quarta-feira, agosto 25, 2004

SOBRE DEMOCRACIAS



Em matéria sobre Software Livre, publicada no Site da Agência Carta Maior, a professora de Direito Maureen O‘Sullivan, da University of the West of England (UWE) do Reino Unido, fala sobre a democracia. Citando o incidente dos transgênicos na Europa, onde a sociedade se organizou e passou por cima do governo, negociando diretamente com as multinacionais aborda o tema democracia participativa. Leiam o que diz a matéria:

A democracia representativa existe, frisa ela [Maureen O‘Sullivan], porque o povo confiou sua representação aos políticos. “Se isso não está mais funcionando, a democracia participativa ocupa uma parte maior na sociedade e, mais cedo ou mais tarde, o povo dirá: ‘sem representação, não há tributação‘.

A frase da professora inglesa segue a mesma linha de raciocínio que tenho tentado desenhar, post após post, aqui no Psicotópicos. Precisamos substituir essa democracia de fachada por uma democracia mais concreta, a democracia participativa. Temos cada vez menos representação e cada vez mais tributação. Está na hora de inverter o quadro.

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Trechos da introdução de uma entrevista com José Saramago, também do site da Carta Maior, sobre o novo livro do escritor português:

O escritor português José Saramago deve desembarcar no Brasil apenas em novembro para o lançamento de seu último livro, “Ensaio sobre a lucidez” (Companhia da Letras, 2004). A obra, que gera polêmica na Europa, traz a história de um país imaginário onde os votos das últimas eleições não se dividiram entre partidos da direita e da esquerda, como de costume. Naquela ocasião, para espanto de todos, venceu o voto em branco. O questionamento de Saramago sobre o processo democrático evolui para a análise das reações do governo, na polícia e da mídia depois do pleito. Após um suspiro autoritário, fica mais clara a alegoria que o autor apresenta sobre a fragilidade dos rituais democráticos, do sistema político e de suas instituições.
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Segundo comentário divulgado pelos editores da Companhia das Letras, o que Saramago propõe não é a substituição da democracia por um sistema alternativo, mas o seu permanente questionamento.
(Erika Campelo, especial para a Agência Carta Maior)


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terça-feira, agosto 24, 2004

ESPECULAÇÕES SOBRE A PERCEPÇÃO DO ESPAÇO NA IDADE MÉDIA E NA "PÓS-MODERNIDADE" A PARTIR DE HARVEY E MAFFESOLI



No capítulo 15 do livro Condição Pós-Moderna, intitulado “O tempo e o espaço do projeto do Iluminismo”, David Harvey fala sobre a percepção do espaço na Idade Média.

Citando Edgerton, Harvey escreve:

“O artista medieval ´acreditava poder traduzir convincentemente o que tinha diante dos olhos ao representar as sensações que tinha ao caminhar, experimentando estruturas, quase de maneira tátil, a partir de muitas perspectivas distintas, e não de um ponto de vista geral único´” (Grifo nosso).

Esse modo de perceber o espaço (e o tempo) teria sido, segundo Harvey, profundamente alterado a partir da renascença, com as navegações e as descobertas, e, especialmente, com o desenvolvimento da cartografia a partir da geometria de ptolomaica.

“A grade ptolomaica (...) propunha uma unidade matemática imediata. Os locais mais distantes podiam ser precisamente fixados uns com relação aos outros por coordenadas imutáveis, de modo que sua distância proporcional, bem como seus relacionamentos direcionais, ficassem evidentes”. (Edgerton, 1976)

Para Harvey, “Ptolomeu imaginara como o globo como um todo seria visto por um olho humano que o visse de fora”. Essa nova maneira de ver o mundo, de uma perspectiva única e totalizadora, teria influenciado de forma profunda o pensamento iluminista.

Michel Maffesoli, o sociólogo francês que se dedica ao estudo da modernidade e do mundo contemporâneo, coloca a obsessão pelo Uno como uma das características do pensamento moderno. Harvey, que é professor de Geografia na Universidade de Oxford, acredita que essa mudança na percepção do espaço (múltiplas perspectivas para uma única perspectiva) como fundamental para a mudança na forma de pensar do ser humano.

Se seguirmos esse raciocínio, talvez fosse possível arriscar a seguinte hipótese: a visão fragmentada do mundo “pós-moderno”, e a ênfase numa vida mais hedonista e presenteísta, principalmente a partir dos movimentos de contra-cultura dos anos setenta, está fazendo o homem contemporâneo perceber o mundo e pensá-lo (ou mesmo não pensá-lo) mais ou menos como os medievais. Não sei se Maffesoli trabalha com os conceitos de espaço-tempo na modernidade de na “pós-modernidade”, mas sei que ele trabalha com o conceito de “ressurgimento do arcaico”. Dessa maneira, a análise de Harvey sobre os as diferentes concepções de espaço tempo corrobora para a tese de Maffesoli. É como se a maior parte da humanidade percebesse o espaço de forma mais medievalista, sobre diferentes perspectivas, do que Iluminista, unidimensionalmente.

Essa visão reforça, inclusive, o conceito de multiculturalismo, as diferentes noções de ética e concepções de verdade, a fragmentação das narrativas e, enfim, o conceito de tribalismo de Michel Maffesoli.

É claro que esse tipo de aproximação, para ter mais validade, precisaria de um estudo mais aprofundado tanto dos conceitos de Harvey quanto da obra de Maffesoli. Contudo, acredito que, respeitando certos limites, não seria delírio seguir na direção aqui apontada.

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O que também me chamou a atenção na análise de Harvey sobre a importância da perspectiva ptolomaica para o Iluminismo foi a necessidade que o projeto iluminista tinha, para se concretizar, de mecanismos de controle, de regulação, de vigília, de mapeamento. Pretendo voltar a isso em textos futuros, retomando Habermas, Foucault, Rouanet, já comentados aqui no blogue em outras ocasiões.

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segunda-feira, agosto 23, 2004

O HUMANO PERDE



Hoje Daiane dos Santos estabeleceu contato com a crueldade do “espírito olímpico”. Daiane foi humana demais para levar o ouro: o deus olímpico é grego e pune a imperfeição.

Daiane salvou-se. Não precisa mais carregar nas costas o peso das deidades.

Deidade, sim, porque foi nisso que a mídia quis transformá-la. A admiração do princípio foi, aos poucos, à medida que as olimpíadas se aproximavam, se transformando em cobrança: Daiane não podia pular com o peso do Brasil nas costas. É peso demais pra uma baixinha de joelho dodói.

Daiane continua bela, mágica, especial. No mundo branco da ginástica olímpica, território das romenas, chinesas e russas, Daiane tinha cor e tinha sangue. Não foi Daiane que perdeu, mas o humano. O humano - com o que tem de inventivo, ousado, falho e, por isso mesmo, belo - perdeu. Ganhou a técnica que não sai da linha, que não vai além da obviedade, do feijão com arroz, do papai e mamãe...

Se errar é humano, quanto menos humano for o homem no giramundo, maiores as chances de tornar-se "o vencedor".

E "olha lá quem vem do lado oposto!"...

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Estranho. Essa derrota de Daiana me fez lembrar da Copa de 82...



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MARGINALIDADE




“Nem os processos avançam para determinar os autores, nem a imprensa se interessa pela morte de pessoas que estão à margem”.
(Fernando Gabeira)


Visitava hoje o site de Fernando Gabeira, num dos textos que li, ele comentava sobre o assassinato dos mendigos em São Paulo.

É interessante observar como, no Brasil, parece que se resolve “descobrir” fenômenos e transforma-los em notícia de uma hora para outra. O assassinato de mendigos é prática comum nas grandes cidades brasileiras. Na época em que os jovens monstrinhos brasilienses queimaram o índio, essa questão foi levantada. E aí eu pergunto, por quê a imprensa não se interessou mais pelo assunto quando as notícias sobre o índio carbonizado pararam de dar Ibope?

Pelo motivo que Gabeira aponta. Essas pessoas não interessam, a não ser quando a tragédia de suas vidas (ou de sua morte) podem ser transformadas em espetáculo, à maneira dos “cidades alertas” e “linhas diretas”.

Não sei se os freqüentadores do Psicotópicos se lembram, mas falei há algum tempo aqui sobre o assassinato de Tabaculê, um mendigo conhecido aqui em Guarapari. Até hoje, ninguém se interessou por saber quem foi o assassino. Tabaculê, como os mendigos de São Paulo, foi morto a pauladas, da forma como se costuma matar ratos ou animais asquerosos.

É assim que a sociedade vê essas pessoas. Não importa tentar descobrir se por trás da sujeira e dos andrajos há um ser humano. Importa é eliminar o que incomoda. Como coisas velhas jogamos fora quando não têm mais utilidade em nossa casa.

É. Vivemos num mau Estado...

(Escrito em 21 de agosto de 2004)

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sexta-feira, agosto 20, 2004

PSICODRAMA



Dois dias de trabalho árduo, alienado, de utilidade duvidosa. O ostracismo do Psicotópicos diz muito sobre meus dias no “mundo dos cheiros”, como diria o Zé, o outro. Mundo absorvente este: amante do não-viver.

Pensei sobre tanta coisa esta semana. Tanto espanto que nem deu pra dar conta e contar contando: até o corpo se rendeu. Cansaço físico do Psico, do utópico. Calado pela avalanche das miudezas sem importância. (São miudezas mesmo, aquele detalhe-ruim que tudo estraga).

Semana de andar “à flor da pele” e ter nos poros o “gosto do juízo final”, e não deixar a angústia vir a furo. Tá tudo aqui, preso preso. Sensação estranha essa de viver para outras vidas: lidas que nos são estranhas.

Se fosse pra viver outras vidas, que vivêssemos então as loucas, as bandidas. Às vezes suspeito que só as desse tipo são válidas em terras de canibalismo lupino.

Mas isso é só algumas vezes. Nas outras, acho que o melhor mesmo é ser vírus. Mas sobre isso, já falei em outros tempos.

Temporais, têmporas, temporalidade: escrita terapêutica. O sentido do não-sentir(-se bem).

Invenções, inversões: um mundo todo feito de chavões e de lugares comuns.

Não me leiam mais por hoje. Procurem algo melhor pra fazer. Aproveitem que saiu sol, vão à praia. Beijem beijem, amem ( amém-aleleuia-irmãos!!!). Ficar por aqui, em tempos assim? Compensa não, bobo. Vai, vai que já é hora e vez de Augustos e Matracas. Hora de ir “embora ver onde chora o cantor”...

Eu fico por aqui, alienado ado ado, fazendo eco ao coro dos renegados.

Puta-que-pariu! Que dia de merda!

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quarta-feira, agosto 18, 2004

PSICO UTÓPICO



Acompanhar o noticiário político nas últimas semanas tem sido um passatempo – a palavra é essa mesma – interessante. Duas propostas do governo tem gerado discussão nos meios jornalístico e televisivo: a Ancinav e o Conselho Federal de Jornalismo.

As matérias acerca desses dois temas têm se caracterizado, até o momento, pelo maniqueísmo simplista dos prós e contras. Mais ou menos a lógica do Bush, no 11 de setembro, do tipo, quem não é comigo, é contra mim.

A imprensa, neste caso, tem se colocado no lugar de Bush. Com o poder que a mídia oferece, de (de)formar opiniões, os adversários da Ancinav e do CFJ tem aproveitado as falhas dos projetos para bater – e bater muito – no governo.

O curioso é que, nesse processo, o que fica mais evidente é a parcialidade e – por que não dizer? – passionalidade, a defesa apaixonada das próprias posições. Uma postura que, vale pontuar, distancia-se muito da teórica neutralidade jornalística, que tanto se apregoa.

Em momentos cruciais, como este, é que o caráter marcadamente editorialístico da imprensa brasileira vêm à tona. Já não importam tanto os argumentos, mas a capacidade de diminuir o outro por meio do discurso vazio, carregado de insinuações sórdidas, acusações infundadas, lugares comuns e idéias pré-concebidas, busca, de forma fascista, persuadir a qualquer custo, seja omitindo, distorcendo ou exagerando fatos.

Até o momento, de todo o conteúdo publicado sobre a Ansinav e o CFJ com o qual tive contato, foram poucos os textos que encaram o debate de forma séria, analisando os projetos com cuidado e debatendo, racionalmente, os pontos polêmicos.

Todo o barulho feito parece ter apenas uma finalidade: trazer de volta o silêncio. Interditar os discursos que não interessam à mídia – que é o canal pelo qual se veicula o discurso. O que se busca é a cessação do diálogo. O que se quer é impedir que a razão comunicativa dos envolvidos venha à tona.

A mim, parece que as acusações de fascista e autoritário que a mídia vem fazendo ao governo se aplicam, de forma irrestrita, a ela própria. Querendo ou não é no gargalo da mídia – no gatekeeper – que será decidido o que pode ou não ser dito. O que vai ou não para o espaço público. Dizer isso é chover no molhado, eu sei. Mas, em tempos de racionalidade ressequida, isso nunca é demais.

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Semana passada terminei o segundo capítulo de “Tudo que é sólido se desmancha no ar: a aventura da modernidade”, de Marshal Bernan. No capítulo onde trata do Fausto, de Goethe, como uma obra representativa da época moderna, o Berman cita a admiração do escritor alemão pelos escritos saint-simonianos do jornal parisiense Le Globe. O jornal, leitura favorita de Goethe em sua velhice, caracterizava-se por dar espaço a todas as utopias dos socialistas de então. Projetos mirabolantes que na época pareciam meros delírios e que, anos mais tarde, seriam realizados, como o Canal de Suez, que, conta Berman, era um dos sonhos de Goethe.

Lendo essas coisas, não pude deixar de pensar no jornalismo contemporâneo, e na miopia dos fatos. O jornalismo, hoje, não funciona enquanto crítica – porque não pode faze-la sempre, para não parecer parcial, perdendo assim a capa pseudo-científica com a qual se vestiu; e porque quando o faz, geralmente, o faz de forma equivocada, por meio de uma retória superficial e, como disse acima, muitas vezes vazia –; enquanto canteiro de idéias, à maneira do Le Globe, o jornalismo também não funciona mais pois, de uma forma que irritaria Clarisse Lispector, só lhe interessam os fatos.

O jornalismo, hoje, só faz barulho.

Faz barulho e destrói. Não cria, mas também não dá espaço para quem tenta faze-lo. O jornalismo político constitui-se de meia dúzia de figurinhas fáceis, que pontuam os noticiários, depondo sobre tudo e sobre todos. A maior parte dos parlamentares permanece incógnito e, pela imprensa, só é lembrando enquanto massa de manobra.

O jornalismo cultural enfrenta o mesmo problema. Se dependêssemos dos jornais para descobrir o que andam fazendo os escritores brasileiros, só conseguiríamos acompanhar a carreira de meia dúzia de nomes laureados, aos quais a mídia parece reduzir a literatura nacional.

O jornalismo econômico só faz acompanhar o mercado, de forma geralmente acrítica e criptográfica. O jornalismo científico se prende ao pitoresco, às novas galáxias, à “gerra dos clones”. As ciências humanas sobrevivem em nichos reduzidos, muitas vezes se confundindo, de forma promíscua, ao jornalismo cultural.

Se uma das característica do homem é a capacidade de compreender o passado e projetar-se no futuro, o jornalismo é uma profissão do inumano. Nele, só existe o que é imediato. Por trás dele, regendo-o, existem projetos de vida que interferem na vida dos seres ordinários, os outsiders, os sem voz.

Sem voz, sim, porque na sociedade de massas, o discurso que não passa pela mídia tem vida curta.

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A não ser que esses pequenos discursos consigam articular-se entre si, “correr por fora”, pegando atalhos e desvios. Aí, entramos na esfera do que Barbero chama de mediação. Para sair da lógica excludente da mídia é preciso, de certa forma, aceitar nossa marginalidade em relação aos meios e passar “dos meios às mediações”. É preciso criar contra-poderes; micropoderes que funcionem por viscosidade, crescendo, viroticamente, nos pontos fracos do sistema, minando-o aos poucos.

Precisamos trazer de volta a imprensa nanica, as reuniões em bares e botecos – a boemia! –, os pequenos grupos de oposição. Precisamos estabelecer diálogos, provocar diálogos, acabar com o silêncio barulhento que a mídia impõem. É preciso dar voz aos que a perderam.

É preciso abrir espaços.

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Se o sistema – a política, a mídia, o Estado, o capitalismo – está apodrecendo, é necessário que trabalhemos pelo aceleramento desse processo, trabalhando nos interstícios, corroendo-o a partir de dentro.

É essa a única revolução em que acredito.

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Os meios para se chegar a isso são vários. Vão desde a conversa informal, até as técnicas de mídia radical como a imprensa alternativa, a panfletagem, as rádios piratas e comunitárias, os movimentos culturais como o hip-hop e a grafitagem, os blogues, os fanzines, digitais ou não, as flash mobs, os instalações, a poesia, a cultura popular. Todas as estratégias de comunicação sob as quais o sistema perde o controle devem ser usadas a nosso favor. Devemos trabalhar com o micro, com aquilo que passa despercebido, quando nos damos conta, fez mudanças.

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sexta-feira, agosto 13, 2004

DESCULPAS

Atualizado na correria, foi mal... desculpem a tosquera....

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CONSELHO DE JORNALISMO

Abaixo, texto escrito às pressas só pra não deixar o fim de semana entrar sem tocar nesse assunto aqui no Blogue.
E É ISSO...
“Mais da metade dos brasileiros afirma que não se importaria com um governo autoritário, se este resolver problemas de economia, segundo dados divulgados ontem pela ONG chilena Latinobarómetro, que anualmente faz pesquisa de opinião, atitude e valores em 18 países da América Latina. A pesquisa calcula que 54% dos brasileiros aceitam autoritarismo se houver, em troca, benefício econômico. A média latino-americana de aceitação é de 55%”.
(O Globo, 13 de agosto de 2004)


Notícias como essa mostram que as “invasões bárbaras” já começaram faz tempo e não tem a ver, necessariamente, com “do declínio do império americano”, mas sim com a descrença nos valores democráticos.

É dessa apatia que ressurge o desejo paternalista de um Estado provedor. Doce ilusão em tempos de neoliberalismo avançado.

Pelo menos, estamos abaixo da média latina.Um pontinho, mas estamos.

Para não fugir à regra e manter-se próximo do paradoxo, diz o mesmo jornal:

“Ao mesmo tempo, o apreço pela democracia cresceu depois do primeiro ano do governo Lula. Na pesquisa do ano passado, apenas 35% dos brasileiros acreditavam que a democracia é melhor do que qualquer outra forma de governo. Este ano, são 41%”.

Apreço. Só isso? Não se ganha nem plebiscito com essa quantia, mas vá lá. Como diria o Mestre dos Mares, que pelo menos escolhamos a menor praga.

Saudosos do paternalismo – e avessos à idéia de liberdade – são alguns discursos que surgiram por motivo do projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo. Como este protesto inflamado do aposentado José Roberto Barbosa, de Piracicaba-SP, no site do Observatório da Imprensa:

“A Globo é uma verdadeira escola para desequilibrar um lar com jovens, com suas novelas semipornográficas; a Bandeirantes, com seu Boa Noite Brasil, só tem mulher seminua, e a maioria dos assuntos é torpe, além do cinismo de Gilberto Barros, que bate em sua costa com luvinha de pelica. O SBT deu uma maneirada depois do caso PCC, a Rede TV! é uma verdadeira escola de futilidade, quer ter audiência sobre a desgraça dos outros, e não tem uma autoridade que veja isso. A Record estava à beira da falência, o bispo Macedo comprou e logo foi modificando, de TV popular para igreja eletrônica (...); o espaço religioso está diminuindo gradativamente, é a única TV aberta que pode tirar a soberania da Globo, porque seus proprietários têm dinheiro para investir, e é uma TV que você pode sentar para assistir com sua filha e seus netos e ficar sossegado, porque não vai se deparar com cenas obscenas. Mas que o governo, alguém, faça alguma coisa para pôr uma censura nisso”.

O apelo religioso do seu Barbosa aponta também para as “invasões bárbaras”. E a adesão a discursos maior do que se pode imaginar.

Saber que o Conselho é bom ou mau é outra história, da qual não se pode antecipar muito bem o final. Por hora, trabalhamos apenas no campo das especulações: muitas possibilidades, poucas certezas.

Ricardo Kotsho, por exemplo, diz que: “o objetivo central da criação do CFJ -a exemplo do que há muito ocorre com advogados, médicos, economistas e outras categorias- é exatamente defender a dignidade e a ética exigidas no exercício da profissão, para garantir à sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade para alguns profissionais e algumas empresas divulgarem o que bem entendem a serviço dos seus interesses”.

Alberto Dines, por outro lado, acredita que: “A iniciativa é a mais inábil e atarantada já produzida na esfera da imprensa por algum governo desde a redemocratização em 1985. Tanto no espírito como na forma é rigorosamente autoritária e corporativa. A oportunidade, a justificativa e o conteúdo não poderiam ser mais funestos e inconvenientes. Parece homenagem ao onipotente Estado Novo com toques de Mussolini, George W. Bush e Hugo Chávez”.

Enquanto o Kotsho afirma que “o governo não terá nenhuma ingerência nesse assunto: trata-se de uma iniciativa dos próprios jornalistas, que indicarão livremente os integrantes do conselho e zelarão pelo cumprimento das normas de conduta estabelecidas no projeto, que agora vai à discussão no Congresso Nacional”, Dines acredita que “acossado por uma saraivada de acusações disparadas por uma parte da imprensa contra membros da sua equipe econômica, o governo fez a opção mais desastrada: enviou ao Congresso um antiquado e controverso projeto para a criação do Conselho Federal de Jornalismo”.

Os jornalistas presentes no 31º Congresso Nacional dos Jornalistas, que aconteceu no início do mês, em João Pessoa dizem que:

“É essencial que a categoria [dos jornalistas] e a sociedade possam contar com um instrumento como o CFJ que estará a serviço do interesse público, da ética, da democracia e da pluralidade no jornalismo. Bem ao contrário de permitir o cerceamento à liberdade de expressão e de imprensa, o Conselho Federal vem justamente para enfrentar e combater a manipulação da informação, a distorção de fatos e as práticas jornalísticas que privilegiam interesses escusos em detrimento do cumprimento da função social do jornalismo”.

Dines afirma que “Jornalistas não precisam ser protegidos pelo Executivo, ao contrário, precisam libertar-se das amarras do poder político. O exercício do jornalismo deve ser livre de constrangimentos e filiações suspeitas”.

É interessante destacar, contudo, que Dines não cita as filiações suspeitas que já existem hoje na imprensa. Nem leva em consideração que essa liberdade que ele defende e essa independência – quase onipotência – do jornalista só existe no discursa. Dines parece esquecer-se também que ele mesmo, no Observatório da Imprensa, cansou de denunciar “constrangimentos e filiações suspeitas” no jornalismo brasileiro.

É certo que, além de criticar, Dines aponta caminhos interessantes que, contudo, poderiam ter ser apontados não como alternativa à idéia do Conselho (que ele parece abster-se de discutir a sério), mas como algo mais.

Uma das idéia propostas por Dines é a seguinte: “Se o governo preocupa-se com a lei da selva que impera nos rincões obscuros da nossa mídia deveria imediatamente acionar o debate para a instituição de uma agência reguladora nos moldes da americana FCC (Federal Communications Comission), criada por Franklin Delano Roosevelt, ou sua equivalente inglesa, a IBA (Independent Broadcasting Authority). Esta é a conduta correta, democrática, liberal e libertária, efetivamente progressista”.

Não vou discutir aqui o termo “progressista” utilizado por Dines que, às vezes, parece denunciar uma veia positivista em todo esse discurso de oposição ao conselho e de ode ao jornalismo independente (que, curiosamente, é defendido tanto pelos defensores quanto pelos detratores do CFJ).

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Agora, depois de uma semana em cima do muro, vou assumir uma posição nessa conversa sobre o CFJ.

Primeiro: acredito que o projeto do conselho não passa especialmente por causa da pressão da mídia e da manipulação, denunciada por Kotsho, do noticiário sobre o CFJ.

Segundo: se o passar, não há como negar que há um grande risco da entidade tornar-se mais uma Instituição de fachada, sem força alguma, passível de manipulação de vários tipos e não apenas governamental, como dizem os detratores do projeto.

Terceiro: não acredito em ações verticalizadas. Não há como tentar regular a atividade jornalística de cima para baixo. Quer dizer, dá pra regular questões trabalhistas, mas assuntos de ética não abordados assim. Não se cala jornalistas desse jeito, especialmente com a Internet.

Um Conselho que deliberasse sobre questões éticas deveria ter em seu quadro representantes da sociedade civil, mas não qualquer tipo de representante. Seria preciso a presença de pessoas com um mínimo de conhecimento dos processos comunicacionais e jornalístico para analisar de forma justa a questão e, ao mesmo tempo, lutar para que o conselho atendesse ao interesse público da população.

Defendo um trabalho em escala micro e acho que a FENAJ e os Sindicatos deveriam procurar estabelecer parcerias com as universidades e escolas para disseminar o conhecimento midiático entre as pessoas. Uma população mais crítica é a única caminho para um jornalismo mais sério.

O resto é política e jogo de interesses. Interesses demais até.

E é isso.

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quarta-feira, agosto 11, 2004

PSICOPOEMASDEAMOR



VEM AQUI
Para Carissa

Vem aqui,
que meu querer hoje
é mais intenso:
é vontade de chegar ao osso
do peito.
É um querer que te quer
pelo avesso.
Querer que se quer
mais extenso
para estar longe do insosso,
essa coisa que --
sem língua --
não pode sentir o teu gosto.

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terça-feira, agosto 10, 2004

CONSELHO DE JORNALISMO???

O "post" mais recente do blogue do Zé, o outro de hoje é este abaixo, que achei que merecia ser reproduzido aqui no Psicotópicos:

Rola no Brasil de hoje uma discussão sobre um projeto do governo Lula que cria um Conselho Federal de Jornalismo. Assim como já existe para médicos, psicólogos, odontólogos, engenheiros, arquitentos, enfermeiros, assistentes sociais, etc. Para jornalismo não há. Importância do projeto: penso que normatizar discussões sobre a liberdade de imprensa no âmbito da categoria, já que essa teria a determinação de fiscalizar o exercício profissional. Assiste-se a uma forte reação contra a proposta: Rede Globo, Folha de São Paulo, etc e etc. Instituições preocupadas com o cerceamento. Ora, mas busca-se o contrário com essa proposta, já que se inventa uma instituição de abrangência nacional e de caráter público para encaminhar as questões referentes ao jornalismo. Na verdade o que se chama de liberdade de imprensa hoje significa interesse de empresa. O jornalista profissional apita quase nada. Mas a gente consome o que os caras digitam. E aí? Acho que é hora da sociedade se posicionar. Se um outro mundo é possível, o caminho é transformando o que se tem. Você colocaria a administração da saúde pública nas mãos dos donos de hospitais? Porque então deixar a administração da informação pública nas mãos, apenas, dos donos dos meios de comunicação? Ta na hora de falar. (Zé, O outro)

O Psico aqui, a princípio, é favorável à criação de uma espécie de Conselho de Jornalismo, mas devo dizer que fiquei assustado com o caráter desta proposta em discussão no momento.

Toda vez que se pensa em Conselheiros, deve-se pensar nos critérios de escolha dosses conselheiros. Qua critérios qualificam uma pessoa a dar conselhos, a arbitrar sobre esta ou aquela questão?

Pra mim, tamanha idoneidade não existe numa só pessoa. Como diz a célebre frase, "quem pensa sozinho, pensa errado", especialmente em questões que envolvem ética, um conceito sobre o qual nunca se chega a um consenso hoje em dia.

Concordo inteiramente com o Zé, quando ele diz que "tá na hora de falar". Num momento como esse, o que precisamos é, sobretudo, falar, comentar, discutir, contestar, opinar, sugerir...

E já que o negócio é opinar, aqui vai: acho que, mais importante do que a criação de um Conselho Federal de Jornalismo seria a criação de fóruns de discussão de mídia, nos moldes do Observatório da Imprensa. É preciso (e venho repetindo isso a décadas aqui no Psicotópicos) colocar a mídia (e não apenas o jornalismo) no centro de nossas discussões, pois ele é essencial para o funcionamento do mundo moderno (para o bem ou para o mal).

E vou mais longe, acho que Comunicação Social deveria ser matéria obrigatória nos currículos Ensino Médio do país. Acho que professores de ensino fundamental e médio deveriam participar intensamente de discussões sobre a mídia, aprendendo a desenvolver um olhar mais crítico sobre a coisa.

Quem deveria compor um conselho de jornalismo deveria ser a própria sociedade, mais apta que o governo para "dar pitacos" nesse assunto. Afinal, é isso que chamamos interesse público! E é com isso que o jornalismo sério deveria trabalhar.

Só que, repito: pra opinar, a sociedade precisa entender. Parafraseando o Duda Mendonça: não basta consumir informação, é preciso entender. Não basta entender, é preciso criticar.

Por hoje, é isso. Abaixo, mais portas...

Para maiores informações, leia o que saiu na mídia sobre a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo

Comentários, neste momento, são mais bem-vindos do que nunca!

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MUITO BARULHO POR NADA OU O SILÊNCIO POR ALGUMA COISA



"(...) já cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho, dou-lhe o meu silêncio".

Há dias e dias: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Não sei de que mundos fala Nassar. Talvez daquele do qual apartou-se: o “espetacularista" mundo literário -- com seus saraus, suas noites de autógrafos e seus modismos...

Pode ser isso, e pode não ser.

Pode ser que ele fale de um mundo moderno que cansa um homem acostumado às “lavouras arcaicas”: um homem que, quando criança, olhava as galinhas e dizia que seu sonho era ser criador.

Paradoxo: não criando, em seu silêncio, Raduan criava barulho. Criando, escrevendo, buscava destruir o barulho que ele mesmo criava.

Parece estranho um escritor de textos tão pungentes falar silêncio. Talvez o faça porque a estranheza, muitas vezes, nos faz calar, perplexos. Talvez o silêncio, para Raduan, seja um sonho que ele persegue fazendo barulho, algo que ele busca em seu avesso.

Mas de paradoxal, bastam os “claricínios”...

O silêncio do blogue, serviu para fazer barulho. Muitas vezes tocamos as pessoas pelo avesso e se isso não é o melhor caminho para tocar é, ainda assim, caminho.

Por aqui, continuamos fazendo barulho, mesmo em silêncio.

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segunda-feira, agosto 09, 2004

PSICOPOEMAS



SUBIDAS

De longe,
a escada ria
da gente.

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FRASE DO DIA - Mais uma segunda-feira...



"(...) já cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho, dou-lhe o meu silêncio".
(Raduan Nassar)

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sexta-feira, agosto 06, 2004

SEI LÁ... DEVE SER INUTILIDADE PÚBLICA



Já não garanto que o "post" conspiratório sobre o Orkut seja verdadeiro. Aliás, pra falar a verdade, estou cada vez mais de saco cheio com esse troço que, começo a desconfiar, só se presta para dar margem a trocadilhos.

Mas tudo bem. Estou até com preguiça de mudar minha nacionalidade no profile. Estranho. Sinto-me bem pertencendo a Serra Leoa. Quase um militante.

Ah, que mentira! Na verdade é só preguiça mesmo. Acontece, né? Ou não? Sei lá...

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quinta-feira, agosto 05, 2004

PSICOPOEMAS



PRETO NO BRANCO

E a gente pensando
que estava tudo certo,
tudo preto no branco
tudo às claras –
em neve.

E, olhando agora,
mais de perto,
tá tudo tão distorcido,
tão bonito e tão incerto:
inclusão de oásis em nosso deserto.

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UTILIDADE PÚBLICA



ESTADOS UNIDOS ESTÃO FERRANDO O ORKUT DOS BRASILEIROS!!!

Pessoas pessoas, parece que o boicote contra brasileiro é mais forte do que imaginávamos. Recebi um e-mail numa das listas de discussão que participo, dizendo que a lentidão do Orkut nas últimas semanas tem a ver com um "programinha" que o pessoal do Site colocou pra rastrear - e tornar mais lenta - a navegação dos brasileiros no Orkut.

Duvidei, a princípio, achando a idéia conspiratória demais. Mas é aquela história: não acredito nas bruxas, mas que elas existem, existem. Mudei meu país de origem para Serra Leoa no profile (pra não colocar EUA, que seria nojento), pra ver se a velocidade iria aumentar. "Num é que coiso"? Ficou muito mais rápido mesmo.

Aconselho que vocês mesmos façam o teste, pra ver qual é.

Mó palhaçada isso! Por enquanto, sou de Serra Leoa, mas sigo falando em português.

(Para ler na íntegra o e-mail que recebi (não garanto a veracidade da fonte) Clique aqui.

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terça-feira, agosto 03, 2004

FALO PORQUE FALHO



É incrível a quantidade de pessoas insatisfeitas com o próprio trabalho no mundo. Inteligências desperdiçadas em tarefas imbecilizantes: submergindo num desprezível universo de burocracia e falso poder – que, embora falso, é suficientemente real para oprimir, para desumanizar, para fazer “dexistir” – deixar de existir por desistir dos próprios projetos, das coisas que realmente importam e fazem algum sentido.

Ao lado disso tudo, um absurdo desencantamento com o mundo. A única coisa que mereceria nossa crença inamovível – a vida, o viver, o estar no mundo, interagindo com ele de forma harmônica – perde a força, pois, em vista de uma realidade de concreto, que a toda hora “se desmancha no ar”. Acreditar na vida se torna difícil: seu sentido nos escapa; já não conseguimos mais tocá-la. O falso-real oblitera nossa visão. Este simulacro de vida toma conta de tudo e torna-se difícil ver além dos muros de concreto, das telas de computador, das páginas dos jornais...

Estamos carentes de vida.

Ao falar disso, sempre corremos o risco de aproximarmo-nos do discurso religioso, mas esta não é a idéia por aqui. Antes, queremos fazer um elogio da vida plena, do viver-vivendo, experimentando, sentindo.

O sentido só pode ser encontrado no sentido.

O pensamento precisa menos ter sentido do que ser sentido. É preciso apreendê-lo em funcionamento, torná-lo palpável – e pautável. É preciso colocá-lo no centro da discussão. A vida também está aí, no pensamento, na reorganização das formas, na (re)criação de novas formas de sentir, de estar no mundo. Formas mais prazerosas, mais amplas.

É preciso abrir-se para o mundo: impregnar-se dele, lambuzar-se nele, sujar-se, molhar-se, comê-lo, senti-lo em cada poro do nosso corpo. É preciso entregar-se ao mundo sem mediadores.

Precisamos diminuir as distâncias entre os mundos. O meu, o seu, o do seu vizinho. Não falo aqui de distâncias físicas, apenas, mas de distâncias simbólicas: falo de aprendermos a ver, a viver, a sentir como o outro. Falo de falar e de ouvir para ser compreendido e compreender. Para ser sentido e parar sentir o sentido do outro.

Precisamos recriar tudo: reconstruirmo-nos a partir de nossos próprios escombros. Precisamos revirar o lixo, em busca da boa coisa que, num momento de raiva ou insanidade, jogamos fora, pensando estar velho ou podre. Precisamos revisitar, revisar, regurgitar: precisamos mundanizar.

Falo, porque falho: do contrário, estaria tocando pessoas. A palavras são meio: não são nem o começo, nem o fim.

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