quarta-feira, maio 04, 2005

JORNALISMO E NOVAS TECNOLOGIAS: ALGUNS CAROÇOS



O Observatório da Imprensa da semana passada trouxe uma série de matérias sobre a atual crise na imprensa escrita mundial. O mote para a maioria dos textos foi um discurso feito na semana passada pelo magnata da imprensa norte-americana, Rupert Murdoch. Ele apresentou dados sobre a diminuição do número de leitores de diários nos EUA: a redução é, em média, de 4% ao ano.

Para quem acompanha o desenvolvimento do jornalismo nas últimas décadas, a preocupação de Murdoch não é novidade. O próprio Observatório da Imprensa acumula, ano após ano, dúzias de matérias sobre a “crise da imprensa”. A grande questão é que agora os “especialistas” estabeleceram um prazo para a extinção do newspaper: 2040.

“Intitulado Abandoning the News (Abandonando as notícias), o trabalho escrito por Merril Brown, editor do MSNBC.com, aponta que apenas 19% dos americanos entre 18 e 34 anos lêem jornais diariamente, contra 12% que não os lêem nunca. Em contraste, 44% deles buscam notícias na internet e 37% acompanham noticiários televisivos regionais. O dado mais surpreendente foi que os entrevistados dessa faixa etária, em geral, disseram considerar os diários tão confiáveis quanto a internet”.

A mesma edição do Observatório da Imprensa que destaca o discurso alarmista de Murdoch, retoma um assunto repisado pelos jornais na semana anterior: o Podcasting, neologismo originado da junção das palavras “Pod (proveniente do iPod, o MP3 Player mais vendido no mundo) com broadcasting (transmissão de rádio ou TV)”. Eliminando o jargão informático, trata-se do seguinte: a possibilidade de qualquer pessoa (com um micro razoável e um microfone) criar seu próprio programa de rádio e disponibilizá-lo na Internet para que qualquer pessoa com um Player de MP3 possa baixá-lo e ouvi-lo onde e quando quiser: uma revolução para o rádio comparada àquela que os blogues significaram para o jornalismo.

Isso que acontece agora com o rádio já pode ser estendido às TVs, com a única diferença o equipamento necessário para trabalhar com vídeo ainda é caro (para a “realidade brasileira”, muito caro).

O que essa revolução toda significa? Como ela interfere na vida das pessoas, na Indústria Cultural, na economia dos países, na web? Difícil responder ao certo. Até porque quando o assunto é tecnologia, o melhor a fazer é controlar a veia profética: a rapidez das mudanças é capaz de derrubar qualquer previsão.

Contudo, o que se pode fazer é pinçar desse angu alguns caroços e ver o que eles têm a dizer. Numa análise (superficial) dos dados acerca do “leitorado” do jornalismo hoje, percebe-se que a Internet ocupa um espaço cada vez maior na transmissão de material noticioso. Teórica e aparentemente, os monopólios da comunicação perdem com isso.

Se pensarmos, no entanto, a péssima qualidade de muito do material que circula na Web (isso aliado à falta de critérios confiáveis por parte dos leitores na hora de separar joio de trigo na rede mundial), cabe a pergunta: até que ponto nós ganhamos com a extinção das grandes empresas de comunicação?

Os mais radicais devem estar se perguntando: será que esse cara está tentando defender as “megacorporações” da mídia? Não. Longe disso. O que este cara aqui está querendo dizer é que apesar de todo mal encarnado pela bigimprensa e pelos mass media em geral, há pontos positivos nessa suruba toda.

“Por exemplo, um exemplo”, como diria um ex-professor meu: há certos tipos de matérias (particularmente as de cunho investigativo) que jamais seriam realizadas por, digamos... um blogueiro. Jornalismo investigativo custa caro: é preciso uma boa equipe, uma rede de contatos muito confiável e, além disso, poder para encarar “gente grande” com a certeza de que é possível proteger os jornalistas narigudos (e talentosos). Basta pensar na incapacidade dos pequenos jornais (especialmente os do interior) encontram para tocar em determinados espinheiros e se pode ter uma idéia do que estou tentando dizer.

O mesmo se aplica à Indústria Cultural. Parece cult atacar Hollywood, mas muita gente esquece que se não fossem as “podreiras” caça-níqueis que arrepiam os críticos e empolgam o grande público, o cinema norte-americano jamais teria café-no-bule pra produzir um filme como Kill Bill, por exemplo.

Não creio que a concorrência entre a grande imprensa com os blogues ou dos cineastas com os videomakes vá levar os bigs à falência. No capitalismo tudo é adaptável. É provável que boa parte dessas novas possibilidades tecnologicas sejam assimiladas pelo system, mudando-o de alguma forma (se possível, para melhor). Creio que há chances de caminharmos cada vez mais para uma sociedade aparentemente interativa: extremamente vigiada, repleta de “dispositivos”, mas sempre buscando manter uma aura fictícia de liberdade.

No que diz respeito ao “alternativo” (seja na arte ou nos modos de vida), com um pequeno investimento intelectual e energético, com as novas tecnologias, tona-se mais do que viável construir nichos – se não isentos – menos suscetíveis às estratégias de manipulação e controle. Sou meio cético no que tange aos sonhos revolucionários, às grandes comoções, aos levantes. Acredito, no entanto, que na micro-escala (ou mesmo nos interstícios do que é macro) é possível criar ilhas aprazíveis, mais próximas daquele “mundo melhor” que se crê “possível”.

Todo esse processo nos leva, inevitavelmente, à discussão sobre a exclusão digital, mas assunto que dá muito pano pra manga: fica para uma próxima oportunidade. Por hoje, basta de caroços.

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