CONTOS DA CRIPTA LITERÁRIA
Só pra todo mundo se perguntar: o que a foto tem a ver com as calças, digo, com o texto?
A literatura se curva ante o próprio peso. Corcunda, fita o próprio umbigo, inebriada. Escreve palavras que – aos mortais, aos simplórios, aos viventes – não fazem os sentidos sentirem. Entre o bom e o mau-viver, os silêncios: vagalhões verborrágicos de mudez. A letra, morta, rest in peace nas entrelinhas. As língua, presa, definha, (con)funde-se (funda-se?), metamorfoseia-se em formas as mais bizarras, caminhos os mais inóspitos: é o polimorfismo da dexistência. Sem elo, sem halo – vira mero falatório. Sete vezes sete renascimentos e um funeral: velório regado a cachaça, cerveja, petiscos (queijos? vinhos?) e uísque doze anos. O cadáver, no desconfortável caixão das entrelinhas, apodrece e fede, fede.
(A encenação dá-se em outros palcos – o horror, o horror: questão de misé- en-scène. Tudo sob controle, holofotes bem colocados, luz na medida certa que é pra não queimar o filme. Marcações. As marcações são fundamentais: ninguém pode improvisar, sob risco de ser cortado, fatiado, destemperado e servido aos porcos. A platéia é numerada: gourmets à espera do prato principal – que nunca, nunca, nunca virá).
A alma da literatura – ao contrário de seu corpus – vagueia no limbo, como todo espírito errante. Volta e meia, passeia entre nós, sendo incorporada aqui e ali. Nessas oportunidades, geralmente é recebida com reservas, sob o signo do sobrenatural. Aos sensitivos, costuma aparecer em (re)visões ou em sonhos. Nessas aparições – dizem – fala muito, como estivesse há séculos em busca de um ouvinte atencioso. Depois desaparece, esfumaça-se, não sem antes pedir silêncio: “Pra não despertar os mortos ou – pior – perturbar o sono dos deuses”.
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