segunda-feira, fevereiro 28, 2005

MAIS DE UMA HORA



Uma hora. Uma hora rodando à toa e tentando entender.
Idiota. Esse tipo de coisa não se desfaz desse jeito.
E como? Como desfazer?
Pulando de cabeça, deixando fluir.
Engraçado. Eu sempre quis aprender a surfar, sabia?
???
Ficava de tarde ali naquela praia, como é mesmo o nome?
Praia do Riacho.
Praia do Riacho! Ficava ali só admirando as ondas. Em dia de ressaca chapava de surfistas, mas nesses dias eu não ia. Inveja, sei lá. Preferia construir as minhas manobras na cabeça. Evoluir, quebrar a onda, pegar o tubo uh-huuuuuuuu!!! Tudo sozinho!
Você sempre preferiu ficar sonhando, isso sim. Aprender a surfar, tá bom... Conta outra, cara. Você é covarde demais pra esse tipo de coisa.
Eu sei, eu sei. Por isso não gostava dos surfistas, só das ondas. Eles eram uma afronta, entende? Preferia ondas vazias: páginas em branco.
Poeta. Você pensa que é poeta! Nunca escreveu uma linha e pensa que é poeta!
Putz, será que um homem não tem mais o direito de pensar a si mesmo, caralho?
Não. E chega dessa conversa. Vamos embora daqui. Você disse que queria desabafar e não tá falando nada com nada.
...
Tô com fome, preciso comer alguma coisa.
Assusta quando fico assim, né?
...
Você não sabe ouvir, alguém já disse isso a você?
...
...
...
Mais de uma hora andando à toa. Mais de uma hora!...

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domingo, fevereiro 27, 2005

TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS



Quero os parabéns de vocês. Explico: hoje eu e Carissa estamos fazendo um ano de namoro. Eu sei, eu sei: parece besteira. Mas não é. Pra mim é uma vitória ficar um ano ao lado de uma pessoa e continuar amando-a tanto... continuar admirando cada uma de suas qualidades e achando engraçadinhos cada um de seus defeitos.

Pensar que ainda estamos juntos é algo que me deixa muito feliz. Pensar que ela foi um sonho concretizado (sem me conhecer direito, ela foi meu projeto de vida por mais de seis meses). De repente, de uma forma que eu não esperava, as coisas aconteceram. E continuam acontecendo até hoje.

Carissa, cê vai ler isto, linda. No momento, só quero te dizer que continuo a te amar absurdamente, que o dia de hoje foi maravilhoso e que é maravilhoso tê-la em minha vida.

Sei que isso tudo tem um quê de ridículo, mas... como diria o Pessoa, todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas...

So... here I am, pagando meu mico pra dizer que TE AMO adolescentemente, como da primeira vez.

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quarta-feira, fevereiro 23, 2005

A FRASE DO ANO



É evidente que a sociedade quer. Ela está aceitando.
Severino Cavalcanti, sobre o aumento do salário dos deputados

Quando Vilas-Bôas Corrêa, colunista do No Mínino decreta a frase acima como a frase do ano, em pleno mês de fevereiro, consegue acertar na mosca. A frase de Severino diz muito e se presta às ressemantizações.

Pratiquemos aqui um desconstrucionismo pseudo-derrideano por um momento, pra destrinchar um pouquinho a frase do ilustre deputado – tudo em nome da ciência, como as reportagens do Fantástico.

Acompanhem-me: o primeiro passo é buscar as referências do sujeito em questão. Está claro que a fonte de inspiração de Severino, ainda que inconscientemente, é o famoso ditado popular que diz: “Quem cala, consente”. Se trouxermos à baila o título de um conhecido livro de Baudrillard -- a saber, À sombra das maiorias silenciosas – fica evidente que se as maiorias são silenciosas na França, no Brasil elas são mudas. Ergo, a sociedade quer tanto um incêndio no congresso quanto o aumento do salário dos deputados, afinal de contas: se é muda, está sempre calada; se está sempre calada, sempre consente ou, nas palavras de Severino, aceita.

Continuemos no encalço da lógica cartesiana de Severino.

Levando-se em consideração que na história brasileira foram poucos os momentos em que a sociedade disse alguma coisa pra contestar as decisões dos governantes, podemos dizer que o brasileiro SEMPRE TEVE TUDO QUE QUIS. Ergo, isso explica a alegria carnavalesca de nosso povo!

Viram como é simples? Agora, graças ao Severino, o povo brasileiro já sabe que não tem do que reclamar! Que vive no melhor lugar do mundo, pois aqui não tem terremoto, furacão, ciclone...

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terça-feira, fevereiro 22, 2005

COLAGEM/PILHAGEM/MENSAGEM

POEMA SEM TÍTULO
(Orlando Lopes)

você
que cansou
de se perguntar
quem é

decidiste que
chegou a
hora
de ser

:

aceitaste
a vertigem
do mundo

e as suas
estranhas
maneiras
de ser

(o mundo não
pode mais
fugir de ti

e nem tu
podes mais fugir
dele)

(você
não parou
de sofrer

mas hoje
sabes
não haver
motivos

para recusar
a imensa
e delicadíssima
dor de viver

:

sentes dores
de todo tipo
– as tuas
as dos outros
as do mundo
inteiro –
mas não mais
te dilaceras
com isso

o excedente
das dores
– este é o teu
siso – aprendeste
a moer
com palavras

e só por isso
sabes que pode
suportar
o prazer
– quase dor –
de estar vivo)

:

você
que passou
desta
para melhor

(aprendeste a
morrer
e a ressuscitar
quase todos
os dias)

não tens
outro remédio
senão
olhar o mundo
no fundo do olho

não tens
outro remédio
senão
evicerar-se (evanecer-se
como Prometeu)
e espremer (aspergir)
tua bile
:
você
totalmente
transformado
em calcanhar
de Aquiles

(Indústria Textil)

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terça-feira, fevereiro 15, 2005

ADÃO E EVA



Li, já faz um tempinho, um alerta do Sérgio Paulo Rouanet na Folha de São Paulo, sobre uma espécie de retorno do recalcado na civilização contemporânea. O recalcado, aqui, seria o Deus morto pelos iluministas (e cremado por Nietzsche).

Apesar de psicanalítico demais pro meu gosto, Rouanet aponta para elementos interessantes na constituição do contemporâneo, como o papel da religião.

Pra quem pensa que a questão passa apenas pelos fundamentalistas islâmicos, uma aviso: o buraco é mais embaixo. No artigo, Rouanet alerta para um movimento, que começou nos EUA mas já faz eco por aqui, que defende a volta do ensino da teoria criacionista (Adão e Eva) em detrimento da teoria evolucionista nas escolas.

Acredito que, em maior ou menor grau, todo mundo é fruto de seu próprio tempo. Querendo ou não, é preciso acompanhar com mais cuidado (e menos desprezo) a expansão das religiões evangélicas no Brasil (entre outros fenômenos). Que os iluministas embolaram o meio de campo da história, todos sabem. Mas e agora, o que fazer? Acelerar o processo de tribalização do mundo, criando o gueto dos adoradores de jazz, a tribo dos amantes de Baudelaire, a trupe dos fissurados em Osu?

Se algumas previsões se confirmarem (e muitas estão se confirmando), em breve “inteligência” e “cultura/erudição” serão anomalias úteis apenas à já conhecida prática da “masturbação intelectual”.

Já estou meio cansado de falar isso aqui, mas pra mim o único caminho é abrir portas, em vez de fecha-las. É preciso criar espaços culturais mais interessantes (e menos dispendiosos) do que aqueles oferecidos pelas igrejas evangélicas. E não é briga com Deus, não. É briga conta a cretinice, contra a imbecilidade que sufoca o humano.

E é isso.

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quinta-feira, fevereiro 10, 2005

VOLTEI (MAIS OU MENOS)

Sumi no carnaval. Alguém percebeu?

Pois é. Sumi e não me arrependo. Não fiz folia. Só namorei e assisti dúzias de DVDs. Alguns bons. Outros, nem tanto. Normal. O mel e o fel. Pois é, pois é. Texto destituído de sentido é sempre bom para voltar a escrever.

De notícia boa (não-tão-umbiguista), só o lançamento do Cuspe, nosso fanzine desterritorializado, que saiu na quinta-feira (dia 3 de fevereiro). Acho que pra começo de cuspida, ficou bem legal. Se você conhece alguém, que conhece alguém, que conhece alguém que foi contaminado, tente dar uma olhada no zine e diz aí o que achou. Ou espera o próximo número e diz se estamos melhorando.

Abraços. E um poeminha cometido em homenagem à Adriana Calcanhoto. Ela nunca saberá, provavelmente, mas suas músicas têm efeitos interessantíssimos sobre mim.

É isso. Isso é.


BOCA
Para Adriana Calcanhoto

Nas palarvas que saem de sua boca
a língua, rejuvenescida, ganha asas
e borboleteia pela sala.

(Sonhos musicados:
“versos que escrevo
depois rasgo”).

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