Até que ponto?
Em minhas leituras de Habermas, um dos temas que mais me fascinou foi a necessidade, apontada por ele, de “descolonizarmos” o “mundo vivido” (lebenswelt). O que o teórico alemão chama de “mundo vivido” são esferas como arte, política e ética, entre outros. Esferas genuinamente humanas, que só podem existir por meio de e em função do homem. O “mundo vivido” é o espaço do diálogo, da “conversa cuspida”, da verdade processual estabelecida no espaço público.
Para Habermas, esferas como economia e administração seriam regidas pela racionalidade técnico-instrumental, da burocracia. Impessoal, próxima às “letras mortas” do judiciário, essa racionalidade caracteriza-se pela eficiência na conquista de certos objetivos (sempre práticos ou, como o nome diz, instrumentais).
Tudo lindo, se essa racionalidade burocrática se limitasse às esferas nas quais tem utilidade. Mas isso não acontece. Habermas aponta que, aos poucos, todas as esferas da vida foram dominadas por ela. Os espaços de diálogo foram se extinguindo. O homem passou a ser cada vez mais comandado por leis, papéis e regras que, muitas vezes, perdiam a conexão com o humano e com a realidade do “mundo vivido”.
Estava lendo hoje à tarde um artigo de Muniz Sodré, no site do Observatório da Imprensa. No artigo, Sodré comenta uma decisão da justiça mineira que demonstra claramente como se dá essa colonização do “mundo vivido” pela racionalidade técnico-instrumental. A justiça puniu um pai separado por não dar “afeto e carinho” a seu filho. O fato de pagar a pensão em dia, não foi suficiente para livrar o pai da condenação.
Não entrarei -- como o articulista também não entrou -- nos (des)méritos do pai ausente. O que importa discutir aqui (ou pelo menos pensar) são os limites da justiça. Até que ponto a lei pode deliberar sobre a nossa vida, nosso dia-a-dia, nossas relações afetivas? Até que ponto nossa subjetividade pode ser violentada e nosso modo de vida avaliado/julgado por este ou por aquele magistrado? Será que somos incapazes de pensar, discutir, escolher? Será que os juízes e advogados são mais capazes de fazê-lo? Eu, na minha insignificância, acho que não...
(Para ler o artigo do Muniz Sodré, clique AQUI. Vale a pena. A questão envolve questões bem mais sutis, que não cabe discutir aqui, mas que merecem ser pensadas com cuidado).
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