quarta-feira, maio 11, 2005

UM DIA EXPLODE



Pra muita gente, a teoria do agenda setting está ultrapassada. Eu não acredito nisso. O agenda setting nada mais é do que a capacidade que os mass media têm de pautar o que será discutido no espaço público. Quando trago à baila assuntos como o da Cartilha dos termos “politicamente incorretos”, estou me sujeitando a uma discussão que a mídia considera importante (por motivos os mais variados). Dessas pautas todas que nos são sugeridas, de forma nada sutil, algumas são realmente importantes. A grande maioria, no entanto, faz parte um mecanismo perverso e mantém estreita relação com aquilo que Bourdieu chama de “mentalidade índice de audiência”. Essa lógica do “ipobe” faz com que temas impopulares – mas de fundamental importância – sejam marginalizados pela bigimprensa.

Um caso sintomático foi a cobertura dos assassinatos de moradores de rua em São Paulo, no ano passado, que acabou sendo o mote principal do meu trabalho de conclusão de curso na Faculdade. Na época, a abordagem da Folha de São Paulo (veículo que analisei) não conseguiu dar conta da complexidade do tema. A maioria das matérias sobre o assunto não conseguia perceber as dimensões humanas dos fatos, suas diversas nuances. A ênfase era nas abordagens políticas (ou politiqueiras), no empurra em empurra das autoridades (governo culpando prefeitura e vice-versa). Quando o enfoque não era político, havia apelação: descrições detalhadas dos assassinatos, especulações detetivescas dignas de Conan Doyle ou de filme B. Cobrir bem importava menos do que noticiar para ninguém dizer que não se disse. Afinal de contas, tudo aquilo seria esquecido (foi esquecido), o melhor a fazer era noticiar nas coxas mesmo e, se possível, conseguir audiência. Tratava-se de um assunto que dizia respeito a minorias, a pessoas sobre as quais a classe média brasileira parece não querer saber. Diferentemente dos bandidos (assassinos, seqüestradores, ladrões), os mendigos podem ser perfeitamente ignorados. São nulidades, descartáveis de acordo com a ideologia majoritariamente disseminada por estas bandas.

Hoje, os factóides produzidos em série pelo governo federal têm impedido que muitos assuntos fundamentais sejam discutidos. Na bigimprensa, os olhares já estão voltados para as eleições. Quem será o candidato do PSDB? Qual a popularidade do presidente? Quem fará aliança com quem? E o PFL, terá ou não candidato próprio? Quanta besteira! O jogo político é instigante, mas são poucos os que param para dizer que, seja qual for o governo, pouco mudará na macroestrutura do país. O pulo do gato está na micro-escala – justamente aquela marginalizada.

Fico um pouco chateado ao ter de me sujeitar ao agenda setting para poder promover encontros. O sucesso de uma conversa depende cada vez mais do grau de atualidade que ela possui. A “sociedade da enformação” nos enfia pseudo-notícias goela abaixo, a gente engole tudo inteiro: o mundo hoje é uma grande prisão de ventre. Um dia explode e aí... aí vai ser merda pra todo lado.

|