DA GLOBO E DO JORNAL NACIONAL: avanços e retrocessos.
Não sei se acontece nas repetidoras, mas para quem tem parabólica a Globo tem veiculado uma série de campanhas publicitária de conscientização sobre diversos temas, como desarmamento, trânsito, saúde, sexo seguro e outros. Isso, assim como os “inserts” do Canal Futura são pequenas contribuições da Globo à cidadania em nosso país. Ponto.
Elogio feito, passemos ao puxão de orelha – que é pra ninguém cair na besteira de acreditar na bondade global. Campanhas como essas são o mínimo do mínimo que as redes de TV, enquanto concessões públicas, têm obrigação de fazer pela sociedade. Embora louváveis, são iniciativas que assumem proporções microscópicas quando comparadas às mazelas históricas das TVs, com destaque para a Rede Globo, como o apoio/vista grossa à Ditadura Militar, a ignorância proposital da campanha pelas Diretas Já, em 1984, o apoio à candidatura de Fernando Collor, em 1989, e outras contribuições aos descaminhos da “Terra Brasilis” ao longo das últimas cinco décadas. Espaços para discussão de temas ligados à cidadania precisam ser ampliados – e muito – para que a TV cumpra de fato sua função social.
Trouxe este assunto à baila por dois motivos. O primeiro foi a matéria especial, veiculada ontem pelo Jornal Nacional, sobre violência doméstica. Reportagens são um poderoso instrumento jornalístico para trazer ao espaço público temas polêmicos e fundamentais. O Jornal da Globo, apesar da pouca audiência (alta para o horário, baixa em relação aos índices do JN) também realiza um trabalho que merece elogios (contidos, mas elogios ainda). A série de reportagens, realizadas pela âncora do noticiário, sobre a situação da mulher em diversos cantos do mundo (como Colômbia, Índia, Afeganistão e Islândia) foi belíssima. (Além disso – aqui vai uma preferência muito particular – a Ana Paula Padrão é uma gracinha).
Creio que não por acaso, no intervalo que precedeu à veiculação da matéria sobre violência doméstica no JN, a Globo levou ao ar um filme de cerca de 30 segundos, na linha das campanhas veiculadas acima, sobre o mesmo assunto que seria abordado pela matéria anunciada no bloco anterior. O filme, que mostrava um grupo de amigos num bar repreendendo um dos colegas por ter espancado a mulher novamente, dizendo que a bebida não justificava essa atitude, terminava com a seguinte frase: “Homem que é homem, não bate”. Nesse ponto, um lance cômico: logo após a frase que acabei de citar, entrou no ar uma propaganda do novo DVD de Pepeu Gomes, que começava com o músico cantando: “Ser um homem feminino não fere o meu lado masculino”. O efeito de continuidade, no qual a música de Pepeu Gomes parecia complementar o filme anterior, foi forte. Tudo pode não ter passado de “mera coincidência”, mas – cá entre nós – acho que foi uma grande brincadeira dos editores que acabou dando certo.
Outra coisa sobre a qual queria escrever há algum tempo é daquelas charges do Chico no JN. Sejam sinceros agora: alguém consegue achar graça naquele troço? Da minha cabeça ninguém tira a idéia de que aquilo não passa de uma estratégia da Globo para alfinetar o governo de vez em quando sem comprometer a aura de imparcialidade e assepsia do Jornal Nacional.
A outra pulga que fez morada atrás de minha orelha enquanto eu assistia ao JN veio das matérias sobre as manifestações de “estudantes, punks e sem terra” contra o governo, ocorridas em Brasília ontem. A Globo dedicou um bloco inteirinho do Jornal Nacional para falar de eventos desse tipo, começando em Brasília e passando por conflitos entre sem-terras e ruralistas no interior do país. Não me estranha a Globo cobrir esse tipo de acontecimento, afinal, tratam-se de fatos que se enquadram perfeitamente no conceito de “fato jornalístico”, de interesse público. O que estranha é que, no governo anterior, fatos como esses, quando aconteciam, não recebiam tanto destaque quanto hoje. Basta observar o silêncio (ou no máximo os sussurros) da mídia com relação aos protestos realizados na primeira edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, anos atrás. Para mim, das duas, uma: ou a sociedade civil acordou, aproveitando a energia simbólica liberada pela ascensão de um governo de esquerda ao poder (por mais afinado que ele ande com o discurso neoliberal); ou interessava à mídia manter uma aparência de calma e estabilidade em torno do governo FHC.
Sei que pareço conspiratório, mas acredito que em se tratando de Rede Globo é sempre guardar um pé atrás.
Anteontem acompanhei uma discussão sobre história, memória e identidade cultural no seminário acadêmico promovido pela faculdade em que estudo, aqui em Guarapari. Participaram do debate os professores da Universidade Federal do Espírito Santo, a doutora em história, Juçara Leite, e o doutorando em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense, José Antônio Martinuzzo. Em suas exposições, ambos os debatedores enfatizaram que a história oficial é feita menos de memória do que de esquecimentos. Na seleção do que merece ou não ser relembrado, o passado é distorcido e a representação social da realidade pode ser manipulada, para atender a fins mais ou menos escusos, dependendo dos contextos.
O curioso é que, dias atrás, foi exatamente isso que eu disse ao Kleber de Mateus, respondendo a um comentário dele sobre o “post” “O Fim da Utopia”, quando ele disse que não acreditava na possibilidade de concretização de projetos de resistência porque , segundo ele: “Basta que olhemos para a história, e as revoluções - ´rupturas com a ordem estabelecida´ - sempre tem, em algo de seu ideal de renovação, algum ponto em que entre em questão a produtividade”. Naquela oportunidade, valia dizer também que no livro do Gabeira, de onde extraí o texto sobre Marcuse, estão registradas uma série de experiências alternativas que passavam longe disso. Resta-nos fazer a pergunta impertinente: por que essas iniciativas caíram no esquecimento?
Nesse debate ao qual me referi, Martinuzzo usou um conceito de “lugares de memória” (não me recordo agora de qual teórico) para falar da importância de criarmos espaços para a memória não-hegemônica, algo que tenho tentado fazer aqui no Psicotópicos, apesar das limitações.
Não tive oportunidade de dizer isso a ele, mas creio que ele concordaria que comentar e criticar o conteúdo jornalístico emitido especialmente pela televisão é uma maneira de garantir “lugares de memória” alternativa para diversos acontecimentos. Pode-se dizer que a imagem televisiva, com seu caráter fugidio, é quase uma metáfora do presente (de Grego?). Congelando-a e transferindo-a para outros suportes é possível ter emitir sobre a imagem e sobre o discurso televisivo um outro tipo de olhar, capaz de nos levar em diversas direções. É isso que tento, vez ou outra, fazer por aqui.
Para encerrar a sessão JN de hoje, só queria dizer que o Espírito Santo apareceu novamente em rede nacional. Pra variar, as noticias eram péssimas: (1) os ataques/incêndios aos ônibus da linha municipal por parte de ex-presidiários (???) que, segundo especula “A Gazeta” (o jornalão local) poderiam ter ligação com o Comando Vermelho (???); (2) a prisão de um juiz de Vila Velha com o bolso cheio de comprimidos de Ecstasy.
Comentários: (1) o caso dos ônibus, pra mim, ainda está muito mal explicado. Por que – diabos! – o crime organizado desembestou a atacar ônibus velhos assim, sem mais nem menos? (Não sei porque, mas essa situação remeteu-me a “Era uma vez na América”, o clássico de Sérgio Leone sobre o submundo de Nova York); (2) o caso do juiz – positivamente, num sentido – joga mais lama na imagem dos “doutores da lei” no Brasil. Mesmo que ele seja inocente e os comprimidos tenham sido “plantados” no bolso dele como ele diz (não podemos correr aqui o risco de julgar precipitadamente a figura), o incidente faz pensar: creio que não há ninguém que não conheça (ainda que “por tabela”) pelo menos um ou outro juizinho que é chegado nuns entorpecentes ilícitos de vez em quando; o engraçado, nessa situação, é que quando se fala em legalização, ninguém quer dar a cara à tapa e abrir o jogo. Pergunta infantil: será que tem alguém “grande” ganhando com isso?
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Bom, basta de conspirações por hoje. Fechemos a conta enquanto outros lavam a égua.
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