sábado, junho 25, 2005

DESCLASSIFICADOS



MODESTO

Jornalista recém-formado (bom caráter, gente fina, bonito, gostoso e modesto) procura emprego em Vitória e adjacências. Ótima experiência. Uma dose de cara-de-pau (com dois cubos de gelo) e uma porção de saco-cheio. Salário pretendido: o suficiente pro aluguel, pro rango e pra cachaça.

PSICÓTICO

Jornalista recém-formado – puto da vida, revoltado, fulo mesmo – procura emprego em Vitória porque Guarapari já torrou o saco e, antes que alguém perca a cabeça e resolva dinamitar esta porra, é melhor sair daqui.

MENDICANTE

Jornalista recém-formado percura um impreguim. Podi sê em quarqué lugá, seu moço! Num quero incomodá não, longi di mim! Sei qui o sinhô devi di sê muito ocupado, devi di sê difíçu cuidá di patrimonho tão enormi do grandi, Deus mi livre di desejá tamanha graça! Quero mesmo é um empreguim quarqué, mó di qui dê pra alimentá meus mininu – são treis, seu dotô, o mais véio vai fazê catro anu meis qui vém... aí o sinhô já viu, logo vai tá cumenu pelos otros dois tudo. Então, seu dotô, mó di quê eu dizia qui si o sinhô mi arranjá um impreguim, Deus qui lhi abençoe, seu moço! Pode ser em quarqué lugá, viu? Se for na tar de Vitória, mió, mais si num dé, nóis vai pra quarqué lugá. Mó di qui, seu moço...

MEGALOMANÍACO

Jornalista recém-formado, digno de New York Times, CNN, Folha de São Paulo e Rede Globo aceita propostas de emprego para os cargos de editor-chefe ou correspondente Internacional (Londres, Madrid ou Nova York) em jornais de grande porte. Todas as propostas acima de 30 mil (Euros) serão analisadas. Ligue agora, promoção por tempo limitado.

ESPORTIVO

Jornalista refém-formado pedaaaaaaaaaaaala mais que o Rrrrrrobiiiiiiiiinho pra conseguir uma vaga de repórter esportivo em Vitóóóóóóóóória! Num patrocínio de Psicotópicos, sua leitura obrigatória, um aviiiiiiiso aos navegantes! Desempregado no ataque, formação política avança pela esquerda, especialização abrindo na ponta, cruzando boas leituras, empregador fecha de caaaaaaaaara... empregoooooooooooooool!

DESCOLADO

Jornalista recém-formado, saudável, bonito, sarado, bom dote procura loira natural, boca carnuda e coxas grossas em Vitória e região. Se não tiver, serve emprego mesmo. Cartas, só com foto e fone. E-mails para johnholmesgri@comilão.comorgulho.

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quinta-feira, junho 23, 2005

BATMAN: REMASCULINIZADO



Acho que não precisa ser fã de Batman para desprezar com todas as forças o direcionamento que Joel Schumacher deu aos dois últimos filmes da série, não é? Aquela mistura de Embalos de Sábado à Noite e Priscila, a Rainha do Deserto era acintosamente ridícula.

Até duas horas atrás, acreditava que tudo se perdera. Batman seria pra sempre um super-herói fadado às piadinhas homofóbicas: um riquinho babaca cheio de brinquedinhos de nomes engraçados.

Pois é. Isso até duas horas atrás.

Acabei de sair do cinema, onde assisti à versão de Christopher Nolan (Amnésia, lembram?) para surgimento do homem morcego. Sob risco de produzir uma crítica impressionista, digo: Nolan não somente “resgatou a dignidade de Batman” como conseguiu, com a ajuda de um excelente elenco e um cuidado especial com a produção, fazer algo surpreendente: superar as versões de Tim Burton para o primeiro filme da série.

Acredito que alguns fatores favoreceram Nolan. O primeiro deles foi Christian Bale. O Psicopata Americano está impecável no papel de Bruce Wayne (e derivados). Pela primeira vez na história da série não precisei controlar o riso quando Batman surgia em cena precisando fazer cara de mau, de alguém “envenenado” pela raiva e pelo “desejo insaciável de vingança”. Sim, Bale assusta. Vulgarmente falando, interpretado por ele, podemos dizer que: “o cara tem moral”.

E por falar em moral, a construção da moral do super-herói pelo filme se dá de maneira muito interessante. Pode-se perceber o sombrio guardião de Gothan como alguém que se equilibra, delicada ou estabanadamente, entre o bem e o mal. Batman vive na fronteira. Pra que o morcego não dê vazão ao seu lado psicótico e saia matando a torto e a direito, as figuras de Alfred – que finalmente teve ênfase adequada e um interprete à altura de Michael Caine – e Rachel Dawes – que surpreendentemente, levando-se em consideração a delicadeza da atriz que a interpreta, Katie Holmes, é um personagem forte, fundamental para a história. Alfred e Dawes são os únicos seres vivos capazes de catalisar os poucos vestígios de afeto que restaram no traumatizado e rebelde coração de Bruce Wayne.

Já que estamos falando dos personagens de Batman Begins, não dá pra deixar de destacar o trabalho do jovem Cillian Murphy, como o espantalho. Embora seja relativamente mal aproveitado a partir do momento em que Ra's al Ghul, personagem de Liam Neeson, reaparece no filme, o espantalho, favorecido pela atmosfera bad trip que o filme ganha quando a droga (poderosa, sinistra, pra Timothy Leary nenhum botar defeito) entra em cena, consegue ser bem assustador. Sem a droga, Cillian Murphy dá ao espantalho um ar arrogante e blasé de fazer inveja ao personagem Balthasar, de Constantine, (mal) vivido na telona pelo roqueiro Gavin Rossdale, do Bush (o marido sortudo da Gwen Stefani, a loura sexy da banda No Doubt).



Do trio Liam Neeson, Morgan Freeman e Gary Oldman não há muito que falar. São três atores, a meu ver, sempre eficazes: jamais estragam um filme. Dos três, destaco a interpretação de Liam Neeson. Não porque seja magistral, mas porque, como vilão, ele me fez lembrar de Darkman, vingança sem rosto, filme de Ram Raimi (Homem-aranha), lançado nos anos 90 e protagonizado por Neeson. Darkman, como Ra's al Ghul, tinha um quê de contradição em seus atos. O lado mestre do vilão de Batman Begins, curiosamente, também me remeteu a outro personagem de Liam Neeson, este bem mais recente. Falo do mestre de Obi-Wan Kenobi no Episódio I de Star Wars, Qui-Gon Jinn. A impressão que ficou é a de que Neeson só precisou carregar no dark side de Jinn para viver um bom al Ghul (as demais semelhanças ficaram por conta dos nomes complicados).



Antes do lançamento de Batman Begins, falou-se muito na produção do filme e, sobretudo, no carro/tanque do Batman. Chamem-me de purista, mas sinceramente: um chega pra lá na computação gráfica de vez em quando é bom. Assim como o tanque, todos os “brinquedinhos” do filme recebem a devida atenção: o visual não destoa da atmosfera criada para a história. São brinquedos de macho, dignos do Batman espada que se quis mostrar.

Por falar em espada, a idéia de explicar as habilidades de Batman situando seu treinamento entre ninjas alucinados no topo de uma montanha gelada não poderia ser melhor. A vida toda me perguntei: de onde um playboyzinho como o Bruce Wayne tirara tamanha força e destreza? Não eram só os “brinquedinhos”, tinha certeza. Afinal, por trás deles sempre houve um Batman durão (à exceção das versões drag queen do Joel Schumacher, é claro). O novo filme tira essas dúvidas, torna o super-herói mais verossímil, pé-no-chão mesmo voando. (Se é que verossimilhança interessa quando o assunto é HQ. Absolutamente leigo no assunto, gostei).



Antes de falar do que me agradou na direção de Nolan, vale a pena reforçar um aspecto do filme que me pareceu central: a remasculinização do Batman. A escolha do Bale foi fundamental nessa estratégia de salvamento do morcego que, agora, podemos novamente chamar de homem. Quem viu Psicopata Americano sabe o quanto Bale pode ser debochado, irônico e mau numa tela de cinema. O novo Batman (que na verdade é o velho Batman, entendem?) ganha muito com as doses de testosterona que Bale aplica no personagem.



Quanto à direção, o principal destaque é a atmosfera que Nolan consegue criar. O filme é sombrio na medida certa. Tim Burton conseguira isso, mas de um modo muito particular. O universo de Burton é sombrio e lúdico ao mesmo tempo. O de Nolan é sombrio e visceral. Em Batman Begins é possível sentir com os personagens de forma mais intensa, mergulhar no filme e vivenciar um pouco do clima de medo e pavor que o atravessa. O ritmo que o diretor impõe é outro ponto importante. Nolan alterna os momentos de euforia e relaxamento de maneira sutil, trabalhando de forma que a tensão esteja sempre presente. O filme prende a atenção sem precisar cair na correria frenética para a qual os três filmes anteriores descambavam (sim, os três: acho que Batman Returns comete o mesmo erro – embora com mais elegância – que os dois últimos).

Até o ano passado, toda vez que tentava estabelecer um ranking (listas à lá Alta Fidelidade) das Melhores Adaptações de Quadrinhos para o Cinema, ficava com Homem-aranha 2, em primeiro, e Hulk, em segundo, no topo da lista. Vou pensar com carinho sobre o assunto, mas é bem possível que as coisas mudem bastante. Até porque, como se não bastasse a agradável surpresa de Batman Begins, Sin City vem aí!

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quarta-feira, junho 22, 2005

CAMPANHA

O melhor atacante do Brasil no penúltimo jogo da seleção na Copa das Confederações foi...

SUSPENSE...
SUSPENSE...
SUSPENSE...
SUSPENSE...
SUSPENSE...
SUSPENSE...
SUSPENSE...
SUSPENSE...
...
...
...
...
...
SUSPENSE AINDA...
...
...
...
...
...
...



... isso mesmo, o Lúcio!

(ESTADO DE CHOQUE

INDIGNAÇÃO

RISO NERVOSO

BABA NO CANTO DA BOCA...)

Se o zagueiro mais zarro (embora sempre bem disposto, não sejamos cruéis) das últimas décadas foi o melhor jogador do ATAQUE da seleção, algo me diz que o time anda...

... sem sobra (sobra mesmo) de dúvidas...

... MAL DAS PERNAS.

Mas esqueçamos os cucarachas (se a cartilha me pega!), pensemos nos kamikazes.

Tá certo que os japas têm o Zico que, do banco, joga mais do que todos os “melhores do mundo” do Parreira JUNTOS!

Mas, convenhamos:

o negócio do japão é Karatê e miniatura, não futebol (se a cartilha me pega!)!!!

Se o Brasil, que não consegue ganhar do Japão, ainda é considerado o melhor do mundo pela FIFA...

... (acompanhem o raciocínio, vamos lá)....

... ENTÃO EU QUERO O GRÊMIO NA PRIMEIRA DIVISÃO!!!

Sim! Sim! O Grêmio!!!

Todos os perebas!

Liderados por...



... Somália

... que ostentará a braçadeira de capitão (se o Roque Júnior pode, qual o problema?)!!!

O Psicotópicos lança hoje, oficialmente, a campanha:

SE O BRASIL NÃO GANHA DO JAPÃO
É A VEZ DO GRÊMIO NA PRIMEIRA DIVISÃO


Compre já seu adesivo, sua camiseta, seu chaveirinho! Participe da campanha:

SE O BRASIL NÃO GANHA DO JAPÃO
É A VEZ DO GRÊMIO NA PRIMEIRA DIVISÃO


Os primeiros a comentar ganham ainda um pôster do Somália autografado e concorrem a um pacote completo para assistir a todos – eu disse TODOS – os jogos do Grêmio na TERCEIRA DIVISÃO no ano que vem (caso a campanha fracasse, claro)...

... incluindo os clássicos contra o IBIS, o 14 de Outubro de Pindamonhangaba e o Moto Clube Atlético de Giruá!!!

E não é só isso

Para assistir aos jogos do Tricolor, o ganhador do concurso terá a companhia do



Jatobá

... e de sua banda cover do Roberto Carlos!

“Estou guardando o que há de bom em mim”

Acha pouco? Então preste atenção no que eu vou dizer agora:

Além do Jatobá e sua banda, o sortudo levará pra casa a coleção completa – EU DISSE COMPLETA – de DVDs dos comerciais das CASAS BAHIA, com seu cativante garoto propaganda



“Qué pagá quanto?!”

Não perca esta oportunidade

SE O BRASIL NÃO GANHA DO JAPÃO
É A VEZ DO GRÊMIO NA PRIMEIRA DIVISÃO


E fique ligado!

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CONTOS DA CRIPTA LITERÁRIA


Só pra todo mundo se perguntar: o que a foto tem a ver com as calças, digo, com o texto?

A literatura se curva ante o próprio peso. Corcunda, fita o próprio umbigo, inebriada. Escreve palavras que – aos mortais, aos simplórios, aos viventes – não fazem os sentidos sentirem. Entre o bom e o mau-viver, os silêncios: vagalhões verborrágicos de mudez. A letra, morta, rest in peace nas entrelinhas. As língua, presa, definha, (con)funde-se (funda-se?), metamorfoseia-se em formas as mais bizarras, caminhos os mais inóspitos: é o polimorfismo da dexistência. Sem elo, sem halo – vira mero falatório. Sete vezes sete renascimentos e um funeral: velório regado a cachaça, cerveja, petiscos (queijos? vinhos?) e uísque doze anos. O cadáver, no desconfortável caixão das entrelinhas, apodrece e fede, fede.

(A encenação dá-se em outros palcos – o horror, o horror: questão de misé- en-scène. Tudo sob controle, holofotes bem colocados, luz na medida certa que é pra não queimar o filme. Marcações. As marcações são fundamentais: ninguém pode improvisar, sob risco de ser cortado, fatiado, destemperado e servido aos porcos. A platéia é numerada: gourmets à espera do prato principal – que nunca, nunca, nunca virá).

A alma da literatura – ao contrário de seu corpus – vagueia no limbo, como todo espírito errante. Volta e meia, passeia entre nós, sendo incorporada aqui e ali. Nessas oportunidades, geralmente é recebida com reservas, sob o signo do sobrenatural. Aos sensitivos, costuma aparecer em (re)visões ou em sonhos. Nessas aparições – dizem – fala muito, como estivesse há séculos em busca de um ouvinte atencioso. Depois desaparece, esfumaça-se, não sem antes pedir silêncio: “Pra não despertar os mortos ou – pior – perturbar o sono dos deuses”.

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segunda-feira, junho 20, 2005

HOJE?



Hoje pensei em falar de política, pensei em falar de amores e rimas possíveis (quis desejar o impossível). Pensei m falar das pernas, das coxas, do decote: pensei em ser despudorado. Pensei em falar de pessoas, de domingos, de atropelamentos. Pensei em repensar a vida.

Cansei, resolvi parar de pensar – e continuei pensando...

... pensei em fazer cartografias, um desenho de mim pra colocar sobre a mesa e traçar planos de guerra, só para – um dia, quem sabe? – “ser coroado rei de mim”, descobrir de onde vem e para onde vai a calma (já que a alma, perdida e inquieta, explode em todas as direções).

Hoje pensei em parágrafos, em redemunhos, em horrores. Hoje vi o tempo passar ao meu lado, enquanto cuidava da vida, da lida, do não-lido. Hoje me descobri repetitivo, formando círculos concêntricos. Hoje, resolvi deixar tudo para amanhã.

Amanhã, sim. Amanhã falarei de política, pensarei em amores e rimas possíveis, subverterei o impossível e beberei direto da vida – as mãos em conchas...

Sim, amanhã. Hoje, não...

Hoje estou cansado. Cansado de buscar originalidades, explicações ou sentidos. Cansado dos outros, do inferno, do existencialismo, da farsa nossa de cada dia. Hoje, decepcionado, sou todo cara-de-pau: já não cabem receios ou hesitações. Sou capaz de falar em decepções inexistentes, flertar com o sentimentalismo mais ralo só pra buscar a forma imperfeita (sem jamais encontrar).

Hoje quero lamentar os desencontros só até o próximo plot (quero hollywood: happy end, uma questão de tempo: a felicidade a duas horas de mim).

Hoje quero desentendimento, rusga, cisma. Hoje estou cá gota, quero grito, quero briga!

Amanhã – amanhã quero fazer as pazes, hastear a bandeira branca, repousar em berço esplêndido.

Por hoje – por hoje chega...

... fiquem com Fernando, pessoas...



ADIAMENTO

“Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de Domingo divertia-se toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de Domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é o que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanha serei finalmente o que hoje não posso nunca
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã..
O porvir...
Sim, o porvir...”

Fernando Pessoa

Antes de ir, um pedido: evitem aconselhamentos, racionalizações ou achismos. Evitem filosofias baratas, bulas de remédio, imediatismos. Os texto – como a vida – nem sempre precisa fazer sentido. Pensem em “fluxos que se conjugam”, pensem em encontros, em (con)fusões. Não procurem saídas, respostas ou explicações. Além do texto, tudo fica nebuloso, incerto, vívido demais. Hoje não busco a vivacidade, mas só a materialidade do texto em si(mesmado), feito (em) bloco de concreto.

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sexta-feira, junho 17, 2005

UM MENSALÃO PARA A CULTURA



No ano passado, o Ministério da Cultura (MinC) lançou o programa Cultura Viva, que previa a liberação de verbas de R$ 150 mil para diversos projetos culturais espalhados pelo país, os Pontos de Cultura.

O Ponto de Cultura da Associação Salvamar (PdC Salvamar), em Guarapari, foi aprovado pelo MinC no final do ano passado. Teoricamente, deveria estar funcionando a todo vapor, com laboratórios de informática equipados com softwares livres, ilhas de edição digital e câmeras de vídeo à disposição da comunidade; deveria estar oferecendo gratuitamente cursos, seminários e oficinas de capacitação para moradores, professores e líderes comunitários da região norte de Guarapari, visando criar uma dinâmica de desenvolvimento integrado e sustentável a partir das matrizes educação, cultura e turismo; teoricamente...

... na prática, nada disso aconteceu ainda. O PdC Salvamar caminha a passos lentos. É verdade que o projeto foi concebido para funcionar de forma autônoma – sem depender de ajuda governamental – e vai “bombar” mais cedo ou mais tarde. Saber disso, no entanto, não afasta o sentimento de revolta quando pensamos que – caso sejam confirmadas as denúncias de Roberto Jefferson – cinco “mensalões” equivalem a toda verba que o MinC prevê para cada Ponto de Cultura (um total de R$ 150 mil, R$ 5 mil por mês durante dois anos).

***

A situação do Cultura Viva, hoje, está mais ou menos assim: sabe-se que muitos Pontos de Cultura já estão recebendo verbas e equipamentos; sabe-se que outros tantos não recebem mais há meses; e sabe-se que muitos Pontos que se encontram na mesma situação do PdC Salvamar: não receberam nem um centavo.

O atraso na liberação das verbas não é culpa do MinC. Matéria publicada na Folha de São Paulo no dia 1º deste mês evidenciava o drama de Gil: “Com 57% (R$ 289 milhões) de seu orçamento para este ano contingenciado (retido) pelo governo, o MinC não tem verba para investir em projetos culturais”. Pobre MinC!

***

Mas especulemos um pouco mais sobre o suposto “mensalão”. Um mensalão seria suficiente para pagar 200 bolsas para os Agentes Culturais do Cultura Viva (jovens entre 16 e 24 anos que seriam treinados pelos Pontos para atuar profissionalmente na área cultural). Um “mensalão” bastaria para montar um laboratório de informática por mês, com cerca de 10 máquinas (de qualidade) cada. Um “mensalão” seria mais do que suficiente organizar oficinas de música eletrônica durante meses, preparando dezenas de jovens para atuarem como DJs nos bares e boates de Guarapari e Vitória durante o verão. Chega, né? Dói...

***

O Estado brasileiro anda queimando dinheiro. É preciso ampliar horizontes para perceber que sustentabilidade é algo bem mais próximo das políticas culturais que o MinC vem tentando implementar do que do assistencialismo de um Fome Zero ou das negociatas do congresso. No ritmo em que está, o Cultura Viva terá vida curta, como tantas boas idéias que se perdem no limbo da burocracia estatal (ou/e nos labirintos da corrupção)...

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quarta-feira, junho 08, 2005

POEMATEMÁTICO



(EM)CONTADORAS

O amor
como um fato contábil:

meia dúzia de medos
multiplicados
por um quarto
de insegurança ao quadrado.

Um onze avos: uísque
Um doze avos: desejo
Um treze avos: cigarro.

Tudo isso,
elevado à quarta potência.

Noves fora?
Hum,
que pena...
não vai dar pra ser agora.

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sexta-feira, junho 03, 2005

SOBRE LINHAS E FUGAS*



De uns tempos pra cá, sob influência deleuziana, tenho falado bastante em “linhas de fugas” e “devires”. Faço isso nos contextos mais variados. Aproprio-me, roubo, capturo o vocabulário desse recente interlocutor para recriar sentidos assimilados (ou mal assimilados) em outros tempos. É dessa forma que traço “linhas de fuga” e experimento novos “devires”. Outrora foram o devir-Borges, o devir-Maffesoli, o devir-jornalista. Hoje, é um devir-quase-deleuze, um devir-curioso, um devir aprendiz.

Fujo. Fujo dos “muros brancos”, mas não por covardia. “Fugir”, diz Deleuze, “não é viajar, tampouco se mover”, “fugas podem ocorrer no mesmo lugar, em viagem imóvel”. Há muito que busca a ruptura. “Cheguei à conclusão que aqueles que haviam sobrevivido tinham realizado uma verdadeira ruptura. Ruptura quer dizer muito e não tem nada a ver com ruptura de caria em que, geralmente, se está fadado a encontrar outra cadeia ou a retomar a antiga. A célebre Evasão é uma excursão em uma armadilha, mesmo se a armadilha compreende os mares do Sul, que são feitos apenas para aqueles que querem navegar neles ou pintar. Uma verdadeira ruptura é algo a que não se pode voltar, que é irremissível porque faz com que o passado deixe de existir” (Fitzgerald).

Mas traçar uma linha de fuga é tarefa complexa. “Mesmo quando se distingue a fuga e a viagem, a fuga continua a ser uma operação ambígua. O que nos diz que, sobre uma linha de fuga, não iremos reecontrar tudo aquilo de que fugimos?” Não há garantias, certezas: não há como fazer previsões. É preciso viver vivendo, andar andando, fugir fugindo: só se descobre pra onde vai uma linha à medida que a vamos traçando. Linhas são caminhos e de caminhos fala Mário Quintana...

“Era um caminho que de tão velho , minha filha,
já nem sabia mais onde ia...
Era um caminho
velhinho,
perdido...
Não havia traços
de passos no dia
em que por acaso o descobri:
pedras e urzes iam cobrindo tudo.
O caminho agonizava, morria
sozinho...
Eu vi...
Porque são os passos que fazem os caminhos!”**

E são os traços que fazem as linhas. “A linha de fuga é uma desterritorialização. “Fugir não é renunciar às ações, nada mais ativo que uma fuga. É o contrário do imaginário. É também fazer fugir, não necessariamente os outros, mas fazer alguma coisa fugir, fazer um sistema vazar”. “Fugir é traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia. Só se descobre mundos através de uma fuga quebrada”.

Para fugir é preciso estar alerta, a desatenção é um imperdoável, “é justamente isso que se pode aprender na linha de fuga, ao mesmo tempo em que é traçada”, é justamente isso que se pode aprender no caminho, ao mesmo tempo em que é percorrido: “os perigos que se corre, a paciência e as precauções que é preciso ter, as retificações que é preciso fazer todo tempo para livrá-la das areias e dos buracos negros. Não se pode prever”. You must to play jazz, improvisar na medida certa para não estragar a melodia. “Nunca é o início e o fim que são interessantes; o início e o fim são pontos. O interessante é o meio”. “Está-se no meio de uma linha, e a situação é desconfortável”, no entanto, já sabia Riobaldo: “o real não está na saída nem na chegada, ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”***.

“A fuga é uma espécie de delírio. Delirar é exatamente sair dos eixos (como ‘pirar’, etc). Há algo de demoníaco, ou de demônico, em uma linha de fuga. Os demônios distinguem-se dos deuses, porque os deuses têm atributos, propriedades e funções fixas, territórios e códigos: eles têm a ver com eixos, com limites e com cadastros. É próprio do demônio saltar os intervalos, e de um intervalo a outro”.

Também no amor é preciso fazer vazar, valorizar mais o caminhar e não parar pra se perguntar pra onde se está indo. “Torne-se capaz de amar sem lembrança, sem fantasia, e sem interpretação, sem fazer o balanço. Que haja apenas fluxos, que ora secam, ora congelam ou transbordam, ora se conjugam ou se afastam”. “Sobre as linhas de fuga, só pode haver uma coisa, a experimentação-vida. Nunca se sabe de antemão, pois já não se tem nem futuro nem passado”.

“O grande erro, o único erro, seria acreditar que uma linha de fuga consiste em fugir da vida; a fuga para o imaginário ou para a arte. Fugir, porém, ao contrário, é produzir algo real, criar vida, encontrar uma arma”.

* Todos os trechos entre aspas, com exceção daqueles em que o autor é citado (caso de Quintana e Rosa) foram extraídos do livro “Diálogos”, de Deleuze e Parnet.
** Mário Quintana, poema “O último viandante”, em “A cor do invisível”.
*** Guimarães Rosa, “Grande Sertão Veredas”.

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