Lembro bem de apenas um trecho do quadro “Adolescentes”, que até pouco tempo passava no Fantástico, sob a batuta de Regina Case. O tema em discussão naquela noite era vaidade. Foram ouvidos dois universos: o das patricinhas de classe média alta e o das “patricinhas” da periferia. O primeiro fato que merece destaque é a o fato de que as “patricinhas” da periferia perseguem o estilo de vida das da classe média (sempre com desvantagem). Os objetivos são os mesmos, mas a dificuldade para alcançá-los é infinitamente maior. Geralmente, quem paga pela vaidade das jovens são os pais.
O segundo ponto, e aqui entramos no tema central deste texto, foi a unanimidade de ambos os grupos de “patricinhas” no que se refere à definição de qual a parte mais importante do corpo, aquela merecedora dos maiores cuidados. De forma quase unânime, as meninas escolheram: o cabelo. Até aí tudo bem. Acontece que no grupo das “patricinhas” da periferia, o problema é um pouco mais delicado e parece extrapolar os limites da vaidade pura e simples.
Grande parte das meninas entrevistadas por Regina Case era negra. O padrão de beleza perseguido, no entanto, era o branco, de cabelos lisos! Uma das meninas, falando sobre a quantidade de dinheiro que gasta mensalmente no salão de beleza com alisamento, referindo-se à raiz crespa do cabelo que começava a aparecer, disse: “são os ancestrais gritando”. Sem querer, com essa observação a adolescente apontava para um problema que já está incrustado na cabeça dos negros brasileiros. Não estou falando dos cabelos, mas do padrão branco/europeu de beleza. Um padrão que, aceito pela maioria e propagado pela mídia (como aponta Muniz Sodré), faz com que os negros brasileiros tentem esconder as próprias origens. Situações como esta demonstram que as estratégias de banqueamento da sociedade brasileira, que pontuam nossa história, podem não ter funcionado cem por cento, mas deixaram seqüelas difíceis de se remover.
Uma matéria do Site Repórter Social, que recebeu menção honrosa no 24º Prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo, aponta que esse tipo de preconceito – essa necessidade de torna-se branco para ser aceito, à maneira de Machado de Assis – é prática comum nas – pasmem! – escolas brasileiras. Não, não; não estou falando apenas que os alunos são preconceituosos (isso é quase óbvio). Estou dizendo é que as instituições de ensino brasileiras não fazem NADA para coibir essa prática. (Leiam a matéria completa).
E as escolas tupiniquins não acobertam apenas o preconceito racial. A matéria citada aponta vários tipos de desrespeito aos Direitos Humanos que florescem no ambiente escolar: intolerância religiosa, sexismo, discriminação contra deficientes físicos, pode-se encontrar de tudo. O uniforme escolar, que teoricamente deveria servir para “igualar” os alunos, perde o sentido quando nos deparamos com a situação das minorias nesse ambiente.
Quando as manifestações de preconceito limitam-se a espaços virtuais, como no caso do Orkut, comentado em outra ocasião, o mal existe, mas em menores proporções (o que não significa que não devamos combate-lo, é claro). Mas alguém já parou pra pensar qual na gravidade disso dentro do ambiente escolar? Como isso afeta a vida das crianças, de uma forma geral? Que tipo de adulto essas escolas preconceituosas ajudam a (de)formar? A matéria do Repórter Social dá uma pista...
“Tânia Portella, da equipe do Observatório da Educação, lembra que ninguém nasce racista, intolerante, desrespeitoso. “A gente vai formando essa percepção nas práticas do dia-a-dia. Se na escola você vê esse comportamento e ele não é combatido, você adota essa postura como natural e aceitável.” Única negra quando cursava o ensino fundamental, Tânia lembra que um dia seus colegas disseram que não queriam brincar com ela. Contou à professora, mas ela não falou nada. “Dessa forma você dá o aval para que a criança pratique intolerância”, observa a educadora, analista de questões raciais.
Tânia conta que numa discussão com educadores na Casa da Cultura da Mulher Negra, em Santos (SP), sobre a Lei 10.639/2003, que prevê o estudo de história da cultura afro-brasileira nas escolas, um dos professores, evangélico, definiu a lei como “coisa do diabo”.
A escola é a instituição que mais perpetua a discriminação, principalmente contra os negros”, diz Ivanir dos Santos, presidente do Centro de Articulação das Populações Marginalizas, no Rio de Janeiro. Ela conta que no Rio um dos problemas recentes é justamente a discriminação dos pentecostais contra outras religiões, principalmente as de matriz afro-brasileira.
O que mais assusta é ver esse discurso da intolerância por parte de educadores, que são formadores de opinião”, observa Tânia Portella. Ela cita ainda o caso de uma diretora de escola, ouvida por Raquel Oliveira em seu mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), que declarou não ser preconceituosa contra negros. “E se você tiver alunos homossexuais?”, indagou a pesquisadora. “Ah, aí também não!””
Essa discussão me remete a uma outra, que acompanhei no Blogue da Laura, sobre o que nos Estados Unidos é conhecido como "Bullying". Laura conta que “a maioria dos congressos de educação realizados nos USA e no Canadá têm discutido o "Bullying". Esse termo não apresenta tradução exata no português, mas é possível afirmar que se refere à prática de intimidação e constrangimento sofrida por crianças e jovens no ambiente escolar. Na maioria dos casos, o agressor tem a mesma idade de sua vítima. E, um alerta aos navegantes, esse não é um fenômeno presente apenas na terra dos gringos, segundo li numa revista de educação, o número de crianças que se queixa de ser humilhada física e moralmente aumenta a cada dia no Brasil. Sabe aquele menino ou menina gordinhos que são "carinhosamente" apelidados pelos colegas de "baleia", "rolha de poço" e "Free Willy"? Pois é , essa é uma das formas mais comuns de “Bullying” e, conforme afirma a maioria dos psicólogos, essa atitude vai aos poucos transformando a criança num ser inseguro, temeroso e propenso à depressão”. (ver blogue da Laura).
Depois disso, preciso perguntar: Que tipo de sociedade nossos professores e diretores estão ajudando a construir? Que país miscigenado é este, que faz com que meninas negras se submetam a sessões de tortura no cabeleireiro para alcançarem um ideal branco de beleza?
A presidente da ONG Escola de Gente, Cláudia Werneck, que lida com portadores de deficiência e a intolerância lingüística, acredita que a escola deve trabalhar com o conceito de diversidade, não só de tolerância. “Aí ninguém precisa ‘tolerar’ ninguém, porque todos vão respeitar as diferenças”, afirma. “Professores e alunos precisam estar preparados para aceitar a diversidade. As pessoas precisam aprender a respeitar não por pena, mas porque todos têm limitações e são diferentes entre si”.
O caminho apontado por Cláudia Werneck é interessante, mas antes de chegarmos a ele, precisamos tomar estradas tortuosas. Uma delas, é observar da escola mais de perto, exigir professores qualificados não apenas academicamente, mas “humanamente”. A idéia de instituir a disciplina Direitos Humanos no currículo do ensino fundamental pode ser interessante, assim como o desenvolvimento de atividades que favoreçam a integração entre os estudantes e escolas.
Vale ressaltar que, muitas vezes, o problema está na própria família da criança, por isso, a ação no sentido de preparar as escolas para lidarem com isso deve ser conjunta. É preciso que todas as escolas tenham um mínimo de consciência acerca da necessidade do respeito aos Direitos Humanos. Professores tacanhas, que defendem a tese de que Direitos Humanos só servem para defender bandido deveriam ser banidos do sistema educacional brasileiro (e mundial).
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Toda essa discussão mereceria um debate mais amplo, que extrapolaria os limites deste “post”. O ideal é que continuemos essa conversa nos comentários, pra ver até onde ela chega. Pra começar, digam aí: que tipo de atitude vocês acham que deveria ser tomada para mudar essa realidade?
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