SEM PENSAR
Tirou a velha calça, pôs de lado, cansada de levar aperto. Pensou em comprar uma nova, mas tinha que pesar bem as coisas. Tempos difíceis, tempo de fazer balanço dos prós e contras: o peso do mundo sobre os ombros. Logo ela, tão franzina! A providência a poucos provê. A onisciência é a ciência do onipotente: onipresente, só a dor. Mas amanhã – amanhã é outro dia. Dia de pintar o rosto e ir à luta, oras! Parar, não pode. Pra frente é que se anda, não é o que dizem por aí? (Difícil é tirar da cabeça a impressão de que está a andar em círculos).
Foi pra cama pensando no dia que passou. Tanta coisa rolando (morro abaixo?) e, na boca, só esse gosto de mais do mesmo. O sono demorou a vir e ela pensou (outra vez) em se apaixonar (outra vez). Aí despensou: despencou das nuvens, caiu por terra: não precisava se apaixonar: precisava de apaixonados. Alguém pra chamar de seu, pra beijar-lhe os pés, pra fazê-la mulher (outra vez) feliz, que já passava da hora. Sonhar? Sim! Sonhar. Sonhar não custa nada, não é o que dizem por aí? Besta. Só se for nada além da paz de espírito. Sonhos nos deixam inquietos, parecem ter vida demais enquanto nós temos de menos. O melhor é dormir e esquecer. Esquecer tudo-tudo, zerar o cronômetro, jogar fora as malas e seguir viagem à pé, descalça. Sim, dormir. Dormir – e viver – sem pensar. Sem pensar que amanhã é terça-feira. Sem pensar nas contas. Sem pensar no que queria, no que poderia, no que diria se...
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