terça-feira, fevereiro 07, 2006

À MESA



Era senhor do gasoso. Seus gestos feneciam no ar, esfumaçavam-se. Entre eflúvios alcoólicos (e dores de cabeça) era possível assimila-lo (ou somatizá-lo, por que não?). Morava ali o sentido de suas palavras. Num deixar-se ir, indo. Sua aparição era sintomática. Dizia das agruras existenciais pelas quais passava o outro que era eu. O outro que procurava um tanto a esmo por fagulhas de vida – entre um compromisso urgente e uma tarefa importante. Toda essa (ir)realidade estava presente, posta à mesa, mas não podia ser pautada – assim estabelecia o acordo tácito fixado entre os presentes.

Como todo jogo, o deles também tinha suas regras (e suas exceções). A do outro, que era eu, o líquido, tinha a ver com as pernas da Srta. à minha esquerda. Prenhe de euforias, ela – a Srta à minha esquerda – trazia à atmosfera lúgubre e carbônica daquela mesa ares hálitos e vespertinos. Não fosse pelo que havia de interdito no contexto subentendido por todos, não pairava dúvida de que era tão somente ela o prato principal, o manjar tão esperado pelos esfomeados que ora entravam em confraternização. Era ela o elemento desejo: o elemento fogo, a seta, o alvo. Consistia o jogo, em verdade, na tentativa desesperada de causar-lhe boa impressão, arrancar-lhe sorrisos, por mais inútil que fosse a empreitada.

O gasoso, o líquido, o sólido, tudo convergia para um só e único ponto: ela. Da interdição que era o outro – o outro mesmo, o sólido, não eu – nascia a nossa dança. Um balé desordenado e belo feito de palavras de palarvas depravados. Dentre tantos palavrões e obscenidades, a perversão nascia do silêncio guardado entre as pernas.

Ela: a síntese de nossos estados.

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