quinta-feira, março 03, 2005

SOBRE VIDA, VIAGEM, MACACOS E COISAS SIMPLES



Acho que amanhã compro minha passagem.

Falando concretamente, trata-se de uma passagem de ônibus para Porto Alegre. Muitas horas na solidão na estrada – só eu e meus pensamentos.

Falando subjetivamente, essa viagem ganha outras proporções. Desaparece o incômodo da poltrona, a luz perturbadora dos faróis, o barulho do motor. Resta um: eu. Um eu que precisa muito ficar sozinho consigo mesmo.

Eu. Maikel, Psico, Bebê. Eu, jornalista desempregado, idealista repleto de pessimisto (pessimismo cortante, com raízes cravadas na crença de que os seres humanos são melancolicamente estúpidos na maior parte do tempo e isso é capaz de acabar com a alegria de qualquer um). Eu, o cético apaixonado – o apaixonado cético. Eu, “o cara”. O cara das potencialidades, das aptidões, do bom gosto: o cara-de-pau.
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Chama-se Máiquel o protagonista de “O Matador”, romance de Patrícia Melo que deu origem ao filme “O homem do ano”. Do filme, o roteirista (nada mais, nada menos que Rubem Fonseca) retirou da história uma parte que, no livro, é muito significativa: a piada do macaco.

Logo no comecinho do romance, Máiquel diz não gostar de piadas e conta que na vida toda só guardou uma na memória. Resumidamente, a piada é assim: um homem fura o pneu do carro na estrada, desce para trocar e verifica que está sem macaco. Olha em volta e percebe-se completamente isolado. A única casa na qual ele poderia conseguir um macaco emprestado fica a cerca de três quilômetros do lugar onde ele está. Sem alternativa, ele começa a caminhar em direção à casa. Com quase um quilômetro já percorrido ele começa a duvidar do que está fazendo. Fala consigo mesmo: deixa de ser imbecil, o cara não vai emprestar o macaco pra um desconhecido. É bem capaz de te botar pra correr de lá. E você andando essa distância toda à toa, volta pro teu carro e espera alguém passar. Com esses pensamentos na cabeça, ele andou mais um quilômetro, sempre pensando: mais um quilômetro percorrido à toa. Você é mesmo imbecil. O filho-da-puta não vai emprestar o macaco, como é que ele pode ser tão miserável? O que é que custava emprestar a porra do macaco?! O que é que custava? Depois de ter andado os três quilômetros, o cara chega à porta da casinha. Bate. Um senhor vem atende-lo e, antes que possa dizerpalavras, ouve do cara do carro: enfia o macaco no cu, porra! O cara disse isso. Disse isso e percorreu os três quilômetros de volta em direção ao carro. Sem macaco.

A Patrícia Melo, na voz do Máiquel, conta a piada de outra forma (e melhro). Mas piada é piada, então.... O fato é que o Máiquel dizia encarar a vida dessa forma. E eu, o Maikel, às vezes (mas só às vezes), faço a mesmíssima coisa. Coincidências.

Quando li isso pela primeira vez pensei: putz, será que preciso pintar o cabelo de loiro e sair matando gente pra dar um jeito na minha vida? Não, não, pensei comigo. Não consigo me imaginar de cabelo loiro.
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Nem sei o motivo pelo qual escrevi essas coisas. Minha vida anda até bem legal. Exceto pelo falo de ela é menos minha do que eu gostaria que fosse (embora às vezes seja e mais do que poderia ser).

Manias estranhas. Durante um tempo, tudo que eu quis na vida foi ser hippie, beat, sei lá – qualquer coisa que viajasse pelo mundo só com a cara e a coragem – sem laços, sem correntes, sem nada. Com o tempo, descobri que tenho uma formação burguesa demais, classe-média-brasileira demais. Isso tem seu lado positivo (como quase tudo na vida). Mas tem outros lados...
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“Como tudo na vida”: é o nome do último filme do Woody Allen que vi. O carinha de American Pie (esqueci o nome) faz o papel de Woody Allen (com outro nome, claro), um comediante talentoso, mas cheio de medos, incertezas e muletas nas quais se apóia all the time. O Woody Allen é o velhinho porra louca que muda tudo isso.

Engraçado ver Woody Allen falando mal de psicanalistas (logo quem!). O filme tem sacações legais (algo tolas às vezes, mas legais ainda). Faz a gente olhar pras próprias muletas e se perguntar: por que, diabos?

Tantas muletas, tantas pessoas que a gente manda enfiar o macaco no cu. Tantas opções de vida que precisam ser repensadas.
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Relendo o que acabei de escrever, percebo que o texto tem um tom entre melancólico e depressivo. Isso não condiz com meu estado de espírito hoje. Por isso o escrevi. Se o tivesse escrito na semana passada, sairia pior. Muito pior.

Hoje, na verdade, me sinto feliz. De um jeito que não me sentia há bastante tempo. De um jeito liberto. De um jeito Psico. Isso é bom. Quando percebi, sorri “e houve muita alegria”.

Sei que a viagem vai me fazer bem no atual momento. Nada melhor do que um período de introspecção como preparação para a guerra (metaforicamente falando). Vou lá, rever o Guaíba, respirar novos ares – talvez até pare de fumar (é... acho que exagero).

Falando nisso, meus cigarros acabaram. Preciso ir. Está chovendo aqui, estou de moto, vou pegar uma chuva gelada e intermitente agora. Pasmem, mas devo dizer que gosto disso: “As coisas simples da vida”. Creio que passa por aí a minha libertação.

Fiquem com este texto atípico. E, se resolverem comentar, evitem aconselhamentos. As elipses prejudicam o bom entendimento e, neste caso, meias palavras servem para quase nada: têm mero papel estilístico. Em POA, descolo um PC e posto alguma bobeira de vez em quando. I´ll be back. Em breve.

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