ABRAÇOS E CINEMA
É boa esta euforia, a de fazer um monte de coisas ao mesmo tempo e ver que a maioria delas está indo muito, mas muito bem mesmo. É bom este dinamismo, este Psico quase outro, infinitamente mais vivo se comparado àquele ser apático de três meses atrás. Acho que troquei os remos por motores potentíssimos. Agora é só manter o ritmo e preparar-se, novamente, para encarnar o Cérebro e “tentar dominar o mundo”.
Abraços para todos!
Calma, calma. Os abraços não são despedidas: são maneiras de compartilhar alegrias. Antes de ir gostaria de falar de cinema, só pra não perder o costume. Apesar da falta de tempo, aluguei neste fim de semana quatro filmes (e ainda não entreguei, obviamente: não deu tempo de assistir a todos). Mas dois, dois deles eu pude assistir: um na sexta, outro hoje.
Na sexta assisti a “Tempos Modernos”. Minhas lembranças infantis eram parcas demais para que eu tivesse uma dimensão do que essa obra significa. Recordar é viver – cinema. Não quero falar aqui do lado crítica social do filme (disso todos estão cansados de saber): quero é falar do que significa Chaplin, quero falar de como o vagabundo evolui na tela, de como se movimenta, de como é musical, de como é harmônico, de como é belo. Quero falar de como Chaplin domina a técnica do cinema, de como o riso vem fácil, de como ele é fundamental para tudo que se entende por comédia no mundo de hoje. Só disso. Só disso que quero falar.
Hoje – hoje assisti a “O Processo” de Orson Welles. Este filme sempre flertou comigo nesses dois anos de cinefilia aguda. Espreitava-me da prateleira e, volta e meia, dava uma piscadinha. Sempre recebeu meu desprezo. Sempre, até sexta-feira passada. Combati meu pânico de ver um gênio destruir outro (vai que o Welles mela a obra de Kafka? Já pensaram no tamanho do pecado?): peguei o filme.
Welles não estragou a obra de Kafka, pelo contrário: captou maravilhosamente a atmosfera do livro. Isso, contudo, não fez com que a obra seguisse o livro ao pé da letra, como uma cartilha. E é aí que está boa parte da genialidade de Welles. O pesadelo kafkiano ganha a velocidade do cinema. No romance, a agonia nasce da lentidão, dos capítulos gigantescos que detalham (sem dizer nada, pois é justamente isso que interessa) a burocracia daquele universo no qual Joseph K. é arremessado ao acordar (da mesma forma que o herói de metamorfose torna-se um inseto ao abrir os olhos numa manhã qualquer, Joseph vê-se tragado por uma engrenagem tão cruel quanto absurda). No filme, a lentidão é substituída pela agilidade: tudo é um grande turbilhão. Passa-se de um estarrecimento a outro num abrir e fechar de portas. A sensação de sufocamento que o romance transmite é expressa no filme por meio de um visual noir, ambientes fechados, claustrofóbicos, se alternam com outros muito amplos, mas igualmente opressores: são portas tão grandes que tornam difícil alcançar a maçaneta; pilastras tão imponentes que miniatutizam o pobre acusado (de que? por quem?). A colocação das câmeras é primorosa. Os personagens que estão ao lado da obscura lei que persegue K. parecem sempre maiores, superiores, poderosos, amedrontadores. K. só cresce diante dos demais acusados, seres há décadas perdidos nos labirintos de seus próprios processos.
Pode ser excesso de especulação, mas creio que Darren Aronofsky bebeu dessa fonte quando gestava a idéia de Pi. A “paranóia delirante” do jovem diretor assemelha-se muito àquela criada pelo por Welles em “O Processo”.
Mas acho que é isso. Espero que dê pra assistir hoje ainda a “Dr. Fantástico”, de Kubrick, e a “O Retorno”, um filme russo até bem recente, dirigido por uma figurinha chamada Andrey Zvyagintsev. Se valer a pena, comento também. Se não, mais abraços.
Inté, povo!
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