PSICOTÓPICO DIRETO DE BRASÍLIA
O ACESSO A INFORMAÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA
Por Bianca Cardoso
“Os esquecimentos e silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva”. (Jacques Le Goff)
Documentos que contenham informações que possam colocar em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, e da imagem das pessoas são considerados documentos sigilosos. Possuem acesso restrito. Existe uma Lei no Brasil, a Lei 8.159, a Lei dos Arquivos, que determina que o acesso a documentos considerados sigilosos, não deve ultrapassar o período de 30 anos. Esse prazo pode ser prorrogado, por uma única vez, por igual período.
Em 27/12/2002, foi assinado pelo ex-presidente FHC, um decreto, n. 4.553, que regulamenta o acesso a informações sigilosas produzidas no âmbito da Administração Pública Federal. Esse decreto estipula que documentos classificados como ultra-secretos, serão mantidos como sigilosos pelo prazo de 50 anos, e que este poderá ser renovado indefinidamente. Ferindo um dos artigos da Lei dos Arquivos que garante o direito de acesso pleno aos documentos públicos. Esse decreto que entrou em vigor no primeiro ano de mandato do Governo Lula, revogou outros três decretos. Entre eles o decreto 2.134, que estipulava que a classificação de documento na categoria ultra-secreta somente poderá ser feita pelos chefes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário federais. No atual decreto 4.553, a competência é estendida a Ministros de Estado e aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
O período da Ditadura Militar no Brasil durou oficialmente de 1964 a 1985. Foi um movimento político-militar deflagrado em 31 de março de 1964 com o objetivo de depor o governo do presidente João Goulart. Sua vitória acarretou profundas modificações na organização política do país, bem como na vida econômica e social. É um período marcado por autoritarismo, supressão dos direitos constitucionais, perseguição policial e militar, prisão e tortura dos opositores e pela censura prévia aos meios de comunicação.
O golpe militar completou 40 anos este ano. Toda a documentação referente à época e principalmente a documentação produzida pelos órgãos e departamentos responsáveis pela repressão legal, como os DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e os DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), estão com seus prazos de acesso, segundo a Lei dos Arquivos, findos. Mas muitos documentos não podem ser consultados por pesquisadores por causa do decreto 4.553.
A Lei autoriza determinadas pessoas ou grupos como movimentos ligados aos direitos humanos, ou organizações de vítimas da ditadura a consultarem esses documentos, com autorização prévia da autoridade competente, para obterem indenizações ou retratações públicas. Mas a questão é que toda essa documentação poderia auxiliar no processo de reconstrução da memória de um período muito importante da história brasileira.
O Governo Lula ainda não revogou o decreto e recentemente, a Revista Veja publicou que ele e seu governo não acreditam que a possibilidade de acesso a esses arquivos possa auxiliar nos casos das vítimas do Regime Militar. Mas a importância desses documentos não reside apenas na questão de que seja feita a justiça. Esses documentos, principalmente os produzidos pelos órgãos de repressão política, mostram suas rotinas, os relatórios de agentes infiltrados, depoimentos de presos políticos, comunicações entre órgãos de informação de outros países. É uma documentação extremamente delicada que pode não indicar culpados, mas talvez ajude a entender como o Brasil passou 21 anos mergulhado em um regime tão autoritário e repressor.
Recentemente surgiram fotos na imprensa que seriam de torturas sofridas pelo jornalista Wladimir Herzog. As fotos na verdade eram de um padre canadense que sofreu nos porões da ditadura. Mas o que ocorreu de mais grave, com a veiculação das fotos na imprensa, foi a reação do Exército Brasileiro que divulgou uma nota afirmando que: “o Exército brasileiro, obedecendo ao clamor popular, integrou, juntamente com as demais Forças Armadas, a Polícia Federal e as polícias militares e civis estaduais, uma força de pacificação que logrou retomar o Brasil à normalidade.” Eles tiveram a coragem de afirmar que tortura, repressão e desrespeito aos direitos humanos são formas de pacificação. Mostrando que as Forças Armadas do Brasil ainda tem muito o que aprender sobre o período da Ditadura.
A Ditadura Militar é um período muito recente da História Brasileira. A divulgação de informações contidas nesses documentos pode acarretar conseqüências para determinadas pessoas. Os governos brasileiros que sucederam o período ditatorial vêm tentando criar mecanismos legais para a reparação moral e financeira das vítimas e seus familiares. Só que esse também é um período desconhecido da maioria dos brasileiros. Nas escolas, a história brasileira ainda é ensinada através de fatos, sem discussão, sem contexto, sem conseqüências. A abertura desses arquivos pode auxiliar na reconstrução da memória histórica nacional. Dando aos brasileiros, principalmente aos mais jovens, uma visão mais ampla do que foi a ditadura militar e as suas conseqüências para o processo histórico, social, econômico e político brasileiro. É uma questão de conhecimento e reestruturação da memória coletiva.
Texto baseado e com idéias tiradas de duas palestras:
A Lei 9.140/95 – limites e avanços. Proferida por Nilmário Miranda, Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
DEOPS/SP: visita ao centro da mentalidade autoritária. Proferida pela Professora Drº Maria Aparecida Aquino.
Ocorridas no I Congresso Nacional de Arquivologia, realizado em Brasília no período de 23 a 26 de novembro de 2004.
(A Srta. Bianca Cardoso, autora do texto acima, é FORMADA em Arquivologia e Publisher do blogue Notícias do Mundo de Cá. Esse texto, recebi ontem, logo depois de ler no portal do “Click 21” que o Grêmio acabara de ser matematicamente rebaixado para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Quem compartilha desse vício futebolístico, deve saber o que eu estava sentindo. O e-mail da Bianca serviu pra me deixar mais animado. É sempre bom ter colaboradores desse nível. Valeu Bianca. Como diria o clichê, o Psicotópicos “está de portas abertas”. Bem, quando a mim... devo dizer que este não é um dia de primeira. Aliás, faço das palavras de Garfield as minhas para dizer: “eu odeio segundas-feiras”. ´mabraço).
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