terça-feira, maio 31, 2005

TRAGAM A ANA DE VOLTA!!!



Minhas madrugadas televisivas nunca mais serão as mesmas. Perdi um pedaço de mim. Perdi um sorriso, um olhar inteligente, uma pseudo-frieza toda especial. Perdi a ordem que me fazia dormir tranqüilo sabendo que em meio ao caos havia um padrão.

Sim, sim, estou falando da Ana Paula. A beleza Padrão, o trocadilho garantido, a certeza de que algo no mundo permaneceria imutável, seria sempre o mesmo (a mesma?) todos os dias...

Vocês não estão entendendo. Percebam: o Padrão Ana Paula tinha cara de “doce lar”. Com ela era mais fácil suportar o caminhão de más notícias sem jamais pensar em matar a mensageira (de outra maneira que não fosse de prazer). Ana Paula era incisiva e cálida na medida certa. Conseguia dizer do mundo cão e, ao mesmo tempo, ser ilha de tranqüilidade (e não apenas de edição).

Acho que minha relação com a Ana – posso chamá-la assim? – tem um quê de edipiana (notem como a rima faz com que as duas palavras se completem). Assistir ao Jornal da Globo com ela era, era, era – era como tomar um sermão! Era como ouvir algumas verdades assustadoras sobre a vida, encolher-se, sentir-se pequeno, amedrontado e depois – depois ganhar colo.

Sinto-me órfão – órfão (mal) acolhido por um sombrio diretor de orfanato de nome William Waack. Disseram que não, mas eu sei, eu sei: Waack é um Bela Lugosi by Hans Donner. Aquelas olheiras, aquelas olheiras me assustam! Pra provar que não minto, eu conto: hoje ele disse: “não dá pra dormir tranqüilo com mais uma rebelião na Febem”. Isso é advertência que se faça depois da meia noite?! Ele causa pesadelos. Sua canção de ninar preferida é: “Boi da cara afro-brasileira”.

Eu quero, eu quero, eu quero a Ana de volta. E a quero no mesmo horário, pra me dar boa noite todo dia, pra eu poder dormir tranqüilo. Eu quero a Ana longe do SBT e de suas modelos que só fazem cruzar e descruzar as pernas, apelando para nosso instinto selvagem.

Tragam, tragam, tragam a Ana de volta! Pra devolver meu sono, pra tornar a Globo menos terrível, pra tornar o mundo menos temível – ainda que isso não passe de uma ilusão. Até porque, se é pra ser ludibriado, quero ser ludibriado pelo padrão Ana Paula, não pelo Padrão Globo.


Ps.: Numa peregrinação pelo sistema de busca de imagens do Google, tropecei num blogue chamado "A bela da noite", todo dedicado à Ana Paula Padrão. Tipo assim, pra quem gosta...

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segunda-feira, maio 30, 2005

ORGANIZAÇÃO



Vivo prometendo a mim mesmo: um dia organizo este blogue. Penso em estratégias classificar os posts por assunto, em abordar determinados temas com um pouco mais de método, em tornar certas idéias cada vez mais claras. Penso nisso tudo, mas, no fundo, acho é muito bom que isso não aconteça...

Uma das vantagens do Psicotópicos – pra mim, pra mim – é essa ausência de ordem, essa aparência de caos, essa liberdade de falar de nadas num dia, falar de amores no outro e, de repente, partir pra uma discussão complexa sobre literatura, filosofia ou política. Essa pluralidade de interesses diz de mim. Por isso que, de todos os blogues que tentei levar à frente até hoje, o Psicotópicos é o único que eu posso dizer que tem a minha cara, meu rosto: não é um primor; tem poucos, mas fieis amigos; tem algumas histórias de amor pra contar; e, acima de tudo, está sempre buscando traçar linhas de fuga.

A gente vive tendo de se adaptar ao mundo, somos classificados, qualificados, pendurados em “muros brancos” e arremessados em “buracos negros” o tempo todo! Por que estender esta lógica ao meu deserto? Porque repetir aqui os descaminhos do “mundo dos cheiros”? Não, não. O Psicotópicos permanecerá caótico, particular como partículas subatômicas que saltam em todas as direções. Continuara deserto, não terá cidadelas ou edifícios ou muros brancos. Será estepe, não floresta.

E sejam bem-vindos os nômades!

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quarta-feira, maio 18, 2005

UM CASO A SE PENSAR



Blues e poesia: quem diria que o filho de tal casamento teria feições escarlates, teria gosto de carne, seria (im)pura visceralidade? Pois num é que foi? E foi sexta, na Curva – e que curva! – da Jurema. Horas? Sim, algumas: tufões de movimento alternados com calmas brisas e, não raro, silêncios – verborrágicos silêncios.

Mas eu dizia de uma cria escarlate. É, porque a poesia que saiu daquela sexta pouco teve de celeste. Pra ser sincero – que não me escutem os anjos caídos – volta e meia ela flertava com o demônico.

A cadência marginal do blues – repetitiva como certos gestos – hipnotizava, hipnotizava, hipnotizava...

... até que, de súbito, do solo irrompia o inesperado. Terra em transe, pessoas em trânsito, sexo tântrico a prescindir de qualquer toque que não fosse o dos instrumentos...

... ou o das palavras. Palavras grossas, matéria-viva de um (i)mundo mais do que agravável. A matéria do poema a invadir ouvidos feito língua molhada e quente.

Quente como o pus que brota do néon parnasiano de Sérgio Blanck. Quente como a Lira do Mário, ou o delírio lisérgico de Raimundo Carvalho: se cada poema “fosse uma cartela de ácido, melhor viajaria?”. Perguntas complexas:

“Tudo que a vida me dá
sinuca de bico”.

Sinuca de Bith, de Fernandos, de pessoas como Andréia, Erlon, Orlando, Benjamin, Fábio, Salsa e toda uma penca de gente insanamente boa: gente louca-louca que, num etílico jogo do copo, acreditou na Vitória da poesia – e do blues.

Eu, cá com meus botões, fico a pensar em traições. Como seria um affair entre esta lasciva, a poesia, e o Jazz, aquele abusado? Como improvisar encontros secretos entre os dois? Como fazê-los “suinguar” sem que ninguém perceba o quanto são imorais (e belos)? Como?

É um caso – um caso a se pensar.

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POR VIA DAS DÚVIDAS



Fui convocado pela Bia a participar de uma “corrente”. Por incrível que pareça, essa é até legalzinha (e seria impossível recusar um pedido da Bia, afinal, ela me dá medo).

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro gostaria de ser?

“O Jogo da Amarelinha”, de Cortazar, só pra brincar de jogar pedrinhas e sonhar um dia alcançar um céu. Só para conhecer a Maga. Só para conhecer a Talita. Só pra conversar com Horácio. Só para passear pela Paris dos anos 60. Só para ser pensado por Cortazar. Só para ser rizomático. Só pra ter mil e uma leituras possíveis. Só pra ser infinitamente polimorfo. Só para ser muitos. Só.

Já alguma vez ficaste apanhadinho(a) por algum personagem de ficção?

Na adolescência, fui apanhado pelos “olhos de ressaca” de Capitu. Mais tarde, quis ter ao meu lado uma Minolta, só pra me acompanhar nos prazeres do sexo e da mesa (ela fez de mim um sátiro e um glutão). Recentemente, apaixonei-me pela Maga, pelo que ela tem de simplesmente vivo – e belo.

Qual foi o último livro que compraste?

“O apanhador no campo de centeio”. Guardo-o com um carinho absurdo. Volta e meia entro em um devir-Holden e me perco nos labirintos do ódio.

Qual o último livro que leste?

“Altas Literaturas”, de Leyla Perrone-Moisés e “Aula”, de Roland Barthes: li-os simultaneamente. Por fora, tenho (re)lido insistentemente “O Jogo da Amarelinha”: sinto-me tomado por um devir-Horácio.

Que livros estás a ler?

“Vozes e Visões: panorama da arte e da cultura norte-americanas hoje”, de Rodrigo Garcia Lopes. O livro traz entrevistas com figuras como Allan Ginsberg, William Burroughs, Amiri Baraka e John Ashbery.

Que cinco (5) livros levarias a uma ilha deserta?

“O Jogo da Amarelinha”, porque é um labirinto cheio de portas; “A Paixão Segundo G.H.”, de Clarisse, porque ensina a viver; “Cem anos de solidão”, de Garcia Marques, porque gostaria de passear em Macondo (e porque o nome é sugestivo para uma temporada em uma ilha deserta); “Ficções”, de Jorge Luis Borges, porque Borges é uma ótima companhia para andar na Biblioteca de Babel; e uma boa antologia de poemas de Fernando Pessoa, porque nem precisa justificar essa escolha.

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e por quê?

À Madu, porque isso tem cara de Padaria Espiritual; ao Orlando, porque é “o cara”; e à Stella, porque é sempre bom falar de literatura com ela.

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quarta-feira, maio 11, 2005

UM DIA EXPLODE



Pra muita gente, a teoria do agenda setting está ultrapassada. Eu não acredito nisso. O agenda setting nada mais é do que a capacidade que os mass media têm de pautar o que será discutido no espaço público. Quando trago à baila assuntos como o da Cartilha dos termos “politicamente incorretos”, estou me sujeitando a uma discussão que a mídia considera importante (por motivos os mais variados). Dessas pautas todas que nos são sugeridas, de forma nada sutil, algumas são realmente importantes. A grande maioria, no entanto, faz parte um mecanismo perverso e mantém estreita relação com aquilo que Bourdieu chama de “mentalidade índice de audiência”. Essa lógica do “ipobe” faz com que temas impopulares – mas de fundamental importância – sejam marginalizados pela bigimprensa.

Um caso sintomático foi a cobertura dos assassinatos de moradores de rua em São Paulo, no ano passado, que acabou sendo o mote principal do meu trabalho de conclusão de curso na Faculdade. Na época, a abordagem da Folha de São Paulo (veículo que analisei) não conseguiu dar conta da complexidade do tema. A maioria das matérias sobre o assunto não conseguia perceber as dimensões humanas dos fatos, suas diversas nuances. A ênfase era nas abordagens políticas (ou politiqueiras), no empurra em empurra das autoridades (governo culpando prefeitura e vice-versa). Quando o enfoque não era político, havia apelação: descrições detalhadas dos assassinatos, especulações detetivescas dignas de Conan Doyle ou de filme B. Cobrir bem importava menos do que noticiar para ninguém dizer que não se disse. Afinal de contas, tudo aquilo seria esquecido (foi esquecido), o melhor a fazer era noticiar nas coxas mesmo e, se possível, conseguir audiência. Tratava-se de um assunto que dizia respeito a minorias, a pessoas sobre as quais a classe média brasileira parece não querer saber. Diferentemente dos bandidos (assassinos, seqüestradores, ladrões), os mendigos podem ser perfeitamente ignorados. São nulidades, descartáveis de acordo com a ideologia majoritariamente disseminada por estas bandas.

Hoje, os factóides produzidos em série pelo governo federal têm impedido que muitos assuntos fundamentais sejam discutidos. Na bigimprensa, os olhares já estão voltados para as eleições. Quem será o candidato do PSDB? Qual a popularidade do presidente? Quem fará aliança com quem? E o PFL, terá ou não candidato próprio? Quanta besteira! O jogo político é instigante, mas são poucos os que param para dizer que, seja qual for o governo, pouco mudará na macroestrutura do país. O pulo do gato está na micro-escala – justamente aquela marginalizada.

Fico um pouco chateado ao ter de me sujeitar ao agenda setting para poder promover encontros. O sucesso de uma conversa depende cada vez mais do grau de atualidade que ela possui. A “sociedade da enformação” nos enfia pseudo-notícias goela abaixo, a gente engole tudo inteiro: o mundo hoje é uma grande prisão de ventre. Um dia explode e aí... aí vai ser merda pra todo lado.

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segunda-feira, maio 09, 2005

ABRAÇOS E CINEMA

É boa esta euforia, a de fazer um monte de coisas ao mesmo tempo e ver que a maioria delas está indo muito, mas muito bem mesmo. É bom este dinamismo, este Psico quase outro, infinitamente mais vivo se comparado àquele ser apático de três meses atrás. Acho que troquei os remos por motores potentíssimos. Agora é só manter o ritmo e preparar-se, novamente, para encarnar o Cérebro e “tentar dominar o mundo”.

Abraços para todos!

Calma, calma. Os abraços não são despedidas: são maneiras de compartilhar alegrias. Antes de ir gostaria de falar de cinema, só pra não perder o costume. Apesar da falta de tempo, aluguei neste fim de semana quatro filmes (e ainda não entreguei, obviamente: não deu tempo de assistir a todos). Mas dois, dois deles eu pude assistir: um na sexta, outro hoje.



Na sexta assisti a “Tempos Modernos”. Minhas lembranças infantis eram parcas demais para que eu tivesse uma dimensão do que essa obra significa. Recordar é viver – cinema. Não quero falar aqui do lado crítica social do filme (disso todos estão cansados de saber): quero é falar do que significa Chaplin, quero falar de como o vagabundo evolui na tela, de como se movimenta, de como é musical, de como é harmônico, de como é belo. Quero falar de como Chaplin domina a técnica do cinema, de como o riso vem fácil, de como ele é fundamental para tudo que se entende por comédia no mundo de hoje. Só disso. Só disso que quero falar.



Hoje – hoje assisti a “O Processo” de Orson Welles. Este filme sempre flertou comigo nesses dois anos de cinefilia aguda. Espreitava-me da prateleira e, volta e meia, dava uma piscadinha. Sempre recebeu meu desprezo. Sempre, até sexta-feira passada. Combati meu pânico de ver um gênio destruir outro (vai que o Welles mela a obra de Kafka? Já pensaram no tamanho do pecado?): peguei o filme.

Welles não estragou a obra de Kafka, pelo contrário: captou maravilhosamente a atmosfera do livro. Isso, contudo, não fez com que a obra seguisse o livro ao pé da letra, como uma cartilha. E é aí que está boa parte da genialidade de Welles. O pesadelo kafkiano ganha a velocidade do cinema. No romance, a agonia nasce da lentidão, dos capítulos gigantescos que detalham (sem dizer nada, pois é justamente isso que interessa) a burocracia daquele universo no qual Joseph K. é arremessado ao acordar (da mesma forma que o herói de metamorfose torna-se um inseto ao abrir os olhos numa manhã qualquer, Joseph vê-se tragado por uma engrenagem tão cruel quanto absurda). No filme, a lentidão é substituída pela agilidade: tudo é um grande turbilhão. Passa-se de um estarrecimento a outro num abrir e fechar de portas. A sensação de sufocamento que o romance transmite é expressa no filme por meio de um visual noir, ambientes fechados, claustrofóbicos, se alternam com outros muito amplos, mas igualmente opressores: são portas tão grandes que tornam difícil alcançar a maçaneta; pilastras tão imponentes que miniatutizam o pobre acusado (de que? por quem?). A colocação das câmeras é primorosa. Os personagens que estão ao lado da obscura lei que persegue K. parecem sempre maiores, superiores, poderosos, amedrontadores. K. só cresce diante dos demais acusados, seres há décadas perdidos nos labirintos de seus próprios processos.

Pode ser excesso de especulação, mas creio que Darren Aronofsky bebeu dessa fonte quando gestava a idéia de Pi. A “paranóia delirante” do jovem diretor assemelha-se muito àquela criada pelo por Welles em “O Processo”.

Mas acho que é isso. Espero que dê pra assistir hoje ainda a “Dr. Fantástico”, de Kubrick, e a “O Retorno”, um filme russo até bem recente, dirigido por uma figurinha chamada Andrey Zvyagintsev. Se valer a pena, comento também. Se não, mais abraços.

Inté, povo!

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domingo, maio 08, 2005

TÃO O QUÊ?



Num é que foi mesmo? Todo mundo pensando que não, que nada, que merda, e ela ó! Vazou bonito. Dois anos trabalhando na padaria, amassando pães para o capeta. O outro, marmanjo descarado, galinhando aí mais que não sei quê. O povo comentando – e ela quieta: estrela morta há anos luz. As amigas, as amigas sabiam! Contar pra quê? Em briga de marido e mulher...

E ele? Quando soube da notícia, dizem – dizem que chorou. Os mais próximos dizem – dizem que foi triste. Chegava dá em dó. Deus não mata, mas achata!, diziam. Ô, povo! Pimenta nos olhos, um refresco.

Da estrela, poucas notícias – e algumas lendas. Uns dizem que fugiu pro Mato Grosso com um cliente da padaria. Fazendeiro dos mais mais. Mais de dez mil cabeças! Outros? Outros dizem que caiu no mundo, virou mulher da vida. Maldade! Ô, povo! Logo ela, tão assim, tão hermética! Tão o quê? Tão na dela, tão introspectiva! Tão o quê?

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quinta-feira, maio 05, 2005

A HANSENÍASE NÃO ACABOU COM A LEPRA




Ninguém – absolutamente ninguém – que se interesse minimamente pelo estudo da linguagem seria capaz de negar que toda língua traz em si altas doses de preconceito. São expressões que refletem processos históricos, como o imperialismo, o colonialismo, a belicosidade; expressões que refletem posturas – hoje apropriadamente questionáveis, outrora compreensíveis – incompatíveis com uma sociedade que se diz multicultural e civilizada (embora civilização, é bem verdade, não signifique, necessariamente, uma coisa boa). Sexismo, racismo, homofobia, xenofobia: tudo vaza na linguagem.

Saber que a língua assimila as mazelas da humanidade e diz do que somos – mesmo quando não quer – é um sinal de avanço(1). Depois de séculos de ignorância – de sujeição ao fascismo da língua, como diria Barthes – conseguimos lançar sobre ela um olhar crítico, conseguimos brigar, lutar com a linguagem, para – quem sabe? – tirar dela seu melhor.

Bom, saber que a língua é quase que naturalmente preconceituosa é algo positivo. É bom ter a consciência de que quando escrevo “positivo” ou “bom”, por exemplo, remeto a uma concepção de bem e mal, aos dualismos. Mas mais do que isso, é interessante saber que nem todos estão preparados para combater a linguagem. Nem todos dispõem dos armamentos necessários. Nem todos são capazes de dominá-la, subvertendo a ordem natural das coisas.

Falo de tudo isso para dizer que de certa cartilha preparada pelo governo com uma lista das expressões “politicamente incorretas”. A famigerada cartilha, criticada acertadamente por vários setores da distinta sociedade brasileira(2), parte de uma percepção interessante acerca da linguagem – de que ela carrega preconceitos – para levar ao grau máximo um outro aspecto da língua para o qual essa mesma capacidade perceptiva deveria atentar: o fascismo da linguagem. Quando o governo tenta proibir – ou, no mínimo, reprimir – certas expressões, ele não faz nada mais do que cobrir o sol com a peneira, obrigando-nos a “dizer de outra maneira”. Um dos meios de se subverter a linguagem é inventar linguagem, reinventar a própria língua. Certas expressões, por mais pejorativas que sejam, dizem também de uma capacidade que os seres falantes – e escreventes – têm: a de criar novas saídas, novas rachaduras por meio das quais é possível escapar ao que da linguagem é imposição.

Não duvido das boas intenções dos organizadores da Cartilha. Um fato que muitos têm esquecido na hora de tripudiar da dita cuja é que ela é direcionada a policiais, professores e – opa! – jornalistas. Concordo que esses profissionais devem estar mais atentos para os usos que fazem da linguagem, pois exercem um papel importante na sociedade, são “formadores de opinião”, ajudam a disseminar conceitos e pontos de vista numa escala muito maior e mais complexa do que aquela representada pelo cidadão comum. Esse atenuante, contudo, não impede que ampliemos o debate. Cabe apenas evitar superficialidades, pois este é um tema delicado demais para ser tratado levianamente. A falta de tato e a precipitação de muitos setores do governo têm deixado brechas pra que esse tipo de mal estar, como o gerado pela cartilha, se instale. Essas tais cartilhas sempre assumem um caráter doutrinário e denunciam a verticalidade excessiva do estado. Essa discussão acerca dos preconceitos da lingua precisa ser matizada. Nela, nem tudo é "preto no branco".

Vetar expressões como “negro”, “banquelo”, “viado”, “palhaço” e “bicha” não resolve problema algum. É o mesmo que chamar lepra de hanseníase. A lepra não deixou de existir só porque mudou de nome: ainda é uma doença terrível, ainda mata. Da mesma forma, o preconceito continuará presente, mesmo que negros virem afro-brasileiros e os “viados”, homossexuais. As palavras adequadas não passarão de eufemismos, dependendo de quem as usa e de para quê as usa. Há tantas maneiras de agredir verbalmente sem usar verbos agressivos! Ironia, sarcasmo, insinuação: tudo isso estará à disposição dos preconceituosos que, repito, continuarão existindo, independente do vocabulário.

É importante que nos libertemos do fascismo da linguagem. E limitar ainda mais o léxico disponível não é a melhor maneira de se fazer isso. Assim como a substituir vocábulos não muda comportamentos historicamente construídos.

(1) Quando uso a palavra avanço neste contexto, remeto a uma idéia de progresso como algo desejável.

(2) A palavra distinta, apresenta aqui um alto grau de ironia, uma das armas da qual dispomos para lutar contra o fascismo lingüístico.

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quarta-feira, maio 04, 2005

JORNALISMO E NOVAS TECNOLOGIAS: ALGUNS CAROÇOS



O Observatório da Imprensa da semana passada trouxe uma série de matérias sobre a atual crise na imprensa escrita mundial. O mote para a maioria dos textos foi um discurso feito na semana passada pelo magnata da imprensa norte-americana, Rupert Murdoch. Ele apresentou dados sobre a diminuição do número de leitores de diários nos EUA: a redução é, em média, de 4% ao ano.

Para quem acompanha o desenvolvimento do jornalismo nas últimas décadas, a preocupação de Murdoch não é novidade. O próprio Observatório da Imprensa acumula, ano após ano, dúzias de matérias sobre a “crise da imprensa”. A grande questão é que agora os “especialistas” estabeleceram um prazo para a extinção do newspaper: 2040.

“Intitulado Abandoning the News (Abandonando as notícias), o trabalho escrito por Merril Brown, editor do MSNBC.com, aponta que apenas 19% dos americanos entre 18 e 34 anos lêem jornais diariamente, contra 12% que não os lêem nunca. Em contraste, 44% deles buscam notícias na internet e 37% acompanham noticiários televisivos regionais. O dado mais surpreendente foi que os entrevistados dessa faixa etária, em geral, disseram considerar os diários tão confiáveis quanto a internet”.

A mesma edição do Observatório da Imprensa que destaca o discurso alarmista de Murdoch, retoma um assunto repisado pelos jornais na semana anterior: o Podcasting, neologismo originado da junção das palavras “Pod (proveniente do iPod, o MP3 Player mais vendido no mundo) com broadcasting (transmissão de rádio ou TV)”. Eliminando o jargão informático, trata-se do seguinte: a possibilidade de qualquer pessoa (com um micro razoável e um microfone) criar seu próprio programa de rádio e disponibilizá-lo na Internet para que qualquer pessoa com um Player de MP3 possa baixá-lo e ouvi-lo onde e quando quiser: uma revolução para o rádio comparada àquela que os blogues significaram para o jornalismo.

Isso que acontece agora com o rádio já pode ser estendido às TVs, com a única diferença o equipamento necessário para trabalhar com vídeo ainda é caro (para a “realidade brasileira”, muito caro).

O que essa revolução toda significa? Como ela interfere na vida das pessoas, na Indústria Cultural, na economia dos países, na web? Difícil responder ao certo. Até porque quando o assunto é tecnologia, o melhor a fazer é controlar a veia profética: a rapidez das mudanças é capaz de derrubar qualquer previsão.

Contudo, o que se pode fazer é pinçar desse angu alguns caroços e ver o que eles têm a dizer. Numa análise (superficial) dos dados acerca do “leitorado” do jornalismo hoje, percebe-se que a Internet ocupa um espaço cada vez maior na transmissão de material noticioso. Teórica e aparentemente, os monopólios da comunicação perdem com isso.

Se pensarmos, no entanto, a péssima qualidade de muito do material que circula na Web (isso aliado à falta de critérios confiáveis por parte dos leitores na hora de separar joio de trigo na rede mundial), cabe a pergunta: até que ponto nós ganhamos com a extinção das grandes empresas de comunicação?

Os mais radicais devem estar se perguntando: será que esse cara está tentando defender as “megacorporações” da mídia? Não. Longe disso. O que este cara aqui está querendo dizer é que apesar de todo mal encarnado pela bigimprensa e pelos mass media em geral, há pontos positivos nessa suruba toda.

“Por exemplo, um exemplo”, como diria um ex-professor meu: há certos tipos de matérias (particularmente as de cunho investigativo) que jamais seriam realizadas por, digamos... um blogueiro. Jornalismo investigativo custa caro: é preciso uma boa equipe, uma rede de contatos muito confiável e, além disso, poder para encarar “gente grande” com a certeza de que é possível proteger os jornalistas narigudos (e talentosos). Basta pensar na incapacidade dos pequenos jornais (especialmente os do interior) encontram para tocar em determinados espinheiros e se pode ter uma idéia do que estou tentando dizer.

O mesmo se aplica à Indústria Cultural. Parece cult atacar Hollywood, mas muita gente esquece que se não fossem as “podreiras” caça-níqueis que arrepiam os críticos e empolgam o grande público, o cinema norte-americano jamais teria café-no-bule pra produzir um filme como Kill Bill, por exemplo.

Não creio que a concorrência entre a grande imprensa com os blogues ou dos cineastas com os videomakes vá levar os bigs à falência. No capitalismo tudo é adaptável. É provável que boa parte dessas novas possibilidades tecnologicas sejam assimiladas pelo system, mudando-o de alguma forma (se possível, para melhor). Creio que há chances de caminharmos cada vez mais para uma sociedade aparentemente interativa: extremamente vigiada, repleta de “dispositivos”, mas sempre buscando manter uma aura fictícia de liberdade.

No que diz respeito ao “alternativo” (seja na arte ou nos modos de vida), com um pequeno investimento intelectual e energético, com as novas tecnologias, tona-se mais do que viável construir nichos – se não isentos – menos suscetíveis às estratégias de manipulação e controle. Sou meio cético no que tange aos sonhos revolucionários, às grandes comoções, aos levantes. Acredito, no entanto, que na micro-escala (ou mesmo nos interstícios do que é macro) é possível criar ilhas aprazíveis, mais próximas daquele “mundo melhor” que se crê “possível”.

Todo esse processo nos leva, inevitavelmente, à discussão sobre a exclusão digital, mas assunto que dá muito pano pra manga: fica para uma próxima oportunidade. Por hoje, basta de caroços.

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segunda-feira, maio 02, 2005

SEDAS



É bom ler da galera que passa por aqui. É bom saber que mesmo quando me perco no “mundo dos cheiros” ainda tem gente que deixa no Psicotópicos seus rastros virtuais.

A Bia, por exemplo, uma das minhas leitoras mais caras (e talentosas). A Rosália, que tem o texto leve-leve – como conversa de botequim. O Kleber, antes Zé, o outro, essa figura rara pela qual nutro uma admiração exacerbada (além de lhe ser muito grato por ter me ensinado o valor das linhas de fuga). A Maria Tereza, mulher das tramas complicadas e do sentimento à flor da pele. Tantos interlocutores, tantos comentaristas: fragmentos que dão a este espaço boa parte dos sentidos que ele produz. Obrigado, povo.


Sedas rasgadas, vamos ao que há de concreto: tenho na gaveta quatro longos textos para postar aqui. Um deles é promessa antiga: minha crônica sobre Porto Alegre. Os outros dizem de jornalismo, literatura e política. Ah! Tem também uma apelação citacionista: postarei aqui um trecho de O Jogo da Amarelinha que me afetou de uma maneira muito particular.

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