domingo, dezembro 12, 2004

REFLEXÃO SOBRE NADAS, SUBIDAS E ESCADAS

O poema abaixo foi escrito por Orlando Lopes, poeta capixada e, coincidentemente, meu amigo. Além de excelente, o poema vai de encontro a algumas discussões iniciadas pela Laura, no Terra à Vista, a partir de poemas de Manuel de Barros e "otras cositas". Carissa, Rinogas e eu também insinuamos reflexões nesse sentido, portanto, aproveito o momento favorável pra colocar mais lenha na fogueira. Let it burn!!!



UMA ESCADA SOBRE O NADA
Orlando Lopes

A escada, apenas entrevista

imagine
uma escada
tão leve
que possa-ser
-lhe permitido
o luxo
de equilibrar-se
sobre o nada

devem ser veros e certos
os muitos rodopios
que a escada dá
sobre si mesma
presa que está
apenas
ao infinito

seu maior mistério
é ter a substância
do nada
mas ainda assim
ter um quê
ao menos um
algo a mais
quase-sal
quase-pimenta
mesmo sopitados
na carapinha
de um-só (o significado)

:

fiat luz (a vontade iluminada
vejamos
a escada)

...

uma escada
descarnada de tudo
o que não seja escada
(a escada ainda
antes
de ser realizada)

...

estando sobre o nada
tanto os degraus
quanto a própria dita
dão igualmente
para outro nada
(o mesmo) e para
outros (os nada alheios)
nadas (: nossos com
parsas)

um
de
grau
acima ou
abaixo

de nada

leva a escada para
nenhum lado

: fora do nada
pode-se apenas andar
de um lado para o outro
dentro da escada

: dentro do nada
nada se passa
a não ser um degrau
em relação aos outros

assim
de dito em desdito
os que a vêem
a usam (a escada)

sobem e descem
atravessando de
ponta a ponta os
limites do nada

...

nos altos e baixos
do nada
sacodem-se em
seus falsos fios
as paspaisagens
surreais
: milhares
de
degraus

de uma única (a múltipla
e infinita) escada


A escada em su sitio

sendo feita essencialmente
de nada
será possível perguntar: “mas
e o que-é que-é-que se poderá
enfim
fazer com essa escada?
de onde e para onde poderá
transportar estes olhos
que assaltam incessantes
o redivivo nada?

sendo em seu íntimo
feita de nada
esta será sem dúvida
sua única herança certa
: tudo o que a escada pode
oferecer, quando desnudada
é o próprio nada

sua metafisiologia,
sua amorfologia,
sua tópica ausente,
sua típica ausência,
sua arritmia indisfarçada

: fora de todo o tempo
(pouco antes de existir
e funcionar a matéria

:

nesse momento melhor
se mostra (e di
vaga) a escada
que só existe (de facto)
enquanto é
nada: quando
vira coisa
ela é só – apenas –
impressão : aparência
degenerada)
: fora de todo o espaço


A escada e sua demanda

a escada (também
chamada antes
graal alavanca nirvana

epi phainós
meta physis
ais thesis


mundo que se desmove
em puro comovimento)

manda e desmanda
no poder que a comanda
: é a força da vontade
que declina (e desdenha)
do nada

(pois com ele se afina
e nele se afaga)


Dos usos humanos para a escada

há que se ter cuidado
ao se pretender usar
uma escada que apenas
pode nos levar do nada
ao nada: qualquer coisa
a mais
perigará o limite
de uma existência
tão inegável
quanto discutível

(será sempre tão palpável
quanto se puder provar
– em caso contrário
tornará sua solidez a
se desmanchar no ar –

e assim, insistindo
em existir, não hesitará
em barbarizar tribunos,
admoestar jurados

: quando o nada encontra
a vontade
o mundo se encontra
dado:

acaso acasalado
sentido reencontrado.

Abaixo, um micropoema cometido por mim tempos atrás...



SUBIDAS

De longe,
a escada ria
da gente.

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