quinta-feira, janeiro 29, 2004

Psico Tópicos
Repórter por um dia

Não quero fazer injustiça, nem ser acusado de preconceituoso, por isso, antes ler este texto, responda uma pergunta: a Feiticeira Joana Prado, por acaso, estudou jornalismo? Se a resposta for afirmativa, por favor, desconsidere as linhas abaixo. Mas se não for, vá em frente e, como no Telecurso 2000, ´´vamos pensar um pouco´´.

Hoje pela manhã, quando almoçava (almoçamos cedo lá em casa) a TV estava ligada na Record. O programa que passava era Note e Anote. Num determinado ponto do programa, entrou uma matéria sobre reciclagem de lixo, que é sempre um tema interessante. Mas dessa vez o assunto não me interessou, mas sim a repórter, nada mais, nada menos do que a Feiticeira (vulgo Joana Prado)!

Agora eu pergunto, meus caros: por que - diabos! - a Joana Prado anda fazendo reportagem? Aliás, por que pessoas que não sabem nem o que é um lide fazem reportagens televisivas (independente ou não do diploma)?

Como ninguém responde, respondo eu: porque na televisão, um rosto (ou outras partes do corpo) bastam para tornar uma pessoa interessante, para habilitá-la a fazer reportagens, a entrevistar, a dar informações às pessoas! Na TV, o que importa, cada vez mais, é o visual. O conteúdo (já existiu - e existe - conteúdo em algumas ilhotas televisivas, não sejamos tão cruéis) se torna algo cada vez mais dispensável, algo que pode ser trabalhado nos bastidores. Importante, é o produtor saber. O repórter, é só a embalagem! E, sendo assim, é bom que a embalagem seja ´´boa´´.

Mas, paremos por um momento de queimar a Feiticeira (afinal, quem garante que ela não é jornalista? Afinal, a Tiazinha estudava Comunicação, e as duas são crias do terrível Huck). Citemos mais exemplos.

Lembram do Adriano, ex Big Brother? Se não me engano, ele era artista plástico, não? Pois é, a mesma Bandeirantes, o mesmo Note e Anote colocou o Didi (apelido carinhoso de Adriano) para fazer reportagens.

Lembram da Pipa, ex No Limite? Ela já fez matérias (???) para a Globo. Assim como a Tina e quase todos os ´´anônimos´´ promovidos pelos reality shows globais.

Fico me perguntando se aquele quadro Repórter por um dia, que passava (ou passa?) no Fantástico veio depois dessa onda de colocar leigos famosos para fazer jornalismo (???) ou se o quadro foi a legitimação - a abertura da porteira - que todos esperavam para começar o espetáculo e tornar o diploma (e, mais do que isso, o saber-fazer jornalístico) cada vez mais dispensável.

Parece corporativismo, mas não se trata disso. Querendo ou não, o jornalismo ainda tem uma função social, por mais desacreditada que ela esteja. Mesmo as grandes redes devem satisfação ao espectador e, embora muitos não saibam, ninguém é dono de uma TV (pelo menos pela lei - que no Brasil, no fundo, não diz muita coisa). Televisão é concessão do Estado, assim como as faculdades; é um bem público. Precisa ser não apenas vista, mas vigiada observada.

Assim como o jornalista precisa ser observado. Mas como cobrar ética profissional de alguém que exerce (???) a profissão porque tem um corpo bonito, ou porque emplacou duas ou três música nas paradas de sucesso? (Vale a pena visitar o Site do Observatório da Imprensa, pra ver que há gente se preocupando com isso).

Não quero dizer aqui que a televisão deveria ser constituída apenas por jornalistas, mas que há espaços onde esse profissional não pode ser substituído, como se troca um item que atrapalha a composição do cenário. Feiticeiras, Tiazinhas, Big Brothers têm seu lugar - afinal, a TV aceita quase tudo. Mas uma coisa é certa: o lugar desse povo todo não é fazendo matérias ou reportagens, por mais ´´lights´´ que elas sejam. É uma comparação simplista, mas serve neste caso: se todo mundo acha estranho um advogado fazer cirurgias, porque aceitam que artistas plásticos, dançarinas ou sei lá o que façam matérias jornalísticas?

A agora, o discurso panfletário: Jornalistas do mundo, uni-vos! Ocupem seus lugares! Lutem por seus direitos (e cumpram seus deveres).

E quanto ao público, que prestem mais atenção no tipo de informações que lhe estão enfiando goela abaixo. Será que dá, realmente, para pensar o mundo a partir das matérias da Feiticeira? Espero, sinceramente, ser convencido de que isso é possível. Mas no momento, duvido muito.

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