quarta-feira, março 10, 2004

VELHIDADES


Para atender a pedidos, estou atualizando o Blog. Mas farei isso de forma meio canhestra: vou postar textos velhos: posts novos de textos velhos -- dá pra sacar o paradoxo disso? Se não dá, pensem no primeiro parágrafo deste post ("Quem tem ouvidos de ouvir...").

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O texto abaixo trata-se de uma viagem/revolta (é, é... já fui um revoltado) com a estrutura da Educação no Brasil. O Post, que segue tosco, sem alterações, foi escrito há mais ou menos dois anos. Se alguém perceber evoluções ou regressões ao comparar os textos daquela época com os da safra atual, manda cá uma psicomentário: vou gostar de discutir isso.

USOS E USOS


Uma das questões que considero fundamental a ser discutida, quando se pretende pensar o futuro da humanidade é a da técnica. E quando se vai discutir a questão da técnica é inadmissível esquecer o importante papel desempenhado pela educação nos desdobramentos que podem surgir dessa discussão.

A educação moderna... não é moderna. Não uso o termo moderna aqui no sentido histórico, da modernidade, mas no sentido de atual, de contemporânea. Ainda aprendemos matemática no ensino fundamental!

Antes de jogarem pedras, leiam bem: não questiono a importância dos saberes matemáticos para a civilização - se fizesse isso Descartes sairia de sua cova para entrar em contenda comigo. Questiono, isso sim, a inutilidade de acumular determinados saberes nessa área que considero dispensáveis. Dispensáveis não por que não serão usados. Dispensáveis por que há maneiras mais práticas, mais simples, de utilizá-los sem precisar perder tanto tempo estudando-os. É aí, nesses saberes, nos matemáticos, que deve ser dado espaço à técnica, mais precisamente, à tecnologia. Sem subestimar a capacidade humana (afinal, fomos nós - os humanos - que criamos as máquinas... blá, blá, blá...) devo dizer que, para calcular com exatidão, os computadores são muito mais competentes do que nós, os mortais. Por que não substituir boa parte do tempo dispensado no ensino fundamental e médio ao ensino da informática, da lógica, em vez de ensinar matemática. Ou melhor, por que não substituir o lápis, a borracha e o quadro negro pelos teclados e monitores para ensinar matemática? Num mundo onde as contradições, os paradoxos e as "perplexidades" (termo caro a Boaventura de Sousa Santos) abundam, por que perder tempo estudando Equação do 2º grau quando se poderia estar aprendendo a desenvolver a capacidade de pensar, de solucionar problemas? Sabendo isso, a parte chata, maçante, repetitiva, poderia ficar a cargo dos computadores. Que se estudasse a teoria da matemática então, para entender o porque de sua existência, quais as suas aplicações. Mas que não fossem perdidas horas de estudo na resolução de exercícios profundamente entediantes, que não representam nada para quem os estuda simplesmente para fazer uma prova e passar de ano.

Este é o primeiro ponto que gostaria de destacar. A informática pode, aliás, deve ser usada para que possamos poupar o tempo que é gasto com coisas menos importantes para usá-lo em questões de relevância.

O segundo ponto é o seguinte: por que tentar manter esta aura quase sagrada em torno do ensino? Porque resistir à introdução das novas tecnologias para facilitar o ensino da física, da biologia e da química, por exemplo? Por que não colocar a televisão - a grande inimiga dos intelectuais - dentro de sala de aula? Por que não usar o feitiço contra o feiticeiro. Tentar eternizar certos procedimentos arcaicos é apressar sua extinção. A educação deve estar mais perto de Heráclito que de Parmênides. Precisamos de movimento, de dialética. Precisamos ser contaminados pelos delírios de McLuhan e romper um pouco com a linearidade estática da escrita. Não para superá-la, não para colocá-la em segundo plano ou considerá-la inferior às novas formas de comunicar. Devemos romper com a aura que gira em torno da escrita e que acaba por torná-la um bicho-de-sete-cabeças que assusta. Chega de aristocracia. Tudo o que pode ser usado para libertar o homem deve ser usado. Se isso não for feito, se a tecnologia continuar a ser vista como um monstro que só serve para deixar as pessoas cada vez mais estúpidas ela irá se tornar esse monstro. Para dominar o monstro é preciso compreendê-lo, tornar-se íntimo dele, seu amigo, para usá-lo a nosso favor. Se resistirmos, seremos engolidos por ele, que será comandado pelos que não o temem.

Fiquemos apenas nesses dois pontos positivos no uso da técnica por aqui. Há outros exemplos de como a tecnologia e a técnica podem ser utilizadas para o "bem" do homem. Poderia ter citado aqui a Internet, por exemplo, e as idéias se multiplicariam. Mas creio que esses dois pontos são suficientes para compreender como a tecnologia pode ser usada para mudar profundamente a estrutura debilitada de nosso sistema de ensino.

Direi aqui algo que é quase chover no molhado: a técnica, por si só, é neutra (ao contrário da ciência, mas prefiro não entrar nesse ponto para não ter de multiplicar o tamanho do texto). O uso que fizemos dela é que irá torna-la boa ou má. Entregar-se à tecnologia, entrar de cabeça, de corpo e alma nela, como se ela fosse a salvação do mundo, a solução para todos os problemas, não duvidar dela, não criticá-la, numa atitude neopositivista, é estupidez. Ensinar informática a pessoas que não sabem pensar, pessoas condicionadas, que às parcas noções de ética que têm não dão a mínima importância, é suicídio.

É aí que entram as ciências humanas. O humano deve estar por trás da técnica. Para lembrar Habermas e o pessoal de Frankfurt, a racionalidade instrumental não pode invadir o "mundo vivido". Permitir que pessoas que respiram o sistema, já impregnadas por sua máquina, pela burocracia, pela Indústria Cultural, pela Ideologia dominante, pela superestrutura... permitir que essas pessoas dominem a técnica é quase permitir a controle da técnica pela própria técnica. É abrir mão de nossa humanidade.

Se considerarmos que só porque a tecnologia tem empregado a maior parte das pessoas no mundo atual, devemos ensinar menos história e mais informática, menos sociologia e mais lógica da programação etc., estaremos perdidos. É justamente o contrário. As tarefas que tomam tempo do estudante - como a questão da matemática, levantada acima - devem ser entregues à tecnologia. O tempo que sobrar deve ser entregue às humanidades. Precisamos de mais sociologia, filosofia, história, ética, psicologia, comunicação e menos de raiz quadrada. Precisamos mais aprender a debater, a dialogar, a argumentar, a discutir, a fazer funcionar o "espaço público", a descolonizar a lebenswelt ("mundo vivido), do que calcular logaritmos (que, por sinal, fiz questão de esquecer o que é assim que entrei na Faculdade).

Esses são alguns apontamentos que gostaria de fazer às pessoas envolvidas com o ensino, seja em qual for o nível. Há muito para ser lido nessa área, desde Virilio e Habermas até Levy e McLuhan. É preciso abrir novos horizontes de pensamento se quisermos que a capacidade de pensar continue sendo uma aptidão humana - assim como a capacidade de viver.

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Repararam no tom panfletário que o texto assume em determinados momentos? Dá pra observar a influência de certas leituras? E as pretensões poéticas na última frase? E os ensaios retóricos, dá pra percebe-los?

Tempo, tempo... faz cada coisa com a gente!...

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