concurso pro INSS...

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Pra não dizerem que sou pessimista, vou falar daquele tipo raro, aquela quase aberração, aquele ser único! O jornalista empreendedor e socialmente responsável. Esse tipo vai tentar fazer um jornal sério. Vai acreditar na técnica jornalística e terá o código de ética dos jornalistas (e o Observatório da Imprensa) como elementos básicos de sua liturgia. Ele vai tentar apurar matérias, produzir textos repletos de conteúdo, enriquecer a pauta!

Esse – é... – jornalista é caracterizado pelo brilho nos olhos no início – e pelas olheiras nos meses seguintes. No jornalismo interiorano, este desbravador vai se deparar com a má vontade da fontes, com o abandono das dos órgãos públicos de consulta, com bibliotecas infestadas de traças e com assessores de imprensa que consideram uma façanha produzir um release de 10 linhas.

Não dura muito em sua empreitada. Geralmente encara aquele concurso pro INSS – e passa em primeiro lugar.

Filho-da-puta!

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