quinta-feira, junho 23, 2005

BATMAN: REMASCULINIZADO



Acho que não precisa ser fã de Batman para desprezar com todas as forças o direcionamento que Joel Schumacher deu aos dois últimos filmes da série, não é? Aquela mistura de Embalos de Sábado à Noite e Priscila, a Rainha do Deserto era acintosamente ridícula.

Até duas horas atrás, acreditava que tudo se perdera. Batman seria pra sempre um super-herói fadado às piadinhas homofóbicas: um riquinho babaca cheio de brinquedinhos de nomes engraçados.

Pois é. Isso até duas horas atrás.

Acabei de sair do cinema, onde assisti à versão de Christopher Nolan (Amnésia, lembram?) para surgimento do homem morcego. Sob risco de produzir uma crítica impressionista, digo: Nolan não somente “resgatou a dignidade de Batman” como conseguiu, com a ajuda de um excelente elenco e um cuidado especial com a produção, fazer algo surpreendente: superar as versões de Tim Burton para o primeiro filme da série.

Acredito que alguns fatores favoreceram Nolan. O primeiro deles foi Christian Bale. O Psicopata Americano está impecável no papel de Bruce Wayne (e derivados). Pela primeira vez na história da série não precisei controlar o riso quando Batman surgia em cena precisando fazer cara de mau, de alguém “envenenado” pela raiva e pelo “desejo insaciável de vingança”. Sim, Bale assusta. Vulgarmente falando, interpretado por ele, podemos dizer que: “o cara tem moral”.

E por falar em moral, a construção da moral do super-herói pelo filme se dá de maneira muito interessante. Pode-se perceber o sombrio guardião de Gothan como alguém que se equilibra, delicada ou estabanadamente, entre o bem e o mal. Batman vive na fronteira. Pra que o morcego não dê vazão ao seu lado psicótico e saia matando a torto e a direito, as figuras de Alfred – que finalmente teve ênfase adequada e um interprete à altura de Michael Caine – e Rachel Dawes – que surpreendentemente, levando-se em consideração a delicadeza da atriz que a interpreta, Katie Holmes, é um personagem forte, fundamental para a história. Alfred e Dawes são os únicos seres vivos capazes de catalisar os poucos vestígios de afeto que restaram no traumatizado e rebelde coração de Bruce Wayne.

Já que estamos falando dos personagens de Batman Begins, não dá pra deixar de destacar o trabalho do jovem Cillian Murphy, como o espantalho. Embora seja relativamente mal aproveitado a partir do momento em que Ra's al Ghul, personagem de Liam Neeson, reaparece no filme, o espantalho, favorecido pela atmosfera bad trip que o filme ganha quando a droga (poderosa, sinistra, pra Timothy Leary nenhum botar defeito) entra em cena, consegue ser bem assustador. Sem a droga, Cillian Murphy dá ao espantalho um ar arrogante e blasé de fazer inveja ao personagem Balthasar, de Constantine, (mal) vivido na telona pelo roqueiro Gavin Rossdale, do Bush (o marido sortudo da Gwen Stefani, a loura sexy da banda No Doubt).



Do trio Liam Neeson, Morgan Freeman e Gary Oldman não há muito que falar. São três atores, a meu ver, sempre eficazes: jamais estragam um filme. Dos três, destaco a interpretação de Liam Neeson. Não porque seja magistral, mas porque, como vilão, ele me fez lembrar de Darkman, vingança sem rosto, filme de Ram Raimi (Homem-aranha), lançado nos anos 90 e protagonizado por Neeson. Darkman, como Ra's al Ghul, tinha um quê de contradição em seus atos. O lado mestre do vilão de Batman Begins, curiosamente, também me remeteu a outro personagem de Liam Neeson, este bem mais recente. Falo do mestre de Obi-Wan Kenobi no Episódio I de Star Wars, Qui-Gon Jinn. A impressão que ficou é a de que Neeson só precisou carregar no dark side de Jinn para viver um bom al Ghul (as demais semelhanças ficaram por conta dos nomes complicados).



Antes do lançamento de Batman Begins, falou-se muito na produção do filme e, sobretudo, no carro/tanque do Batman. Chamem-me de purista, mas sinceramente: um chega pra lá na computação gráfica de vez em quando é bom. Assim como o tanque, todos os “brinquedinhos” do filme recebem a devida atenção: o visual não destoa da atmosfera criada para a história. São brinquedos de macho, dignos do Batman espada que se quis mostrar.

Por falar em espada, a idéia de explicar as habilidades de Batman situando seu treinamento entre ninjas alucinados no topo de uma montanha gelada não poderia ser melhor. A vida toda me perguntei: de onde um playboyzinho como o Bruce Wayne tirara tamanha força e destreza? Não eram só os “brinquedinhos”, tinha certeza. Afinal, por trás deles sempre houve um Batman durão (à exceção das versões drag queen do Joel Schumacher, é claro). O novo filme tira essas dúvidas, torna o super-herói mais verossímil, pé-no-chão mesmo voando. (Se é que verossimilhança interessa quando o assunto é HQ. Absolutamente leigo no assunto, gostei).



Antes de falar do que me agradou na direção de Nolan, vale a pena reforçar um aspecto do filme que me pareceu central: a remasculinização do Batman. A escolha do Bale foi fundamental nessa estratégia de salvamento do morcego que, agora, podemos novamente chamar de homem. Quem viu Psicopata Americano sabe o quanto Bale pode ser debochado, irônico e mau numa tela de cinema. O novo Batman (que na verdade é o velho Batman, entendem?) ganha muito com as doses de testosterona que Bale aplica no personagem.



Quanto à direção, o principal destaque é a atmosfera que Nolan consegue criar. O filme é sombrio na medida certa. Tim Burton conseguira isso, mas de um modo muito particular. O universo de Burton é sombrio e lúdico ao mesmo tempo. O de Nolan é sombrio e visceral. Em Batman Begins é possível sentir com os personagens de forma mais intensa, mergulhar no filme e vivenciar um pouco do clima de medo e pavor que o atravessa. O ritmo que o diretor impõe é outro ponto importante. Nolan alterna os momentos de euforia e relaxamento de maneira sutil, trabalhando de forma que a tensão esteja sempre presente. O filme prende a atenção sem precisar cair na correria frenética para a qual os três filmes anteriores descambavam (sim, os três: acho que Batman Returns comete o mesmo erro – embora com mais elegância – que os dois últimos).

Até o ano passado, toda vez que tentava estabelecer um ranking (listas à lá Alta Fidelidade) das Melhores Adaptações de Quadrinhos para o Cinema, ficava com Homem-aranha 2, em primeiro, e Hulk, em segundo, no topo da lista. Vou pensar com carinho sobre o assunto, mas é bem possível que as coisas mudem bastante. Até porque, como se não bastasse a agradável surpresa de Batman Begins, Sin City vem aí!

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