BALAS PERDIDAS
COMO UMA ONDA...
O jornalismo é uma profissão ingrata para os que lhe querem bem. (Na verdade quem quer bem ao jornalismo quer bem a uma abstração: não há na imprensa nacional jornalismo que, despido, faça bom papel). Neste final de ano, exemplo clássico: quase todo mundo (se não fosse o quase!) sabe que final de ano é época de pôca pauta. Congresso em recesso, futebol em recesso, as decisões importantes (nos dois campos) adiadas para depois do carnaval, resta à bigimprensa caçar uma retrospectiva aqui, um fato pitoresco acolá. Tudo muito meia boca – afinal, sabe-se que a imprensa gosta é do extraordinário, do espetaculoso, como diria um personagem de novela (e eu lá lembro qual?!). Final de ano é época de Roberto Carlos, de vinhetas globais, de São Silvestre (existe coisa mais sem graça que a São Silvestre?). A imprensa definha.
A não ser que...
... a não ser que role uma tragédia, uma cabeça, uma desgraça. É tão triste dizer (quanto noticiar), mas o Tsunami salvou a imprensa mundial de uma calmaria que lhe dá nos nervos. Já vamos pra quase um mês de coberturas exaustivas (mas nem por isso menos ralas) da tragédia no oriente. O mundo é uma laranja, ergo tiremos dela a última gota – de sangue (ou de água salgada). O Ibope cresce na proporção do número de mortos. Se santo de casa não faz milagre, que dizer dos mártires? Olhemos pra Ásia, sim, olhemos pra Ásia! Essa é uma boa maneira de tirar os olhos de nossos miseráveis (os sentidos pululam), da população de rua, que cresce a dar com pau (os sentidos pululam), dos boçais que assumiram centenas de prefeituras no 1º de janeiro! Salve Tsunami! Salve a ilusão! Salve salve amigos da Bandeirantes!
SONTAG
Além das inúmeras vítimas do Tsunami, 2004 teve também uma vítima do câncer. Susan Sontag, uma das intelectuais mais polivalentes (combativa, ácida e incisiva) de nosso tempo, morreu. Morreu entre as vozes do Arizona (mesmo nascida e criada em Manhatan) com coragem de criticar modafóca do Bush.
Mas a arte da filósofa-cineasta-crítica-etc. vai muito além disso. Bush é uma reticência demasiadamente insignificante na grande obra dessa moça. A mim, a morte da dita cuja abalou de sobremaneira. Não porque fosse um dos inúmeros fãs que ecoam suas idéias feito epidemia (gosto disso). Tomei contato com Sontag duas semanas antes dela morrer, por meio de Contra a Interpretação, um de seus livros mais importantes. Apaixonei-me pelo estilo, pela gana, pela perspicácia de Susan (é, estávamos começando a pegar certa intimidade). Perde-la dessa forma, como que arrastada por um Tsunami, foi como furar ao pneu da bicicleta ganha no natal em pleno 26 de dezembro.
RELEITURAS: CEM ANOS DE SOLIDÃO E O JOGO DA AMARELINHA
Não sei se vocês sabem, mas estou de férias. Depois de uma overdose teórica (lembram do TCC?), resolvi dar um tempo desse mundo em tons pastéis: voltei aos romances. E creio que nada melhor para um filho pródigo do que fazer uma visita aos velhos amigos. Foi acreditando nisso que fui em busca de Garcia Marques e Cortazar.
Com Garcia, conversei de forma ininterrupta (ou melhor, ouvi-o contar suas histórias) por três dias que me pareceram cem anos. Deu-me notícia dos Buendía, de quem não ouvia falar há tempos. Boa conversa, animada pelo acordeom de Aureliano Segundo. Olha, devo dizer que me emocionei. E, antes que me duvidem, aviso logo que não sou homem dessas bobageiras. É que o índio desencravou histórias das antigas, de um tipo que me deixa comovido pra diabo.
Depois de me recompor emocionalmente, fui até a baia de Cortazar. Encontrei-o mais crescido, com um pé que só não chegava antes de sua fama aos algures do mundo. Temos dialogado muito nesses dias. Este sujeito não me leva dos desmundos percorridos por Garcia, mas remete-me à infância. Sem me dar conta, dou por mim a jogar O Jogo da Amarelinha, ansioso por lançar a pedrinha (quais os espaços proibidos?). Cortazar ri-se de mim, do alto de sua estatura. Vez ou outra, aproveita-se de minha infantilidade momentânea para zombar de minhas limitações. “Que te impede, a pedra?” Não sei, não sei. O fato é que essas conversas me perturbam em quantia. Tanto tanto que, dia desses, resolvi me arriscar nas terras da poesia, o que – disso todos sabem – não é coisa de quem anda bom da cabeça.
HOJE É DIA DE LUIS FERNANDO CARVALHO
Se a escassez de pauta faz o jornalismo definhar, as “férias” dos programas globais traz novo alento à programação da gigante. Com exceção óbvia do Big Brother (que já teve seus encantos, mas caiu no estereóbvio), a Globo tem levado ao ar cositas interessantes, mas nada que se compare a Hoje é Dia de Maria. Há muito tempo que eu não via algo tão bom saindo das telas globais. Quando se decide usar a televisão pra fazer teatro-cinema-ou-cinema-teatro é que a gente vê o quanto a telinha faz mal pros atores. O elenco da Globo não é ruim não, meu povo. O que mata é decorar texto de novela tipo bicho, como diria meu pai, e ter de fazer tudo nas coxas.
Além da produção cuidadosa da série (a idéia da cúpula teve um quê de genial) deve-se, é claro, destacar a direção. Pra quem não lembra, Luis Fernando Carvalho foi o diretor de Lavoura Arcaica (o desaparecido), considerados por muitos um dos filmes mais interessantes que se produziu por estas bandas nos últimos anos. Não é preciso nem ir à telona pra perceber que léguas de distância separam carvalho de Monjardim, por exemplo, que no ano passado dirigiu a A Casa das Sete Mulheres e, ainda que a história, o cenário (tá, tô sendo bairrista, admito) e o elenco fossem bons (e tenham salvado a história na maior parte do tempo), ninguém merece o dramalhão no qual o diretor transformou a série. Eca! Deusmelivre de Olga!
DA LAMA AO CAOS
Pra fechar com chave de cadeia, vou falar de Senhora do Destino. Não, não. Não vou falar dos erros de continuidade, não. Nem da Nazaré-Heleninha, que junto com Tom Hanks, faz miséria. Como bom jornalista, vou falar é de tragédia. De tragédia das grandes. Vou falar da Carolina Dickman. Pelo cachorro-da-mão-torta, quando é que aquela menina vai aprender a interpretar??!! Não, não. Tô cansado desse povo que ganha a vida fazendo caras e bocas (na televisão).
E outra coisa, alguém pode me responder o que – diabos! – a Marília Gabriela está fazendo naquela novela (além de encher o bolso de dinheiro). Não, não. Pra mim chega. Tô dando linha. Ciao!
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