terça-feira, junho 22, 2004

BRIZOLA E O VELHO BRASIL(EIRO)



Brizola morreu. Morreu ontem. Eu desconfiava que aquele dinossauro não ia durar muito mais. Gente como ele, não suporta o silêncio. Acostumada aos comícios, às multidões, às euforias, a voz de Brizola, de uns anos pra cá, não passava de um eco. Ele, Brizola, Tornou-se figura caricata -- um rosto que, vez ou outra, aparecia em rede nacional para chamar o governo de “entreguista e neoliberal”. No fundo, Brizola estava certo, todos sabiam. Mas o discurso do gauchão parecia vir de algum lugar do passado – talvez de Passo Fundo. Como faz a todo velho – e todo louco –, a sociedade brasileira achou-se no direito de ignorar Brizola. Seus discursos faziam rir. Em tempos de Duda Mendonça e Nizan Guanaes, o tradicionalismo brizolista agredia os sensíveis espectadores da televisão brasileira.

Televisão que foi muito criticada por Brizola. Opositor ferrenho de Roberto Marinho e da Rede Globo, o fundador do PDT parece ter perdido sua referência depois que o Citizen Kane se foi, Brizola parece ter ficado mais sozinho. Dizem os sábios que o segredo da natureza é a oposição entre as substâncias: quente e frio, alto e baixo, homem e mulher, Brizola e Roberto Marinho. É tipo de coisa que às vezes só tem sentido em relação ao seu oposto.

Brizola morreu. Brizola, que em 89 me fez fazer campanha por ele. Eu, um guri, perdido em Santo Ângelo, na terceira série do primeiro grau, numa escola estadual, de nome Getúlio Vargas (curiosamente, obra do governo Brizola), fizera campanha pelo pedetista numa eleição de mentira que fizéramos. Lembro que o gaúcho ganhou com folga na nossa eleição. Na de verdade, todos sabem como foi. Espécie de princípio do fim para o político que, na eleição seguinte, ficaria atrás de Enéias. A derrota humilhante, fez Brizola buscar novos rumos. Menos holofotes, articulações. Virou raposa.

Por trás de toda a piada, de toda a caricatura, havia um cara que, apesar de todos os seus defeitos, gostava do Brasil. Herdeiro de Getúlio (seu padrinho de casamento), Brizola era um nacionalista – estava fadado a perder num mundo globalizado. Coerente, inflexível, ortodoxo, Brizola foi quebrado pela política contemporânea, em que é preciso saber mudar, adaptar-se, ser mais água e menos pedra.

Não santifiquemos Brizola. Não façamos isso. Acredito que nem ele gostaria. Pensemos nele como algo que ele é, e não se pode negar: Brizola é história do Brasil. Acompanhar a trajetória dele é a acompanhar a trajetória do país também. Assim será com Miguel Arraes e mesmo com o bizarro Paulo Maluf. Lula também conta essa história, assim como Chico Buarque conta, com seus 60 anos.

A morte de Brizola é mais um sintoma de que o Brasil está mudando. Se para melhor ou para pior, não se sabe ao certo. Mas o fato é que começamos a superar um período. Normal, faz parte da vida – e da morte.

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