terça-feira, março 23, 2004

Psicomentários sobre o assassinato de Ahmed Yassim


“Assassinatos extrajudiciais minam o conceito de Estado de Direito”
(Comunicado dos chanceleres da EU (União Européia), sobre o assassinato do líder espiritual do Hamas, Ahmed Yassim).

Para o conceito de “Estado de Direito” fazer sentido, é necessário primeiro repensar a idéia de racionalidade, sem a qual ele não faz o menor sentido. Os líderes israelenses e palestinos parecem, às vezes, carecer desse atributo cultural dos seres humanos. Primeiro, porque esse conflito estúpido já se estende por décadas, não havendo diálogo que o resolva. Segundo, porque o ódio dos israelenses contra os palestinos (terroristas, no discurso oficial) é tão imbecil quanto o ódio nazista (não faça aos outros o que não quereis que os outros vos façam – é Jesus (eles não crêem e não os culpo por isso), mas é Kant também. Terceiro, porque o diálogo intercultural não acontece assim de forma tão descomplicada.

Sejamos simplistas, façamos analogias: palestinos convivendo com judeus no “Estado de Israel” (esse presente da ONU aos judeus do pós-guerra) é mais ou menos como ter a Seleção Brasileira concentrada no La Bombonera (estádio do Boca Juniors, na Argentina). A diferença fica por conta do tipo de batalha que é travada. No futebol, os argentinos não usam canhões e os jogadores brasileiros não explodem no campo matando hermanos.

Sei que a comparação com o futebol parece boba e exagerada. Mas para mim, a diferença entre as duas rivalidades não parece assim tão grande: elementos de irracionalidade permeiam tanto o clássico futebolístico sul-americano quanto a “Guerra Santa” em Israel. A diferença (esta sim, grande) é que no futebol artilheiros, explosões e matadores são inofensivos.

O comunicado da União Européia (assim como os discursos da ONU) têm me parecido, cada vez mais, gritos no deserto, diante da bestialidade que tem tomado conta do mundo contemporâneo, especialmente após o 11 de setembro. Muita gente duvidou quando os analistas disseram que a Guerra do Afeganistão (ou melhor, a Guerra do Bush) era só o começo de um período que tem tudo para ser conturbadíssimo.

[Yassin é] o mentor do terror palestino e um assassino em massa que está entre os maiores inimigos de Israel
(ARIEL SHARON, premiê de Israel)
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Sharon, ao lado de Bush, representam o que há de pior entre os governantes do mundo contemporâneo. A retórica anti-terrorista vem legitimando (ou tentando legitimar) barbarismos os mais variados, desde o ataque às torres gêmeas. Nem quero falar aqui sobre a invasão norte-americana ao Iraque e as famosas armas de destruição em massa que nunca existiram...

A própria crise em Israel é, em boa parte, culpa de Bush. Os republicanos – em sua maioria tão provincianos quanto Bush – o colocaram no poder, mesmo sabendo tratar-se de um imbecil completo no que tange à política internacional. Os debates antes da eleição atestavam isso. Ganhou porque tinha carisma, porque falava espanhol, porque era republicano e porque o sistema eleitoral norte-americano, paradoxalmente, é atrasado. Todo o progresso realizado pelo governo Clinton em Israel, nos oito anos anteriores foi jogado no lixo por Bush Filho (o complemento é ao gosto do freguês).

Eu poderia falar aqui sobre Berlusconi e Blair, mas chega de falar de coisa-ruim.

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