Se tem uma coisa de que não gosto é de me meter em polêmicas. Fujo delas como o diabo da cruz. Mas elas me perseguem. Quando menos espero, dou de cara com elas, me esperando na esquina de uma frase atravessada.
Polêmicas são boas para colocar certos assuntos incômodos em discussão. Muitas vezes só se consegue chamar a atenção das pessoas dessa forma –polemizando. O Paulo Francis fazia isso como ninguém (na verdade, ganhava a vida assim). O Jabor faz isso às vezes. O Diogo Mainardi (eca!) garante assim a sua coluna semanal na Veja, uma das revistas mais desprezíveis da imprensa brasileira (na minha modesta opinião).
Dependendo do assunto levantado, vale a pena polemizar. Mas muitas vezes, isso só cria confusão, só faz levantar poeira. Todos gritam, berram, “bradam” e nada se resolve. Fica nisso. O giramundo continua. As palavras ganham peso e a vida, o mundo, a humanidade é posta de lado.
O Rino escreveu essa semana um texto sobre a censura. Criticando os comentários bobo/idiotas que as pessoas deixam nos blogues, Rino admitia que sentia vontade de proibir essas pessoas de escreverem. Segundo ele, tudo em nome do “bom gosto”. “Por deus, proíbam todos! Proíbam sim, mandem prender, mandem pro inferno, quebrem todos os dedos para nunca mais poderem digitar. Salvem o mundo dessa cretinice desvairada. Nem que para isso eu tenha que perder um direitozinho aqui e outro acolá. Eu aceito. Censurem tudo, censurem sim!”.
É claro que, em nome do estilo, às vezes comprometemos a capacidade expressiva de nossos textos. Rino tem um dos blogues que mais tenho visitado ultimamente. Mesmo que eu discorde do conteúdo do texto, devo admitir que ele escreve brilhantemente. Ao contrário de Marcelo Tas, aquele que apresenta um programa chamado Vitrine, na TV Cultura de São Paulo. Ontem, em seu blogue, com um texto muito do ruinzinho (na linha “cool”), Tas criticava os turistas que lotam São Paulo nessa época de final ano e que, segundo ele, são os culpados pelos engarrafamentos. Lá ele diz:
“Nessas malditas 4 semanas do mês de Dezembro, saio de casa com ímpetos de serial killer (atenção pessoal, isto é uma piada!!!) olhando as placas dos carros. Só tem gente de fora. Faça o teste você também. Cuiabá, Londrina, Curitiba, Floripa, Balneário Camboriú, Belzonte e até os cariocas invadem a cidade. Congestionando as lojas e as ruas. Não me levem a mal, queridos visitantes, mas sou favorável que nesta época SP deveria exigir visto para entrar na cidade. Ou pelo menos pagar pedágio. Com renda revertida para um drink no final da tarde para os habitantes estressados dessa megalópole”.
Tudo bem, né? Afinal, o blogue é do cara, ele está só expressando sua opinião. Tudo bem se não estivéssemos falando de alguém que é lido por muita gente. Sabe-se lá quanta gente encara como verdade universal os bairrismos do Sr. Tas. Talvez assustado com a chuva de críticas (algumas naturalmente exageradas), Tas voltou a tocar no assunto, reproduzindo num “post” os comentários mais agressivos. Achei engraçada a atitude do apresentador/blogueiro. Fico me perguntando: como alguém que trabalha com comunicação perde assim a noção do impacto e amplitude que seus desabafos precipitados podem ter?
Fui lá e, usufruindo as benesses que a interatividade “internética” oferece, comentei:
“Tas, tá certo que houve simplismo por parte de alguns comentaristas, mas você deve admitir que seu texto foi um tanto quanto impensando. Fosse você um blogueiro qualquer, até entendo o inconformismo. Mas você é um comunicador. O que você fala tem peso diferente. Quando você defende uma "São Paulo para os paulistas" com tanta determinação está automaticamente desdenhando uma imensa parcela de brasileiros que visitam o seu blogue, que lêem o que você escrevem e dão importância a isso. Não é uma questão de não saber ler. O fato é que um texto superficial, repleto de lacunas, abre margem a uma série de interpretações. Pro seu azar, a maioria é desfavorável. Pessoalmente, acho que você "enfiou os pés pelas mãos". Os holofotes estão em você. Aprenda a conviver com as sombras que você projeta. É isso. Não comento por mal não, viu Tas? Se quiser, pode me ignorar. Mas já que você fala o que quer, precisa ouvir o que não quer de vez em quando. ´mabraço”.
A Laura também passou por lá (antes de mim) e também comentou:
“Tas, não creio que tenha havido um problema de boa leitura, mau humor ou de falta de elegância, pelo menos de minha parte. O texto está de fato muito agressivo, mas isso acontece, não acredito que você seja facista ou nazista, claro que não. Apenas acho que você exagerou na dose de ironia. Sei lá. Veja, se eu que sou paulistana me incomodei com o que estava escrito, imagine quem é de outros estados e cidades. Abraços e pretendo continuar vindo a esse espaço, gosto daqui. E, meu caro, um viva ao pensamento dialógico ! : )Bem, é isso”.
Tenho insistido na questão de que palavras têm diferentes pesos, dependendo contexto em que são proferidas. A palavra escrita, por si só, tem mais peso que a palavra falada. Os escritos do Tas (por menos importante que ele seja) têm mais peso que os meus ou o os da Laura. E assim por diante.
Apesar de discordar absolutamente do que Tas escreveu, não tenho o direito de exigir que ele se cale. O mínimo que posso fazer é explorar o terreno pra ver se é possível estabelecer algum contato com este outro que ele representa.
Falo em testar terreno porque nem sempre é possível estabelecer contato com as pessoas. É difícil tirar os olhos do próprio umbigo. Interpretamos as mensagens de acordo com o repertório cultural de que dispomos, de acordo com o que o antropólogo Clifford Geertz chama de “rede de significados”. O diálogo só acontece realmente quando os envolvidos se predispõem a compreender em que “rede” o outro opera. Quando isso não acontece, o encontro não acontece.
***
Vale retomar aqui a conversa sobre o Rino. Em seu blogue, depois da “celeuma” criada em torno do texto sobre a censura, ele escreveu um outro, intitulado “Sobre dignidade e palavras demoníacas”, no qual falava de como as pessoas reagem a determinadas palavras, como “hegemonia”, “censura”, “fascismo” – como se fosse pecado falar desses assuntos. Essa “sacada” de Rino é fundamental. Interdições como essas também prejudicam o diálogo. Toda interdição atrapalha os encontros.
Mas, tão grave quanto demonizar tais palavras é trabalhar com elas de forma superficial, relegando-as a um gueto, como se pertencessem apenas ao repertório de marxistas e revolucionários. Isso é “sujar” a palavra (pra fazer referência a Viviane Mosé). É tornar a palavra vazia. Nesses casos, cabe o meio termo: nem peso demais, que nos impeça de dizer; nem leveza excessiva, que nos faça distorcer.
Outro ponto importante é a maneira como as pessoas se agarram às suas verdades e esquecem que há outras formas de ver o mundo que não são menos verdadeiras, apenas diferentes.
De resto, já disse mais disso no texto que fala sobre a questão da memória e sobre como muitas vezes construímos nossas certezas com base em recortes do real.
Antes de acabar, queria só dizer uma coisa. Discutir apenas a partir de textos é ao mesmo tempo bom e injusto. Bom porque permite analisar os pontos de vista com mais calma. Injusto porque geralmente eles não nos dizem muito de quem está do outro lado. Esse quebra cabeças que a gente monta juntando os pedaços que encontrados nas entrelinhas é/não é o autor. A vida é mais complexa que isso.
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Por hoje, já escrevi demais. Não acredito que algum herói tenha viajado até aqui. Se sim, espero que tenha feito boa viagem. Nossa mensagem de boas vindas vem em forma de música. Aproveitem a estadia!
O MUNDO
(Lenine, Paulinho Moska, Zeca Baleiro e Chico César)
O mundo é pequeno pra caramba
Tem alemão, italiano, italiana
O mundo filé milanesa
Tem coreano, japonês, japonesa
O mundo é uma salada russa
Tem nego da Pérsia, tem nego da Prússia
O mundo é uma esfiha de carne
Tem nego do Zâmbia, tem nego do Zaire
O mundo é azul lá de cima
O mundo é vermelho na China
O mundo tá muito gripado
O açúcar é doce, o sal é salgado
O mundo caquinho de vidro
Tá cego do olho, tá surdo do ouvido
O mundo tá muito doente
O homem que mata, o homem que mente
Porque você me trata mal
Se eu te trato bem
Porque você me faz o mal
Se eu só te faço o bem
Todos somos filhos de Deus
Só não falamos a mesma língua..
Everybody is filhos de God
Só não falamos a mesma língua ...
Everybody is filhos de Ghandi
Só não falamos a mesma língua..
Todos somos filhos de Deus
Só não falamos a mesma língua..
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