quinta-feira, setembro 23, 2004

OP, Porto Alegre, Jornalismo, Bolsa Escola e PT



O que mantém o PT há 16 anos no poder em Porto Alegre é uma coisa chamada Orçamento Participativo (OP). A inclusão dos cidadãos, por meio da participação ativa das comunidades na escolha do destino das verbas municipais, impediu que Maluf´s da vida construíssem viadutos que não diminuem engarrafamentos ou pontes que ligam nada a lugar nenhum.

Aqui em Guarapari, as eleições municipais têm deixado claro esse processo. Dos candidatos a prefeito, quatro dos três concorrentes já exerceram o cargo pelo menos uma vez. A campanha, neste caso, implica em propagandear as obras realizadas com o dinheiro do povo: vangloriar-se de ter feito nada mais do que a obrigação.

Com o orçamento participativo a transparência na administração é maior. Há como o cidadão decidir onde o dinheiro da prefeitura (que é dele, na verdade) será investido e acompanhar como esse dinheiro foi investido.



O OP transformou Porto Alegre na capital modelo da esquerda no mundo e este é, vale dizer, um dos motivos pelo qual ela hospeda o Fórum Social Mundial e tornou-se referência.

Como precisa de mobilização da população para funcionar, o OP ajuda desenvolver nas pessoas princípios de cidadania. Com ele, é possível caminhar para uma democracia participativa, na qual os cidadãos é que de fato governam.

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Infelizmente, transparência é algo que não interessa à maioria dos políticos. Muito menos dividir o “poder” com a população. Talvez por isso o OP não agrade a muitos prefeitos e governadores.

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Muita gente coloca o neoliberalismo como único caminho possível para a “sociedade pós-industrial”, aparentando acreditar na falaciosa teoria do “fim da história” e usando o clichê hobbesiando que diz que “o homem é o lobo do homem” para nos convencer de que um sistema baseado em princípios mais solidários seria impossível.



A experiência de Porto Alegre vai no sentido contrário desse discurso, mostrando que, mesmo no mundo de hoje, é possível pensar no bem comum.
Um exemplo: a definição de onde será investido o dinheiro no orçamento participativo é feito por meio de reivindicações dos bairros em assembléias destinadas para este fim. Na história do projeto em Porto Alegre, constam exemplos de bairros que deveriam receber investimentos num determinado mês e abriam mão do benefício em favor de outro mais necessitado.



Pode-se alegar que este é um exemplo pontual, uma exceção à regra. Mas não é. Exemplos como este pululam no Fórum Social Mundial, o que mostra que o problema, muitas vezes, está na pouca visibilidade que se dá a iniciativas desse tipo. E aí chegamos mais uma vez à questão da responsabilidade social do jornalismo.

Na minha modesta opinião de estudante, creio que para cumprir seu papel social no mundo contemporâneo, a mídia não deveria limitar-se à cobertura política mais-do-que-convencional, na qual só recebem destaques as intrigas palacianas e as articulações partidárias. Um jornalismo socialmente responsável deveria entender a democracia num sentido mais amplo, dando maior visibilidade aos movimentos sociais, ao terceiro setor, às minorias. Atender o interesse público numa sociedade multifacetada, significa privilegiar a diversidade, a multiplicidade de pensamentos, opiniões e estilos de vida.

O jornalismo brasileiro, hoje em dia, vai justamente na contramão dessa diversificação, dessa polifonia. A semelhança entre as publicações impressas e entre as coberturas televisivas é cada vez mais absurda. O padrão Globo se impôs de forma massacrante, com toda a homogeneidade e superficialidade espetacular que lhe são próprias.

Aqueles que se apegam aos “fatos” para justificar sua descrença no ser humano o fazem ou por ignorância ou por má fé. Ninguém pode apoiar-se, hoje em dia, nos fatos (num sentido de totalidade), mas em fatos. E se os fatos nos quais buscamos apoio resumem-se àqueles divulgados pela grande mídia, fica praticamente impossível justificar qualquer posicionamento diante da vida ou da humanidade.



O maior pecado do governo Lula é descumprir sua promessa de fazer um governo participativo, que tivesse como um dos princípios básicos o diálogo com a sociedade. As reclamações do terceiro setor com relação ao governo federal apontam nesse sentido.

Talvez avaliar com mais seriedade os exemplos da prefeitura do PT em Porto Alegre possa apontar caminhos para o PT de Lula reencontrar-se com as próprias origens, que estão lá nos movimentos sociais, no sindicalismo e na participação.



O exemplo do Bolsa Escola mostra como o governo Lula distanciou-se da realidade ao mergulhar num economicismo hermético que remete à administração neoliberal de FHC. Em seu blogue, Cristóvão Buarque denunciou que o governo não está acompanhando nem o desempenho nem a freqüência dos alunos que recebem o dinheiro do programa. Ou seja, o projeto transforma-se em puro assistencialismo, uma extensão do já tão criticado Fome Zero.

Criticado por todos os lados, o governo decidiu suspender o programa (que estava sendo utilizado para fins eleitoreiros em alguns municípios). Para quem recebia a bolsa, foi como dar com uma mão e retirar com a outra. Ponto negativo pro governo, pelo menos enquanto o projeto não for reformulado e mecanismos mais eficientes de fiscalização comecem a funcionar (quem sabe com a ajuda do terceiro setor?).



A saída de Gabeira do PT, já há um bom tempo, foi sintomática. O PT fez com Gabeira o que a mídia já fizera outrora com ele e com uma infinidade de pontos de vista alternativos (a diversidade comentada acima). Rotular Gabeira de excêntrico foi suficiente para tornar inválido o discurso do ex-guerrilheiro. Reforçaram, assim, a imagem caricata que a população tem de Gabeira.

Gabeira e Buarque foram duas figuras que o novo PT (federal) fez questão de marginalizar. As idéias de ambos talvez não dessem ao governo a visibilidade almejada. Visibilidade que Duda Mendonça consegue com muito mais eficiência, distribuindo bandeirinhas no 7 de Setembro.



Embora continue considerando que o PT ainda é (e por muito tempo continuará sendo) a melhor opção política no Brasil, é impossível não reconhecer o quanto este governo tem enfiado os pés pelas mãos, preferindo os holofotes às medidas discretas e eficientes.

Repito, o PT precisa se reencontrar com suas origens e valorizar mais as boas idéias que surgem de cabeças privilegiadas dentro do partido. Se não fizer isso, o processo de esvaziamento vai se intensificar cada vez mais, até não haver mais volta.

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quarta-feira, setembro 22, 2004

CARISSACARISSACARISSACARISSA!!!


O nosso amor (e os nossos dinossauros) a
gente inventa...



22
Para carissa

Um casal de patinhos (apaixonados)
na lagoa.
O par, que nem sempre foi
mas que agora só
ama junto.

22 de setembro:
astrolodia de virgens que
que já não são mais suicidas.
22 anos de um mundo com mais cores,
linhas, tortas, segredos
e liquidificadores.

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"O DIA DEPOIS DE AMANHÃ"



Assisti neste final de semana ao filme “O dia depois de amanhã”, que – preconceituosamente – eu me recusara a assistir no cinema em outra época, por acreditar tratar-se de apenas mais um “filme de tragédia” que ressalta o heroísmo estadunidense, à maneira de “Independence Day” (que é do mesmo diretor, inclusive: Roland Emmerich). Por um lado, eu estava certo. O filme é, em sua maior parte, “mais do mesmo”, segue a velha receita: efeitos especiais, superficialidade na abordagem dos conflitos psicológicos, trilhas sonoras melosas e interpretações “meia boca”.

Em alguns aspectos, no entanto, o filme conseguiu surpreender-me ou, pelo menos, deixar-me curioso. A crítica à “cabeçadurice” dos governantes yankees está presente desde o começo, quando, por razões econômicas e políticas, eles se recusam a dar crédito ao cientista que prevê a tragédia climática que está por vir. O alerta contra o presenteísmo contemporâneo que sempre nos inclina a relegar questões ambientais a um segundo plano perigoso, também está gravado na película. Mas o que mais impressiona mesmo é a forma como o filme admite a culpa norte-americana com relação à situação dos países de terceiro mundo.

Falemos mais disso.

No filme, a catástrofe climática concentra-se no hemisfério norte. Ou seja, Europa e EUA entrariam numa era do gelo, seriam dizimados. Diante dessa perspectiva, a única alternativa que se apresenta para os norte-americanos, é fugir para o hemisfério sul. O lugar seguro mais próximo é – olha a ironia – o México!

Numa das cenas do filme, uma multidão de norte-americanos tenta entrar no México, mas é impedida pelo paredão de concreto que os EUA construiu para controlar a imigração. O filme é muito debochado nessas sutilezas. Como quando o presidente norte-americano, por exemplo, agradece a hospitalidade dos países sul-americanos, os quais impuseram, como condição para essa hospitalidade, que os EUA perdoassem suas dívidas. E o paradoxo: os EUA não existem mais! Não há território norte-americano, indústria, casa branca, nada! De que vale esse perdão das dívidas? É fetichismo do capital?

É um filme engraçadíssimo. Vale a pena ver.


Talvez Lula pudesse ter citado este filme para falar aos representantes da ONU sobre a necessidade de se falar mais a sério sobre assuntos do “segundo plano”. A bandeira levantada por Lula foi a da luta contra a fome. A de “O Dia depois de amanhã” foi a da defesa do meio-ambiente. Para ser levado a sério, o discurso de Lula precisaria ser legitimado por tragédias “concretas”, ou seja, aquelas que realmente interferem no dia-a-dia dos cidadãos do primeiro mundo. A fome na África não comove ninguém. Está longe. Assim como o terrorismo internacional não nos diz muito aos latino-americanos, a fome é inaudível para o “povo do norte”.

O hedonismo “pós-moderno” abre perspectivas interessantes para uma vida mais “intensa”. Mas sozinho, o hedonismo vira estupidez. Precisamos reaprender a pensar no futuro como se ele fosse o dia depois de amanhã.

Podemos chamar este discurso de piegas, antes é preciso saber se esse rótulo é fruto de análise ou se é estratégia para calar vozes incômodas.



Além das alfinetadas, o filme consegue colocar em discussão de forma muito mais eficiente que outros filmes de tragédia a questão ambiental. Em megaproduções como Twister, por exemplo, os fenômenos climáticos constituíam apenas um pano de fundo para uma historinha de amor banal e um espetáculo de efeitos especiais (banalíssimos). A natureza, em Twister, era o vilão da história. Em “O dia depois de amanhã” isso não acontece.

Se o filme “força a barra” recorrendo a um quase-apocalipse para atrair nossa atenção para as os perigos do impacto ambiental causado pela modernidade capitalista/neoliberal, não erra ao fazer isso. Boa parte dos diálogos do filme é construído com base em dados reais, disponíveis em qualquer universidade ou banco de dados do Greenpeace.

Por falar em Greenpeace, o site Planeta Porto Alegre (ligado do Fórum Social Mundial), publicou esta semana um relatório da Ong sobre os perigos do aquecimento global. Vale a pena conferir alguns trechos do texto:

“Cada vez mais cientistas indicam as mudanças climáticas como as culpadas pela instabilidade dos padrões climáticos. A concentração de CO2 (principal causador do efeito estufa) na camada mais baixa da atmosfera tem agora o nível mais alto em pelo menos 420.000 anos – ou 20 bilhões de anos, para alguns. O patamar é 34% superior ao nível em que se encontrava antes da Revolução Industrial. Um aumento que tem se acelerado desde 1950”.

“Em agosto, a Agência Européia do Meio Ambiente (EEA, na sigla em inglês), publicou estudo examinando os impactos das mudanças no clima europeu. O relatório aponta aumento no número de inundações entre 1975 e 2001 -- inundações extremas, que, sugere ainda o relatório, aumentam em possibilidade graças às mudanças climáticas”.


Em “O dia depois de amanhã”, o mundo é pego de surpresa por mudanças súbitas no clima do planeta. A forma brusca como tudo acontece, não permitiu que qualquer tipo de providência fosse tomada a tempo, já que antes não se tivera o devido cuidado com as questões ambientais. Nesse ponto, as informações do Greenpeace também corroboram para o argumento do filme:

“A cada ano, o planeta deixa-nos espantados com fenômenos meteorológicos como as monções na Ásia e os tornados que assolam as Américas. Mas, não importa quão devastadoras, suas aparições sazonais permitiam antes uma espécie de continuidade e previsibilidade. Agora, com o aumento da incidência de fenômenos climáticos extremos, a previsibilidade é algo do passado”.

Para quem pensa que os tornados e furacões que devastam Los Angeles no filme “liberdade poética” hollywoodiana, mais Greenpeace:

“Este ano, a temporada de tornados mostrou de maneira dramática os perigos de um mundo assolado por fenômenos climáticos cada vez mais intensas. Os furacões Bonnie, Charley, Frances e, agora, Ivan, aportaram no Caribe e na Flórida. Em março, foi a vez da costa brasileira ser atingida por um tornado – a primeiro já registrado no Atlântico Sul. Essas tempestades resultaram em bilhões de dólares em danos, tirando a vida de grande quantidade de pessoas”.

“Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática de 2001, a previsão é de que os furacões continuem a crescer em tamanho e estragos causados, com ventos mais fortes e chuva mais intensa – tudo por conta do aquecimento global. Fenômenos climáticos dramáticos existem desde muito antes dos homens começarem a aquecer o planeta. Mas não podemos permitir que se cruzem os braços ao mesmo tempo em que os furacões tornam-se cada vez mais poderosos”.

“Não há dúvidas de que a Terra está ficando mais quente. A questão que importa mesmo é se conseguiremos domar nosso insaciável apetite por combustíveis fósseis -- e frear o colapso”.


Pelo que se pode deduzir a partir dos conflitos no Oriente Médio e na Chechênia, parece que os “apetite por combustíveis fósseis” está longe de ser domado.



São por essas e por outras razões que me irrita profundamente a caricaturização que a mídia e a opinião pública fazem de Fernando Gabeira. No Brasil, ele continua sendo uma das poucas vozes capaz de se manifestar, sensatamente, a favor da questão ambiental. E o que se faz com ele? Associa-se sua imagem à de um hippie anacrônico, que só faz defender a liberação da maconha e a união homossexual. Anacrônica, tacanha (e hipócrita), penso eu, é a postura da sociedade brasileira.



Não posso deixar de pensar no Espírito Santo e na euforia em torno da exploração de petróleo no litoral do estado. Em Guarapari, um município que pouco ou nada se beneficiará com a hipotética vinda das empresas petrolíferas para o estado, ainda tem muito político usando a promessa do petróleo como plataforma de campanha. Quem olha a questão com um pouco mais de profundidade, sabe que a plataforma é falida, que os investimentos da indústria do petróleo passarão longe da cidade saúde e que a mão de obra que será empregada nessas empresas virá toda de fora do estado.

Não bastasse a mentira do petróleo, um vereador municipal propôs, este ano, um bizarro projeto de lei para acabar com a reserva Paulo César Vinha (o “Parque de Setiba”), abrindo o espaço para a construção de condomínios fechados (para elite, como se fez com a “Aldeia da Praia” – há muitos anos – e com a “Praia dos Padres” – há pouco tempo), hotéis cinco estrelas (que não empregam a população local) e, até mesmo, um aeroporto internacional (numa cidade que recebe, a cada ano que passa, cada menos turistas). (Só pra constar, o vereador em questão deverá ser o mais votado na cidade nesta eleição).

Iniciativas como essa são comuns (e até esperadas) num país onde consciência ambiental é algo por fazer (aliás, num país onde quase tudo está por fazer, inclusive o próprio povo, como diria Darcy Ribeiro).



Incomuns e exemplares são iniciativas como a do fotógrafo Sebastião Salgado. E é com o exemplo do fotógrafo capixaba que eu gostaria de concluir este longo “post”. Falando sobre Salgado em seu blogue, Cristóvão Buarque comentou sobre a visita que fez a um projeto de recuperação da Mata Atlântica mantido pelo fotógrafo aqui no Espírito Santo:

“É surpreendente como uma floresta destruída pela ambição econômica e estupidez ecológica, como ocorreu com a Mata Atlântica, pode ser recuperada graças à vontade de duas pessoas e às dezenas de outras que eles dois (Salgado e a esposa, Lelia) mobilizam”.

“(...) o Brasil seria diferente se o que ele faz em Aymorés fosse adotado pelo Ministério do Meio Ambiente como um projeto nacional”.

“Levado a todo o País, plantando arvóres, recuperando nascentes de rios, fazendo renascer nossas florestas”.

“Em poucos anos, o Brasil seria outro. Sem perder o que tem de bom, teria recuperado o que tinha de bom e perdeu”.

“Não será possível repetir os "cinquenta anos em cinco", de JK, na indústria, na agricultura. Nem mesmo na educação e saúde isso é possível em pouco tempo. Mas é possível dar os passos necessários para recuperar nossas florestas em cinco anos, tanto quanto foi possível fazer uma nova capital”.

“A recuperação das florestas brasileiras, criando emprego e mudando a paisagem brasileira poderia ser a marca do governo Lula, tanto quanto Brasília foi a marca do governo JK.
Ainda é tempo. Se a ministra Marina tomar uns dias para visitar o Instituto Terra, ver o que Sebastião e Lelia fizeram em cinco anos, comparar a terra nua e seca ao lado, com a terra cheia de nascentes e florestas do Instituto Terra, ela certamente poderia repetir esta experiência em escala nacional”.

“Não é difícil. Tião e Lelia mostraram que duas pessoas podem fazer isso privadamente, em 900 ha. Muito mais poderemos fazer no País inteiro se o Presidente quiser”.

“Em cinco anos criaríamos empregos, plantaríamos árvores, mudaríamos a paisagem brasileira, daríamos uma virada no rumo destrutivo dos últimos cem anos, e deixaríamos uma marca definitiva do nosso governo”.

“Mas antes precisamos mudar de mentalidade”.

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terça-feira, setembro 21, 2004

TAUTOLOGIAS PRODUTIVAS



Como já advertia Borges, em seu conto “A Biblioteca de Babel”, “falar é incorrer em tautologias”. No texto PSICO (CADA VEZ MAIS) UTÓPICO, publicado aqui, falei sobre algumas idéias que venho gestando nos últimos anos. Não foi surpresa descobrir que alguém já pensara sobre isso em outra época. Essa sensação de esgotamento do mundo, já compartilhei em outra ocasião, comentando, justamente, o texto de Borges, citado acima. (Ver “post”, FALAR É INCORRER EM TAUTOLOGIAS).

Antes de mi, (bem antes), o teórico anarquista Proudhon desenvolvera o mutualismo. De um site sobre anarquia na Internet, tirei o seguinte texto:

Pierre Joseph Proudhon viveu entre 1809 e 1965, e nasceu de uma família pobre francesa. Aos 18 anos já trabalhou como tipógrafo, e em 1840 publicou o livro O que é a propriedade?, no qual afirmava que ela só causava danos à estrutura social. Sua crítica social conquistou um grande número de trabalhadores e suas idéias contribuíram para a transformação do anarquismo em movimento de massas.

Proudhon defendia a organização da sociedade sem nenhuma forma de autoridade imposta, e propunha o "mutualismo: a produção e o consumo ordenando-se em pequenas associações baseadas no auxílio mútuo entre as pessoas".

A frase grifada por mim, acima, mostra onde as minhas idéias afinam com as de Proudhon. Confesso que eu não conhecia as teorias do francês antes de escrever o utópico “post”. Fui pesquisar sobre anarquia porque sabia que minhas idéias iam nessa direção. Fiquei feliz em saber que não ando sozinho.

Com os visitantes, divido a “descoberta” e, para os que tiverem interesse, sugiro que façam como eu e procurem saber mais sobre a figurinha em questão.

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Um dos grandes defeitos de nossa sociedade é relegar certos pensadores a um segundo plano, dispensá-los a priori, geralmente rotulando-os de utópicos. Esse julgamento precitado é feito menos por ignorância do que por má fé. Pensamentos perigosos para a manutenção da (des)ordem vigente não devem ser muito comentados ou discutidos: essa é a “lei”. O que se faz com o pensamento anarquista é muito isso. Enquanto Marx foi canonizado, Bakunin, Proudhon e muitos outros, que desempenharam um papel fundamental na estruturação do movimento sindical no século passado, por exemplo, são quase que propositalmente esquecidos. Não tão estranhamente, hoje o próprio movimento sindical é esquecido, taxado de anacrônico, abandonado. Os senhores da história servem-se de mecanismos sutis para traçar nossos destinos. Parece teoria da conspiração. Talvez seja. Mas as bruxas estão por aí, fiquem espertos.

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sexta-feira, setembro 10, 2004

FACES DO MAL


Há pouco tempo, assisti ao documentário de Leni Riefentahl, a “cineasta de Hitler”, “O Triunfo da Vontade”. O que mais me impressionou no filme (além do domínio técnico da cineasta), foi a enorme semelhança entre o discurso de Hitler e o discurso dos políticos contemporâneos. Lula, Serra, Fernando Henrique, Collor, todo mundo, em algum momento, afina seu discurso com o do Fürer, seja para prometer uma sociedade mais igualitária, seja para exaltar a nação.

A diferença básica é que, no caso de Hitler, o discurso funcionava melhor, tinha mais apelo. Talvez porque fosse a parte visível de uma planta de raízes profundamente fincadas na demência. Talvez porque as sementes lançadas pelo alemão encontrassem solo mais fértil.


O que me intrigou no documentário foi justamente a absurda vocação do nazismo para agregar pessoas em torno da causa. E, sobretudo, a ânsia dos alemães por um líder, por uma figura que lhes dissesse o que fazer e para onde ir, alguém que parecesse suficientemente sólido para apoiar a nação enfraquecida. Era uma espécie de necessidade de dar um sentido às próprias vidas. As multidões mobilizadas por Hitler eram uma massa de sobrepujava o humano. Todo vestígio de pensamento livre desaparecia ali, dissipava-se. Bastava um comando do Fürer para ativar o exército de zumbis. A imagem é batida, mas as expressões daqueles rostos, captadas por Leni, não me deixavam ver diferente. Lobotomia, programação mental, lavagem cerebral, hipnose, chamem como quiserem. O fato é que tamanha unidade é assustadora.


Hoje, um discurso que não é político, mas religioso está conseguindo aglutinar pessoas tanto quanto o nazismo. A diferença é que agora não há UMA nação nem UM líder: há uma causa transcendente – a islâmica – e pequenos Hitler´s espalhados pelo mundo. Bomba atômica, neste caso, já não seria tão eficiente. Um “dia D” não seria tão determinante.

A guerra contra o terror é pontual. Avança de forma lenta. Pára, retrocede, recomeça, dissipa-se aqui para formar-se novamente acolá. Quanto Putin avisa que vai atacar bases terroristas em qualquer canto do mundo, sem aviso prévio, ele corre um enorme risco (o de causar conflitos diplomáticos e colocar fermento no conflito) para poder entrar no jogo deles. Jogo deles, sim, porque o fanatismo-religioso não tem pátria. É desterritorializado. Como “Ala”, está em todos os lugares e em lugar nenhum. E, no fundo, como ex-membro da KGB, Putin não ignora nada disso. O discurso, mais uma vez, serve para ocultar interesses escusos, que passam pela vontade de perpetuar-se no poder.


Mas por mais que seja reconfortante pensar que todo mal do mundo se resume ao terrorismo e aos líderes estúpidos que dizem querer combatê-lo, a realidade não se esgota aí. O mal assume varias formas. Está em vários lugares. A violência urbana é um exemplo.

Em matéria publicada no site de “O Globo”, li que a prefeitura de Diadema, em São Paulo, reduziu os índices de criminalidade instalando câmeras nos bairros mais violentos. É o medo fazendo as pessoas abrirem mão da privacidade. É o “Big Brother” atualizado. A tecnologia a serviço da repressão, da “vigilância” e da “punição”. Os bárbaros precisam ser vigiados de perto, observados em todos os seus movimentos. A liberdade, dia após dia, torna-se cada vez menos desejada pelas pessoas. Seja a liberdade de pensar, como no caso dos fanáticos religiosos, seja a de andar distraidamente pelas ruas, no caso dos brasileiros e tantos outros cidadãos do mundo sujeitos às câmeras de vigilância.

Nos descaminhos da modernidade, parece que só a técnica vingou. Dela se servem Islâmicos e Yankees, traficantes e policiais. Além dela, torna-se cada vez mais difícil encontrar humanidade. Os nichos nos quais ela se esconde, parecem ter o silêncio como filosofia de vida, mais ou menos como o personagem de Raduán Nassar que diz “já cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho, dou-lhe o meu silêncio".

Enquanto isso, o barulho do mundo é cada vez mais forte, cada vez mais próximo. É como se os tiros, os mísseis e os homens-bomba caminhassem devagarinho em nossa direção.

“O Grito” já nos foi roubado. Haverá um momento em que não haverá mais tempo para quebrar o silêncio. E, se esperarmos muito, quebrar o silêncio já não será suficiente. Estaremos no caminho dos acontecimentos: seremos atropelados.


Longe dos carros-bomba, um outro tipo de terrorismo, silencioso e corrosivo, desenvolve-se lentamente, debaixo de nossos narizes saudáveis. É o terrorismo neoliberal, dos capitais flutuantes, dos FMI´s, da “mão invisível do mercado”, cometendo atrocidades sem que ninguém se de conta. Matando países, famílias, juventudes. É o terrorismo do consumo desenfreado, da felicidade procurada no que é coisa, no que se compra.

Os valores são apenas financeiros. O humano é empurrado para segundo plano. O indivíduo, na busca da diferença, torna-se homogêneo, mas não consegue perceber-se como igual. O umbigo torna-se o centro do mundo. O conceito de humanidade vira apenas uma abstração -- nós também. Somos números - o máximo da abstração! - vítimas de uma manipulação fria, incapaz de perceber nuances. Já não precisamos tanto de ditadores carismáticos para os dizerem o que fazer, pelo que lutar, o que desejar, o que conquistar para sermos felizes: a publicidade, o Gobbels do mercado, faz isso melhor do que ninguém e nem precisa fazer tanto barulho. Nesse novo império, não precisa ser ariano para ser respeitado, nem judeu para ser perseguido. São muitos os fatores que contribuem para incluir ou excluir alguém do grupo. A dominação (e a ideologia) sofisticou-se. O simplismo nazista foi abandonado. Olhando assim, não fica difícil dizer que Hitler era mais vulverável do que esse mal sem rosto que nos oprime hoje em dia.

É triste. Um bom fim de semana para todos.

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quinta-feira, setembro 09, 2004

POVO DA RUA, TERRORISMO E JORNALISMO: UMA PEQUENA DENÚNCIA DOS PROCESSOS DE DESUMANIZAÇÃO


Pelo segundo domingo consecutivo, o Ombudsman da Folha de São Paulo, Marcelo Beraba, destaca a péssima cobertura do jornal para o caso dos assasssinatos de moradores de rua em São Paulo. A necessidade de retomar o tema mostra que, em muitos momentos, a figura do Ombudsman pode ser apenas alegórica.

Eu, no entanto, não sou dos puristas que, por causa de um ou outro joio, joga fora todo trigo. Acho que o fato de existir o Ombusdaman já é positivo. Se ele não fala tudo, pelo menos fala alguma coisa. Em terra de mudos, é um progresso.

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No artigo do último domingo, 5 de setembro, falando sobre deveres do jornalismo e sobre o posicionamento dos jornais diante de determinados assuntos, Beraba escreveu:

“Jornais informam, prestam serviços e são, por tradição, fóruns de discussão e de confronto de idéias e políticas. Nem sempre fazem bem. Às vezes, deixam os assuntos fugirem, às vezes, os tratam sem aprofundamento.

Não é um problema só da Folha. Acho improvável que algum leitor tenha conseguido consolidar uma opinião sobre assuntos polêmicos, como o sistema de cotas nas universidades, por exemplo, ou os riscos dos transgênicos, lendo apenas os jornais.

É um desafio abrir espaço para os novos assuntos, fugir das discussões ralas, conseguir contribuir de fato para o entendimento dos problemas e para a busca de soluções. Mas esse é um papel que cabe aos jornais mais do que a qualquer outro meio noticioso”.

Discutir e raramente e “ralamente” parece ser regra na imprensa brasileira. Comentei isso, inclusive, no “post” sobre o terror na Rússia. Agora, o tema ressurge. A superficialidade com que a mídia trata tudo chega a ser ofensiva e, claramente, contribui para aumentar ainda mais a imbecilidade que toma conta dos seres humanos.

Comentando a cobertura (rala) do ato terrorista na escola russa no Observatório da Imprensa, Alberto Dines disse que

“A busca do impacto fácil através do inesperado, a novidade pela novidade e despojada de significados está criando um círculo vicioso e viciado cuja primeira vítima é o próprio jornalista, a vítima seguinte é o leitor e a última, a sociedade, cada vez mais cruel na sua insensibilidade, cada vez mais perversa na impermeabilidade ao sofrimento”.

Numa mídia que se confunde cada vez mais com entretenimento, o conteúdo, a análise, a tentativa (é o mínimo que deveríamos esperar) de encontrar explicações racionais para os acontecimentos se torna algo cada vez mais secundário. Sempre buscando satisfazer aos desejos dos consumidores e continuar vendendo bem o jornalismo deixa de cobrir com seriedade o que é de interesse público e - por que não dizer? – de interesse humano só porque às vezes essas matérias não se prestam à espetacularização.

Sobre o abandono da questão dos moradores de rua pela Folha, Beraba escreveu ainda:

“Chego à conclusão que o assunto é mais incômodo do que eu imaginava, e não tem o glamour das grandes polêmicas. É mais fácil discutir os distantes problemas nacionais ou as loucuras do terrorismo internacional”.

É como se à mídia não interessasse sujar as mãos com problemas concretos, próximos, estes com os quais a realidade nos faz confrontar a cada esquina. Além do mais, o espetáculo proporcionado pelas grandes tragédias é perfeito, porque nos permite olhar de fora, como filmes norte-americanos. Podemos observar friamente, lamentar de forma hipócrita e voltar tranqüilamente para as nossas vidinhas.

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O problema, contudo, parece não estar apenas no jornalismo. De certa forma a mídia se aproveita de uma tendência da sociedade. Há assuntos dos quais os leitores/espectadores/ouvintes parecem fugir. São coisas que incomodam, em boa parte, por que trazem à tona a parcela de culpa que temos. Sobre o caso dos moradores de rua, Beraba mostra que

“O baixo número de mensagens dos leitores ao longo da semana que passou (15 cartas até sexta) revela, de uma certa forma, que o assunto não atrai tanto. Talvez seja difícil encará-lo”.

Mas ele está aí, querendo ou não, e ainda sem solução. Estamos às vésperas de uma eleição para o cargo Executivo que tem como responsabilidade cuidar da cidade e de sua gente. Não há como fugir do problema."

A um jornalismo ciente de sua responsabilidade social, cabe informar sobre isso, por mais que, a princípio, pareça não interessar – nem ao público nem à empresa capitalista. “Fugir do problema” só contribui para acelerar ainda mais o processo de desumanização do ser humano que está em curso.

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quarta-feira, setembro 08, 2004

MONSTRINHOS


Os incidentes ocorridos na Rússia na semana passada recolocaram o assunto do terrorismo no centro da discussão mundial. Os holofotes, agora, estão voltados para o conflito checheno.

Paralelamente a isso, embora o assunto tenha sumido dos noticiários, o conflito no Iraque, a invasão estadunidense, continua. Assim como o assassinato de mendigos em São Paulo.

Interessante seria se estivéssemos discutindo estes problemas de forma conjunta, para termos uma possibilidade maior de compreensão do contexto, do que, de verdade, leva o mundo em direção à barbárie. Mas isso não interessa ao jornalismo. Vale mais é a novidade – as news. Assim, os tópicos para a discussão de sucedem sem que a opinião pública não consiga encontrar ponto pacífico em nenhuma discussão. Dessa forma, tudo vira puro falatório, fadado ao esquecimento.


Como disse o Jabor, numa de suas críticas no Jornal Nacional, o triste é saber que a barbárie dos terroristas – não bastasse o mal intrínseco aos próprios atos por eles cometidos – servirá para dar continuidade a um outro mal: Bush.

A campanha do republicano para a reeleição está baseada no mote do combate ao terror. O estereótipo do xerife, incorporado por Bush, torna-o depositário das esperanças dos eleitores estadunidenses – culturalmente belicosos –, em detrimento do candidato democrata. Só o xerife Bush é capaz de vingar as vítimas do 11 de setembro e combater o malvado Bin Laden: é esse pensamento que Bush quer ver na cabeça dos eleitores yankees.

Falando sobre as eleições nos Estados Unidos, o colunista de O Globo, o norte-americano Paul Krugman escreveu:

“O que é claro é que em qualquer momento no qual o debate político se volta para o histórico do governo Bush, sua popularidade despenca. Somente fazendo qualquer coisa para mudar o assunto para a guerra ao terror — não para o que ele realmente está fazendo sobre as ameaças terroristas, mas para sua “liderança”, o que quer que isso signifique — ele consegue um empurrãozinho nas pesquisas.”

O acontecido da Rússia parece ter vindo mesmo a calhar para os interesses de Bush. O que se espera agora é que Bush se torne o próprio Terminator.

"A convenção da semana passada deixou claro que Bush pretende usar o que restou de sua imagem heróica para ganhar a eleição, e as primeiras pesquisas sugerem que esta estratégia pode estar funcionando" (Krugman).

Os atos terroristas contribuem para aumentar a ânsia das pessoas pela bestialidade, pela violência, pela barbárie. O velho clichê “violência gera violência” nunca foi tão atual. O terrorismo parece ser o desfecho, o ponto alto, de uma sucessão de pequenas barbaridades que vêm sendo cometidas ao longo da história, seja pelo Estado, pela Igreja ou pelo Capitalismo.


Falando sobre o incidente na Rússia, “Sergey Kovaliov, que integra a organização de defesa dos direitos humanos Memorial, diz que o Kremlin pratica terrorismo de Estado na Chechênia. Kovalyov acusa Putin de ter subido ao poder às custas da guerra chechena e a Europa de ter ignorado o conflito” (O Globo, 08/09). “Esses terroristas são também uma conseqüência da guerra” diz Kovaliov em entrevista”. “Antes da segunda guerra da Chechênia, em 1999, não havia ligação (dos chechenos) com o terrorismo internacional, com essa brutalidade sangrenta. Muitos chechenos contam que sofreram barbaridades nas mãos dos russos. Uma chechena que vive na Alemanha contou que sua filha de 2 anos foi assassinada pelos russos, enquanto ela foi violentada e deu à luz no cativeiro. Do lado dos chechenos há também uma tragédia para contar”.

As relaçãos de Putin com a Chechênia e de Bush (e dos EUA) com o Oriente Médio guardam algumas semelhanças entre si, uma delas é a questão do petróleo. Como aponta uma matéria publicada no site da BBC, “há reservas petrolíferas e de gás que podem ser exploradas no Mar Cáspio. Além disso, a Rússia pretende que a área permaneça segura para escoar sua produção”.

A postura dura que Putin assume agora lembra aquela assumida por Bush no 11 de setembro. Com uma diferença: os norte-americanos não tiveram nenhuma chance de evitar a tragédia do World Trade Center. Os russos não só tiveram chance de evitar a sua tragédia como contribuíram de forma quase direta para que ela acontecesse. Esse agravante, contudo, parece não ser suficiente para evitar que o presidente russo explore o fato a seu favor.

É triste...


É como se, o tempo todo, criássemos novos Frankenstein´s para, recontando a história, perdermos novamente nosso controle sobre eles. O terrorismo, o assassinato dos moradores de rua, o crime organizado e tantas outras barbaridades são os muitos nomes que damos aos nossos monstrinhos. Neles, há também um pouco de nós mesmos. Talvez por isso nosso desejo de extirpá-los, devolvendo-lhes todo o ódio que nos reservam. São como sintomas do nosso mal recalcado. Como toda obra do inconsciente, parecem operar sob um lógica do absurdo. Muitas vezes é difícil compreendê-los ou mesmo aproximar-se deles por meio de iniciativas racionais. Contudo, é preciso encontrar formas de controlar esses males e, certamente – recorro novamente ao clichê -, comobater mal com mal não é a melhor alternativa. Parafraseando uma frase ouvilida numa galáxia distante: nessa brincadeira de olho por olho, dente por dente, acabaremos todos cegos e banguelas...

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segunda-feira, setembro 06, 2004

BAD TRIP: UM PÉRIPLO PELA PROGRAMAÇÃO DOMINICAL DA REDE GLOBO


“Domingão do Faustão”. No palco, Felipe Dylon e Dado Dolabela dividem os holofotes globais. Diante da TV, quatro possibilidades se me apresentam: posso trocar de canal, procurar um documentário qualquer na TV escola ou uma entrevista na TVE-Brasil, domingo a programação costuma ser interessante em ambos os canais; posso desligar a TV e retomar a leitura do artigo de Sartre, “O existencialismo é um humanismo”, que começara na noite passada; posso continuar diante da TV e curtir o que de pior ela pode oferecer (em dose dupla, sem gelo); ou posso pular da janela, sair correndo alucinadamente, sem rumo, à Forrest Gump, pra esquecer de tudo-tudo, porque um dueto de Felipe Dylon e Dado Dolabela é pode ser um prenúncio do fim dos tempos, do apocalipse, do(a) (falta de) juízo final.

Numa fração de segundo, entro num solilóquio silencioso e convenço-me a continuar diante da TV. Argumento, de mim para comigo, que tal experiência pode ser útil, para fins científicos. Talvez fosse possível entender os mecanismos da indústria cultural, especular o comportamento das massas frente às elaboradíssimas estratégias midiáticas contemporâneas, ou simplesmente chocar-me e reclamar do estado deplorável em que se encontra a televisão brasileira.

A argumentação é boa. Suficiente para ocultar de mim mesmo o fato de que também eu tenho um quê de massa e acabo de ser capturado pelas mefistofélicas malhas do “Domingão do Faustão”. Entrego-me aos baixos instintos. Deixo-me levar pelos obscuros caminhos do domingo na TV.


Minha viagem começa por Felipe Dylon, que conversa com Faustão. Cinicamente, Fausto faz piadas (sem graça, mas temperadas de um sarcasmo sutil que transparece em sua voz) que o moleque, aparentemente, não compreende. Politicamente correto – claramente fabricado para o pseudo-sucesso da música pasteurizada brasileira –, Dylon parece incapaz de reagir ao inesperado, ao que está fora do controle, do roteiro, do script. Diante das perguntas as mais simples, recorre sempre aos lugares comuns para responder. Agradece a tietagem, diz estar feliz com o sucesso e, invariavelmente, sorri. O astro adolescente parece oco. É como se por trás da figura pública, cuidadosamente forjadas pelas modernas técnicas de marketing, não houvesse uma vida digna de qualquer espécie de culto ou idolatria. O Dylon que fala ao Faustão, parece pertencer à realidade da não-vida. Ele dupla, ele sorri, ele agradece. Seu cabelo, imóvel. Seus dentes, simétricos e brancos. Sua música, vazia e lobotômica.

Por graça dos deuses televisivos – ou do ponto eletrônico –, Fausto fala mais que o garoto. Assustadoramente, a personalidade do apresentador cresce diante de Dylon. É como se o ridículo da situação o redimisse. Como se, por dentro, mesmo ele, o Faustão, lamentasse o que, com sua ajuda, acontecia. É tudo muito “fake”, artificial e profundamente triste.


Dado Dolabella participa de um quadro do Domingão em que pessoas comuns, escolhidas mais ou menos aleatoreamente nas ruas do país, perguntam ao “olimpiano” (para usar uma expressão de Edgar Morin) o que lhes vêm à cabeça.

Antes de começarem as perguntas do público, no entanto, Dado utiliza o microfone como bem entende. Ao seu dispor, o maior veículo de comunicação do país. Uma audiência de milhões de expectadores. Dado deita, rola e aproveita – mal. Os minutos se sucedem e a overdose de filosofia barata, de clichês e de alienação completa é inevitável. Dado vomita atrocidades. Atropela a língua portuguesa com frases iniciadas com “as olimpíadas serviu para” gritadas para a câmera, de forma panfletária. Ele acusa a sociedade de hipócrita, menospreza o desempenho brasileiro nos jogos olímpicos, fala do capitalismo ao mesmo tempo em que agradece a vida boa que a mãe lhe proporcionou. Mãe que, pouco depois, apareceria, num dos tradicionais VTs, falando sobre o lado humano de Dado, sobre os percalços da vida do seu menininho. Com os olhos úmidos, Pepita Rodrigues afirmaria temer pela “cabecinha” (a palavra, muito bem colocada, foi essa mesma) de seu filhinho, com todo esse assédio da mídia, afinal, ele é tão jovem, com seus 24 anos.

Dando prosseguimento ao espetáculo bizarro iniciado por Felipe Dylon, Dado parece incapaz de expressar qualquer coisa autêntica. É como se, o tempo todo, vivesse um personagem, como se cada olhar para a câmera, cada sorriso, cada frase fosse uma tentativa desesperada de sustentar uma certa imagem. Imagem que lhe garante um espaço. Um espaço a ser defendido, pois a “Malhação” e as passarelas produzem em série substitutos à altura de Dado, ainda que nem todos tenham origens tão nobres quanto as dele. Dado supre perfeitamente uma das tantas demandas da indústria cultural. É um “olimpiano” produtivo, sempre capaz de render uma capa de Caras ou Contigo por semana. A imagem é perfeita.

Mas, para continuar surtindo efeito, para ser sustentada, essa imagem que o mantém como centro das atenções precisa ser por ele repudiada. Faz parte do roteiro. Seu discurso deve, invariavelmente, contradizer o que dizem seus atos. É na tentativa de “defender-se” da fama de “galinha”, de “pegador”, de “mulherengo” e de “convencido”que Dado gasta boa parte de seu tempo no programa. As perguntas/provocações do público orbitam o universo da vida amorosa (ou deveríamos dizer sexual?) de Dado. Nenhuma questão sobre o ator ou sobre o cantor Dado Dolabela. O objeto de interesse é o personagem Dado. Aquele que se confunde muitas vezes (fato que ele, é claro, nega) com o Plínio, o filho “plaiboizinho” da do Carmo em “Senhora do Destino”.

É como se as pessoas intuíssem que o ex-namorado da Vanessa Camargo não vai muito além disso. O cantor e o ator são apenas mais duas facetas do personagem Dado, complementos que ajudam na caracterização.

Interrogado sobre o porquê do fim do relacionamento com Vanessa Camargo, Dado arranha-se ao tentar sair pela tangente:

“Porque não deu certo? Sei lá! Porque que o céu é azul, porque que o Bush ta fazendo guerra?”

Pérolas de sabedoria vão sendo espalhadas ao longo do programa. “Não sou celebridade”, ele diz. “Celebridade está no céu, o próprio nome já diz: ce-le-bri-da-de”. Perfeito! A tirada genial poderia ser o ponto de partida para um livro de auto-ajuda desses que lideram a lista dos 10 mais vendidos da Veja por semanas a fio!

O público insiste. Martela na tecla do Dado Pegagor. Ele nega que seja assim. Alega uma vida pessoal oculta, um lado humano vilipendiado pelos jornalistas. Na oportunidade que tem para deixar vir à tona esse lado, ainda que de forma forçada, construída pelo espetáculo televisivo, Dado perde o bonde. A deixa viera da mãe que, emocionada, falara sobre as recentes perdas familiares sofridas pelo seu menininho. A câmera, em close no rosto do ator, prepara o terreno para as lágrimas – o clímax desse “arquivo confidencial” improvisado. Dado coça a têmpora esquerda, como se estivesse nervoso, levanta do dedo direito, como criança em sala de aula e, para frustração geral, pergunta: “Posso cantar mais uma música?”

Fausto sorri, concorda. Tudo parece ensaiado afinal, o jogo da seleção está prestes a começar. Dado pula palco afora e dubla seu maior sucesso, confirmando a imagem que o público tem dele e que, há pouco, ele se esforçava para desconstruir. O refrão da música é direto: “Vem ni nim que eu to facim facim”.

Pausa. Brasil entra em campo para enfrentar a Bolívia, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo. Segundo tempo. Agora é a vez de Galvão...

(Continua)

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sexta-feira, setembro 03, 2004

PARADOXO II



Parece que o governador Paulo Hartung -- conhecido por suas constantes trocas de partido -- está tendo certa dificuldade para decidir qual candidato vai apoiar nas eleições para prefeito em Guarapari. Esta semana, os outdoors de Rodrigo Chamoun e de Graciano Espíndula, adversários, exibem fotos dos respectivos candidatos abraçados ao governador do estado. A briga pelo uso da imagem de Paulo Hartung -- muito bem votado em Guarapari na última eleição para o governo do estado, vale lembrarb -- também acontece no horário político. Novamente, Hartung aparece ao lado de ambos os candidatos, dando, inclusive, declarações de apoio.

E aí eu pergunto: afinal de contas, quem é o candidato de Hartung em Guarapari?

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PARADOXOS



"Na semana passada usei o blog para sugerir um livro. Desta vez quero sugerir uma leitura de jornal. Quem ler hoje a Folha de São Paulo verá na primeira página uma grande manchete sobre o crescimento de 4.3% na economia, e bem embaixo uma grande foto com túmulos dos mendigos mortos em São Paulo. Estes dois fatos retratam o Brasil. Um país que cresce e que não enfrenta seus problemas sociais. Apesar da recessão de alguns anos, o Brasil sempre cresceu, e não reduziu sua miséria. O crescimento deste ano, é extremamente positivo para o País, mas não vai servir para enfrentar o quadro de pobreza. O crescimento da economia não faz escola, faz fábrica, não reduz necessidades dos excluídos, aumenta o consumo da demanda. O enfrentamento do problema da pobreza vem da política orçamentária, como o governo gasta a parte do crescimento que fica em suas mãos". (Cristovam Buarque)

Fonte: http://www.cristovam.com.br/blog/#

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quinta-feira, setembro 02, 2004

PSICO (CADA VEZ MAIS) UTÓPICO



Nesses seis meses de existência do Psicotópicos o que tenho tentado fazer é transforma-lo num fórum de discussão, uma espécie de mural de idéias interessantes, capaz de apontar caminhos alternativos, novas possibilidades para uma existência mais humana, mais plena e mais feliz.

Nunca escondi que o Psico é utópico. Este blogue é isso mesmo, um espaço para utopias, para sonho, para delírio.

Talvez nunca tenha deixado muito claro quais são as minhas intenções, por acreditar que elas poderiam aparecer aos poucos, nas entrelinhas de cada texto. É bem verdade que muitas das idéias que tenho hoje foram tomando forma, “post” após “post”, ao longo desses seis meses.

São devaneios relacionados à arte (ou à busca de uma vida – de um estar no mundo – mais próximo da arte), à cidadania, à liberdade, à intensidade do viver.

(Tomo a palavra intensidade, aqui no Psicotópicos, num sentido muito particular. Quando afirmo querer um viver mais intenso, digo de um viver mais humano, com espaço para a paixão, para o corpo, para o mundano, para a aceitação da imperfeição, desde que trabalhada por meio do diálogo e pela tentativa incessante de compreender o outro, de tentar sentir/ver como o outro. Desconfio da linguagem humana. Acho que para se compreender o outro, de verdade, é preciso, muitas vezes, ultrapassar o discurso, servir-se de uma espécie de “razão sensível” (termo que tomo emprestado de Maffesoli) onde o objetivo principal seja a harmonia, o equilíbrio e – aqui vai uma palavra extremamente complexa – a felicidade do ser humano. Intensidade, para o Psico, é mais ou menos isso).

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Não tenho grandes esperanças de ver realizadas minhas utopias. Como sempre digo, por aqui importa mais é o processo. (Essa visão, como também já disse (para os objetivos do Psicotópicos, essa redundância se faz necessária), nasce de uma leitura muito particular de Grande Sertão: veredas).

Contudo, creio que muito do que digo aqui não fica apenas na esfera do surto, do delírio.

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Quando falo de alternativas ao capitalismo-que-está-aí e da crença num estilo de vida anárquico, não sou puramente utópico. Sempre que posso, elenco no blogue exemplos que corroboram pra essa minha crença.

Lembro de um livro do Gabeira, que li há uns dois anos mais ou menos: Vida Alternativa. Nesse livro, o ex-guerrilheiro apresenta uma série de exemplos motivadores de experiências de sociedades alternativas com as quais ele tomou contato, especialmente na Europa. Grupos que se uniam e juntos, de forma solidária, viviam em comunidade, na defesa e na manutenção de certos estilos de vida e ideais comuns.

Com base em princípios de solidariedade, esses grupos desenvolviam formas alternativas de renda (artesanato, agricultura, arte, literatura) e conseguiam, com isso, afastar-se daquilo que muitos vêem como inevitável: o estilo tradicional (emprego, família, egoísmo, posse...) de vida-capitalista-que-está-aí, seja a da ética protestante, a do American Way of Life ou a da velha conhecida nossa, a burguesia.

É certo que esse modo de viver não traz a ninguém as “benesses” do mundo capitalista (tênis da Nike, McDonalds, Coca-cola, SporTV, Big Brother, Shopping Center, Copacabana Palace), mas é capaz de garantir uma vida mais plena, com relações humanas mais verdadeiras, maior liberdade e a possibilidade de vivenciar um hedonismo mais autêntico, no qual o prazer não estivesse associado ao consumo, à satisfação das demandas.

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Infelizmente, lançar-se numa empreitada como essa não é algo que se possa fazer assim, de uma hora para outra. Primeiro, é preciso criar uma rede de pessoas que compartilhe de ideais minimamente semelhantes -- sempre respeitando as diferenças e particularidades – e que estejam dispostas a viver de forma mais solidária.

Solidariedade aqui significa apoio mútuo, tentativa de compreender o outro e altruísmo.

Seria preciso pensar em bens comuns. Em vez de POSSUIR computadores, meios de transporte ou livros, as pessoas poderiam UTILIZAR computadores, meios de transporte e livros que seriam de todos.

É uma visão comunista, eu sei disso. É socialismo utópico. Mas e se funcionar? Dane-se o rótulo!

Penso tudo isso em pequena escala. Em grupos reduzidos de pessoas. Como sempre digo: não quero mudar o mundo, mas mudar mundos. Não acredito em revoluções em proletariado tomando conta dos meios de produção. A grande escala é burra, amorfa. Não há jeito de fugir disso. Acabaríamos necessitando de líderes, fossem eles Hitler´s ou Ghandi´s. Não é isso que busco. Busco micro-revoluções, células.

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As idéias que brotassem dessas células poderiam, por meio de estratégias comunicacionais (a mídia radical), contaminar outras células, de forma virótica, como já apontei aqui no blogue em outra ocasião.

O fato das comunidades serem alternativas não implicaria num isolamento, mas muito pelo contrário. A base material oferecida pela rede – a célula, o grupo – permitiria a cada membro agir na sociedade, conversando, debatendo, discutindo e, sobretudo, exemplificando que existem outras formas possíveis de se viver.

As instituições convencionais poderiam ser contaminadas aos poucos. Um professor aqui, um grupo de alunos ali, um coordenador acolá. Depois a política, os meios de comunicação, as comunidades.

A luta não seria por impor um novo estilo de vida, mas por apresentá-lo como possível. Quem aderisse, não o faria por ter sido persuadido ou ludibriado, mas por ter conseguido ver/sentir de outra forma, por ter conseguido experimentar uma outra maneira de estar no mundo.

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Se nada disso funcionasse, haveria sempre o grupo, a “tribo”, a célula para se retornar. Uma espécie de família constituída por laços ideológicos em vez de sanguíneos. O crescimento -- a contaminação de outros organismos -- não é uma prerrogativa para a existência do grupo.

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Sei que este texto pode significar o desaparecimento completo dos meus poucos leitores, mas cheguei ao ponto onde não discutir essas coisas seria correr o risco de explodir.

Agora, quem quiser me criticar, pode fazê-lo à vontade. Estou aqui, com minhas utopias e com meus olhos de ler.

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quarta-feira, setembro 01, 2004

Zzzzzzzzz...

O Psicotópicos esteve estagnado nas últimas semanas. Tenho estado envolvido com meu projeto de TCC, submerso em leituras sobre jornalismo, história da imprensa no Brasil, ética, deontologia, moral... uma série de coisas.

Junte-se a isso uma série de ocupações que me rendem pouco dinheiro e muito incômodo. Prostituição intelectual que, no capitalismo vesgo de Guarapari, é questão de sobrevivência.

Boa parte das coisas que tenho feito por estas bandas são tentativas de manter uma sobre-vida, uma pseudo-vida da qual não vejo a hora de abster-me. Mas sem lamúrias. Continuemos a nadar.

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