terça-feira, setembro 13, 2005

NADA



Entre uma garfada e outra, o vazio: prato a transbordar. Comer, comer – é o melhor para fazer o tempo passar. Crescer? Não, não. Inexiste movimento numa linha infinita. Ele sabe disso. Noutro tempo, conversava sobre essas coisas. Antes ainda, lia sobre essas coisas. Hoje? Hoje ele come, devora, rumina o próprio ódio, a própria náusea, o próprio umbigo. Fez-se cabra ensimesmado. O mesmo. Sempre o mesmo. Nem mais, nem menos: só o mesmo. E tudo – tudo que possui – é isto, é nada. Nada, entre uma braçada e outra. O destino é a linha do horizonte: a horizontalidade do caixão, dos sete palmos – e efemeridade dos aplausos. Nada, entre uma tragada e outra. Nada, num oceano de estupidez e silêncio gritado. Silêncio grifado é igual a nada. A morte? A morte está ali, entre uma trepada e outra. No meio do caminho que nos separa da morte jaz o nada. Nada, nada vezes coisa nenhuma. O nada, vazio. Melhor seria vadiar, adiar os compromissos indefinidamente, desobedecer. Melhor seria ser, e só – sem querer mais nada nem ninguém: a busca – vadia – do silêncio sussurrado ao pé do ouvido: o silêncio do indizível, do insondável, do cálido calo que surge onde aperta o sapato. Ele já sabe (o que quer, o que vê, o que é). O que faz? Nada. Entre uma garfada e outra...

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