sexta-feira, junho 18, 2004

DANÇA COM O OUTRO



Na primeira vez que assisti a Dança com Lobos, eu devia ter uns 11 ou 12 anos de idade. Lembro de ter gostado do filme (o número de Oscars, na época, me impressionava muito), embora tivesse dormido em sua maior parte.

Anteontem, assisti ao filme novamente. Sem dormir – e com o nova capacidade de observação que 10 anos de vida me ajudaram a desenvolver – gostei um pouco mais do filme e já sei dizer do que gostei e do que não gostei.

Para este Psico de 22 anos, Dança com Lobos é um filme que, além de fazer um elogio à sabedoria indígena (quase fazendo referência a Rosseau), fala muito sobre a relação com a alteridade, com a diferença, com a necessidade de se esforçar para compreender o não-eu, para estabelecer um contato verdadeiro com ele. Isso está presente tanto nas tentativas de Dunbar para travar os primeiros diálogos com os Sioux, quando na relação do mesmo personagem com o lobo (um dos personagens mais interessantes do filme). Ao contrário dos diálogos com os iguais (os soldados), nos quais o repertório comum permitia ignorar/anular a voz do outro e impor a própria vontade pela força ou pela hierarquia, na relação entre o Tenente e os índios (ou o lobo) havia necessidade de um esforço para viver/sentir/pensar como o outro para que o diálogo fosse possível. Em vez das esquivas e farsas, típicas das relações sociais do homem “civilizado”, havia a necessidade de abrir-se para a alteridade, única forma de criar um repertório comum, que permitisse o diálogo. Esse, pra mim, foi o ponto forte do filme.

CINEMA AMERICANO E SUBVERSÃO

Dança com Lobos, obviamente, é um filme norte-americano por essência, um épico direcionado ao grande público, com trilhas sonoras pomposas, belos cenários, heroísmos e muita bandeira “ianque” em primeiro plano. Contudo, muitos desses valores, como aparecem em filmes como Pearl Harbor ou Independence Day, por exemplo, são subvertidos no filme de Costner. A bandeira, ali, representa o índio americano, o Sioux que -- o filme tenta dizer -- é o americano verdadeiro. Como Scorsese ou Coppola-- ainda que com menos brilhantismo --, Costner utilizou os formatos tradicionais do cinema norte-americano para ir contra a corrente. O fato de ser um filme norte-americano não impediu Dança com Lobos de ser um filme crítico -- como Um Estranho no Ninho ou Beleza Americana – e, mesmo assim, romper certas barreiras impostas pela Academia a filmes que tocam feridas. Dança com Lobos critica a colonização (o tempo todo); critica o homem branco “civilizado” (o companheiro de viagem porco que levou Dunbar à fronteira); e critica a imbecilidade da guerra.

Dança com Lobos parece reafirmar o tempo inteiro que o homem (civilizado) é mesmo o lobo do homem (e dos lobos).

LIMITES



A mim, o filme pecou apenas num ponto. A subversão dos valores não foi suficientemente corajosa para fazer Dunbar apaixonar-se por uma índia “de verdade”. É como se um limite fosse estabelecido ali: podemos conviver bem e aprender a nos respeitar, mas há limites intransponíveis. Embora tivesse sido casada, “De Pé com Punhos” não tivera filhos (nem Sioux, nem brancos “degeneraram”). A mulher do “Silencioso” fala ao marido, único capaz de liberar livrar “De Pé com Punhos” do luto que o amor dela por Dunbar era natural, afinal, eles eram iguais, eram brancos.

A cor da personagem, não há dúvidas, facilitou o bom funcionamento do roteiro. O fato de “De Pé com Punhos” falar inglês, foi fundamental para que o diálogo acontecesse mais rápido entre Dunbar e os Sioux. Além disso, a amor entre iguais, creio eu, está menos apto a chocar a puritana sociedade norte-americana do que um relacionamento inter-racial. No conjunto, é claro, isso não compromete tanto o filme. Mas é algo que merece destaque.

COSTNER



Olhar esse filme de outra forma foi importante eu poder pensar na figura de Kevin Costner que, na minha cabeça, sempre esteve muito associada ao americanismo (“13 Dias que Abalaram o Mundo”, “JFK – A pergunta que não quer calar”, “O Mensageiro”) . Não que Dança com Lobos signifique uma ruptura com essa tradição, mas é, sem dúvida, um olhar sobre si interessante.

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