sexta-feira, junho 25, 2004

VIDA “FEITA DE OUTROS”



Uma das coisas que mais me incomoda em certos discursos – sejam políticos, educacionais ou científicos – é a aversão ao erro, à falha, à imperfeição. A metáfora do homem máquina é batida, mas pertinente. O profissional competente que o mercado exige aproxima-se muito da máquina, do computador que não erra, mas uma ora dá “tilt”, pra falarmos o capixabês claro.

Muita gente chama Curitiba de “capital modelo” e pretende tomá-la quando exemplo ao pensar o urbanismo. Psicoticamente falando, a organização e a assepsia de Curitiba não me seduzem nenhum pouco. Lembro de minha viagem à capital do Paraná em 95, em plena a era Lerner. O retrato que guardo da cidade parece ter sido pintado em cores frias. A assepsia curitibana era bela, sim, mas vazia, como essa beleza das modelos fabricadas. Tudo ali parecia de plástico, oco, como uma cidade cenográfica – só para olhar.

Hoje pela manhã, lendo o livro do curitibano José Castello, “Inventário das Sombras”, vi o escritor expressar um pouco desse sentimento que a cidade despertou em mim. Escrevendo sobre Dalton Trevisan, ele diz: “Curitiba é uma cidade, como já disse Cristóvão Tezza, um de seus mais eminentes escritores, ´feita de outros´. Antes de ser, o curitibano olha para o lado para verificar se não está sendo inconveniente, ou desmedido. O Eu é o só o resultado do olhar do Outro, não passa de um reflexo”.

É para existir pelo olhar do Outro que muitas vezes se busca eliminar o erro. O erro, a falha, é justamente a abertura que oferecemos para que esse outro nos destrua, nos rechace, nos substitua ou, simplesmente, compre outra marca. Assim é no capitalismo, no mercado competitivo, na vida acadêmica, na literatura. É nesse espaço gélido e silencioso criado pelos olhares que nos vigiam que nossa vida vai, aos poucos, perdendo o sentido até tornar-se algo que nos escapa, que não mais nos pertence...

É pena.

Acho que escrevi outro texto melancólico.

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